
Comentário: Athina Rachel Tsangari (1966) é uma cineasta grega da chamada Estranha Onda Grega (Greek Weird Wave), caracterizada por uma leva de filmes realizados no contexto da crise econômica grega e marcados por humor ácido e protagonistas excêntricos. Ela desenvolveu sua carreira entre a Grécia - onde abriu sua produtora - e os EUA - onde estudou e agora leciona cinema. Seu primeiro longa-metragem foi "The Slow Business of Going" (2000), depois vieram "Chevalier" (2015) e a minissérie britânica "Trigonometry" (2020). "A Colheita" é o primeiro filme que vejo dela.
José Vieira Mendes do site Cinema Metrópolis nos conta que "Athina Rachel Tsangari regressa à grande tela com 'Colheita' e, aviso já, não é um filme para estômagos frágeis nem para fãs de cinema ‘quentinho’ que acaba bem. É um faroeste pastoral niilista [doutrina filosófica que indica pessimismo e ceticismo extremos], tão estranho que faz os filmes do Lanthimos parecerem matinés familiares.
Baseado no romance de Jim Crace, o filme acompanha, em sete dias, a lenta e dolorosa destruição de uma aldeia isolada, sem explosões, sem reviravoltas dignas de um thriller, mas com acusações de bruxaria, disputas de terra e uma sensação constante de que ninguém vai sair dali inteiro.
Logo na abertura, Tsangari avisa ao que vem: uma mão ergue-se do trigo como quem pede socorro. Línguas lambem pedras (porque copos são para fracos). Caleb Landry Jones desfila uma capa azul que parece cosplay de samurai renascentista, tudo ao som de rock progressivo romeno. É o tipo de cinema que tanto pode provocar fascínio místico como um ataque de riso nervoso.
O elenco mistura habitantes locais da Escócia com nomes conhecidos: Harry Melling, por exemplo, que já não é o simpático primo do Harry Potter, mas sim alguém que parece pronto para cometer um crime a cada plano. Caleb Landry Jones encarna um protagonista trágico, frágil, que nos apetece abraçar… e empurrar dali para fora antes que seja tarde demais.
José Vieira Mendes do site Cinema Metrópolis nos conta que "Athina Rachel Tsangari regressa à grande tela com 'Colheita' e, aviso já, não é um filme para estômagos frágeis nem para fãs de cinema ‘quentinho’ que acaba bem. É um faroeste pastoral niilista [doutrina filosófica que indica pessimismo e ceticismo extremos], tão estranho que faz os filmes do Lanthimos parecerem matinés familiares.
Baseado no romance de Jim Crace, o filme acompanha, em sete dias, a lenta e dolorosa destruição de uma aldeia isolada, sem explosões, sem reviravoltas dignas de um thriller, mas com acusações de bruxaria, disputas de terra e uma sensação constante de que ninguém vai sair dali inteiro.
Logo na abertura, Tsangari avisa ao que vem: uma mão ergue-se do trigo como quem pede socorro. Línguas lambem pedras (porque copos são para fracos). Caleb Landry Jones desfila uma capa azul que parece cosplay de samurai renascentista, tudo ao som de rock progressivo romeno. É o tipo de cinema que tanto pode provocar fascínio místico como um ataque de riso nervoso.
O elenco mistura habitantes locais da Escócia com nomes conhecidos: Harry Melling, por exemplo, que já não é o simpático primo do Harry Potter, mas sim alguém que parece pronto para cometer um crime a cada plano. Caleb Landry Jones encarna um protagonista trágico, frágil, que nos apetece abraçar… e empurrar dali para fora antes que seja tarde demais.
A fotografia é de tal forma cuidada que a lama brilha como pintura a óleo e o trigo ganha um erotismo esquisito. Comparações com 'Midsommar - O Mal Não Espera a Noite', de Ari Aster, são inevitáveis, mas aqui não há florzinhas nem festivais de coroa na cabeça: há lama, suor, vento e uma paisagem tão bonita quanto ameaçadora. É folk horror na versão punk, sem filtro, sem verniz e com cheiro de terra molhada.
O design sonoro, assinado por Nicolas Becker ('O Som do Silêncio'), transforma cada grão de terra e cada sopro de vento numa experiência física, quase tátil.
E, como não podia deixar de ser, há a política. Tsangari não poupa recados: o cinema grego está a definhar, sem apoio estatal, sobrevivendo graças a produtores resilientes como Christos V. Konstantakopoulos. Enquanto Hollywood despeja milhões para filmar explosões turísticas, as histórias sobre comunidades reais, filmadas na lama, lutam para existir".
O que disse a crítica: Pedro Bradshaw do site The Guardian avaliou com 1 estrela, ou seja, ruim. Escreveu: "Trata-se de um cansativo filme folk sem terror, ambientado em uma vila medieval pitorescamente imaginada na fronteira entre a Escócia e Mummerset, com muitas cenas de paisagens na hora dourada e closes oníricos de insetos: um pastiche bucólico sem lugar com atividades de efeito rural. (...) O ritmo lento e invariável e as atuações sem direção e sem potência tornam esta experiência exasperante: um filme superficial e sem direção, que parece desconcertantemente pouco convincente e inautêntico a cada momento. Mesmo quando a história se desenvolve em um confronto melodramático, uma exibição hedionda de patriarcado, crueldade e violência sexual, todos parecem entediados e meio adormecidos, e Tsangari não consegue dar vida a essa peculiar obra-prima [o livro homônimo de Jim Grace no qual o filme se baseia]".
