19.10.25

"O Senhor dos Mortos" - David Cronenberg (Canadá/França, 2024)

Sinopse:
Karsh Relikh (Vincent Cassel) é um empresário renomado. Inconsolável desde a morte da esposa (Diane Kruger), ele inventa a GraveTech, uma tecnologia revolucionária e controversa que permite aos vivos monitorar entes queridos em suas mortalhas. Certa noite, vários túmulos são violados, incluindo o da companheira falecida de Karsh. Ele então sai à procura dos culpados.
Comentário: David Cronenberg (1943) é um cineasta canadense que capturou em seus filmes, por meio de um estilo único, as paranoias sociais e relacionadas ao corpo dos nossos tempos. Assisti dele os excelentes "Marcas da Violência" (2005), "Senhores do Crime" (2007), "Mapa para as Estrelas" (2014) e “Crimes do Futuro” (2022), além dos bons “A Hora da Zona Morta” (1983), "Crash - Estranhos Prazeres" (1996), "eXistenZ" (1999), "Um Método Perigoso" (2011) e "Cosmópolis" (2012). Desta vez vou conferir "O Senhor dos Mortos" (2025).
Matt Zoller Seitz do site Roger Ebert nos conta que: "David Cronenberg faz filmes há cinquenta anos. Seus temas e imagens permaneceram tão consistentes que sua filmografia gerou não uma, mas duas terminologias indispensáveis. Uma é 'cronenbergiano', que (...) descreve uma vibração cinematográfica muito específica que é comunicada de forma mais eficiente ao nomear o artista que a aperfeiçoou. O outro termo é 'horror corporal', uma subcategoria de horror sobre a fragilidade, a poesia e a maleabilidade da carne, e nosso medo de que sua integridade seja violada. 'O Senhor dos Mortos', sobre um viúvo que lida com sua dor criando um novo tipo de cemitério onde os vivos podem observar a decomposição dos corpos de seus entes queridos, é um horror corporal cronenbergiano de integridade e força.
O filme deve sua existência a um horror corporal da vida real que Cronenberg vivenciou quando sua esposa de 43 anos, Carolyn, foi diagnosticada com um câncer que devastou seu corpo e, por fim, tirou sua vida. É um filme do 'Cronenberg tardio', na linha de 'Cosmópolis', 'Mapas para as Estrelas' e 'Crimes do Futuro', no sentido de que sua principal forma de ação na tela é a conversa, e seu bloqueio, composição e abordagem geral à narrativa e caracterização devem tanto ao teatro e à televisão quanto ao cinema. (...)
A maior parte da ação gira em torno de quatro personagens. O personagem central é Karsh (Vincent Cassel), que canalizou sua dor interminável pela morte da esposa inventando o GraveTech, um cemitério/mausoléu conectado à internet que permite aos visitantes assistir à decadência gradual de seus entes queridos enterrados por meio de um aplicativo criptografado para iPhone (...).
Diane Kruger interpreta múltiplos papéis. Ela é a falecida esposa de Karsh, Becca, que aparece em cenas que mais parecem alucinações ou sonhos (parábolas, até) do que flashbacks típicos; e ela é a única irmã de Becca, Terry, uma veterinária que virou tosadora de cães e testemunha a jornada dele pelo luto enquanto lida com o seu próprio. 
O quarto personagem principal é o ex-marido de Terry, Maury (Guy Pearce), um guru digital que tanto Karsh quanto Terry descrevem como um 'idiota', mas que possui um conjunto particular de habilidades que um dia se mostraram úteis para Karsh, e podem se mostrar novamente. Entre suas muitas contribuições, Maury criou Hunny, uma assistente digital que ajuda Karsh na vida diária e ouve seus problemas – e frequentemente parece estar flertando com ele, embora sutilmente o suficiente para que Karsh geralmente ignore. (Kruger também é a voz de Hunny; que salão de espelhos!)
O incidente incitante em 'O Senhor dos Mortos' é a destruição deliberada de sete tumbas no terreno da GraveTech por uma ou mais pessoas desconhecidas. Cronenberg constrói isso em uma conspiração obscura que pode envolver financiadores internacionais e influências russas e chinesas, e que se apaga e se reescreve parcialmente a cada vez que é discutida. 
O filme termina com uma nota ambígua (ou talvez apenas não resolvida?) que provavelmente irritará os espectadores que não são fãs de Cronenberg, mas apenas se eles ficarem por perto tempo suficiente para assisti-lo - e podem não ficar. 'O Senhor dos Mortos' é mais um jogo de ideias do que um filme de terror direto. Não faltam sangue, ferimentos/cicatrizes médicas, amputações e outras imagens (e sons) perturbadoras. Mas muito disso consiste em Karsh desvendando a conspiração e a devastadora perda/obsessão pessoal que o mergulhou nela".
O que disse a crítica: Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com o equivalente a 1,5 estrelas, ou seja, ruim. Disse: "O problema é que nem o suspense do cemitério, nem as hipóteses mirabolantes dos heróis mórbidos, se desenvolve nesta narrativa. É impressionante como o roteiro gira em círculos, oferecendo inúmeras sequências que nem aprofundam o dilema dos personagens, nem avançam a trama. Longas chamadas pelo celular, devaneios noturnos e ponderações num quarto japonês (...) se intercalam sem real comunicação, nem senso de finalidade. A história avança sem saber para onde".
Mar Dertoni do site Coletivo Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: "Parece de fato que Cronenberg não perderá jamais sua essência, embora não tenha mais feito filmes tão emblemáticos quanto os que realizou nos anos 90. O diretor realiza um filme que revira suas próprias dores e relembra algumas de suas melhores obras, sendo fiel ao seu intenso fascínio pelo corpo, pelas imperfeições, pela forma do filme, e agora, pela morte".
O que eu achei: David Cronenberg nunca foi um cineasta de fácil absorção. Seus filmes costumam mergulhar nas paranoias sociais e corporais, explorando o limite entre carne, tecnologia e consciência. Em "O Senhor dos Mortos" (The Shrouds, cuja tradução literal seria Os Sudários), ele parte de uma dor profundamente pessoal: a perda de sua companheira de décadas. O próprio diretor revelou em entrevistas o quanto foi devastado por essa ausência, chegando a dizer que desejou estar dentro 'daquela caixa de madeira' junto com ela. É a partir dessa experiência que nasce o filme, e o luto permeia cada uma de suas imagens. A premissa é, como sempre, tipicamente 'cronenbergiana': Vincent Cassel (que lembra fisicamente o próprio Cronenberg) interpreta um empresário que desenvolve uma tecnologia chamada GraveTech, um sistema que permite observar a decomposição dos corpos de entes queridos através de câmeras instaladas dentro de suas mortalhas. A ideia, mórbida e ao mesmo tempo fascinante, abre espaço para reflexões sobre o voyeurismo contemporâneo e nossa dependência das tecnologias de vigilância. Mas, infelizmente, o filme não mergulha plenamente nesse tema promissor. Em vez de explorar o terror e a poesia dessa obsessão com a morte e a imagem, Cronenberg se prende a longas conversas e teorias conspiratórias que acabam diluindo a força narrativa. O suspense que surge após o vandalismo dos túmulos funciona como motor inicial, mas logo se esgota, fazendo o filme oscilar entre o horror, a ficção científica e o mistério, sem se firmar plenamente em nenhum deles. O resultado é um filme de ficção científica e horror corporal que carrega o peso da dor e da lucidez de seu autor mas, ao longo da projeção, se transforma numa espécie de suspense que vai perdendo força à medida que avança, justamente porque ele não avança, apenas gira em círculos em torno de teorias conspiratórias infindáveis, sem jamais sair do lugar, carecendo do impacto visceral de suas obras mais inspiradas. Mediano no máximo.