Luiz Santiago do site Plano Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: "'A Colheita' versa sobre mudanças forçadas. Seu enredo é amparado por um fato histórico (privatização de terras comunitárias), num contexto de relação entre donos de latifúndios e pequenos produtores ou simples camponeses que, até hoje, vemos existir na maior parte dos países. A relação dos indivíduos com a terra, de maneira prática ou mesmo espiritual, também se insere no filme, e toda a base cultural é igualmente posta na mira dessa mudança repentina, a começar pela adequação secular de Mestre Kent, deixando suas vestes (do tipo túnica) para adotar a camisa e a calça com babados, como mandava a ordem masculina. Os cânticos, as danças, as máscaras, os saberes e a forma de viver e conviver dos camponeses perdem significado com a chegada do primo empreendedor, o proclamado 'herdeiro legítimo' daquelas terras. A colheita, aqui, transforma-se na despedida de uma Era e início de uma nova fase que nunca mais seria barrada".
O que eu achei: "A Colheita" (2024), novo longa da diretora grega Athina Rachel Tsangari, começa prometendo muito mais do que entrega. Ambientado em uma comunidade situada na fronteira entre a Escócia e o fictício condado de Mummerset, o filme apresenta um grupo de habitantes que vive em harmonia com a natureza: cultivando, colhendo e criando ovelhas em um equilíbrio quase idílico. Essa paz, porém, se desfaz quando o primo da esposa do líder da comunidade, o mestre Charles Kent (Harry Melling), viúvo e distante, envia um cartógrafo para mapear as terras, reivindicando-as como herdeiro legítimo. A partir desse momento, tudo muda: o uso coletivo é substituído pela propriedade privada, e os moradores se veem obrigados a abandonar o lugar que antes era de todos. A proposta é, sem dúvida, interessante. Tsangari pretende representar a transição histórica das terras de uso comum para o regime de propriedade privada na Irlanda e na Inglaterra, um tema com relevância social e histórica, que poderia render um grande filme. No entanto, apesar da boa fotografia em 16mm, que confere tons suaves e belas texturas às imagens, e das atuações competentes, o roteiro não sustenta o impacto que o tema exige. O ritmo é lento e arrastado, e há uma sensação de que todos os personagens estão entediados dentro do próprio filme. Mesmo as qualidades técnicas - os enquadramentos precisos, o som hiper-realista e o uso interessante da película - acabam desperdiçadas diante de um roteiro frágil, com diálogos escassos e por vezes desconexos. Falta profundidade, faltam conflitos verdadeiros, falta vida. O resultado é um filme admirável apenas do ponto de vista estético, mas vazio de emoção e densidade. "A Colheita" tenta capturar um momento de transformação histórica, mas termina presa à própria formalidade resultando numa colheita magra onde as próprias ideias expostas não florescem. Se mesmo assim for ver, atenção à personagem chamada Senhora Balden que eventualmente solta uma ou outra frase em português no filme. Ela é interpretada pela atriz britânica (que também é cineasta e dramaturga), com ascendência brasileira, Thalissa Teixeira.
O design sonoro, assinado por Nicolas Becker ('O Som do Silêncio'), transforma cada grão de terra e cada sopro de vento numa experiência física, quase tátil.
E, como não podia deixar de ser, há a política. Tsangari não poupa recados: o cinema grego está a definhar, sem apoio estatal, sobrevivendo graças a produtores resilientes como Christos V. Konstantakopoulos. Enquanto Hollywood despeja milhões para filmar explosões turísticas, as histórias sobre comunidades reais, filmadas na lama, lutam para existir".
O que disse a crítica: Pedro Bradshaw do site The Guardian avaliou com 1 estrela, ou seja, ruim. Escreveu: "Trata-se de um cansativo filme folk sem terror, ambientado em uma vila medieval pitorescamente imaginada na fronteira entre a Escócia e Mummerset, com muitas cenas de paisagens na hora dourada e closes oníricos de insetos: um pastiche bucólico sem lugar com atividades de efeito rural. (...) O ritmo lento e invariável e as atuações sem direção e sem potência tornam esta experiência exasperante: um filme superficial e sem direção, que parece desconcertantemente pouco convincente e inautêntico a cada momento. Mesmo quando a história se desenvolve em um confronto melodramático, uma exibição hedionda de patriarcado, crueldade e violência sexual, todos parecem entediados e meio adormecidos, e Tsangari não consegue dar vida a essa peculiar obra-prima [o livro homônimo de Jim Grace no qual o filme se baseia]".
Luiz Santiago do site Plano Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: "'A Colheita' versa sobre mudanças forçadas. Seu enredo é amparado por um fato histórico (privatização de terras comunitárias), num contexto de relação entre donos de latifúndios e pequenos produtores ou simples camponeses que, até hoje, vemos existir na maior parte dos países. A relação dos indivíduos com a terra, de maneira prática ou mesmo espiritual, também se insere no filme, e toda a base cultural é igualmente posta na mira dessa mudança repentina, a começar pela adequação secular de Mestre Kent, deixando suas vestes (do tipo túnica) para adotar a camisa e a calça com babados, como mandava a ordem masculina. Os cânticos, as danças, as máscaras, os saberes e a forma de viver e conviver dos camponeses perdem significado com a chegada do primo empreendedor, o proclamado 'herdeiro legítimo' daquelas terras. A colheita, aqui, transforma-se na despedida de uma Era e início de uma nova fase que nunca mais seria barrada".
O que eu achei: "A Colheita" (2024), novo longa da diretora grega Athina Rachel Tsangari, começa prometendo muito mais do que entrega. Ambientado em uma comunidade situada na fronteira entre a Escócia e o fictício condado de Mummerset, o filme apresenta um grupo de habitantes que vive em harmonia com a natureza: cultivando, colhendo e criando ovelhas em um equilíbrio quase idílico. Essa paz, porém, se desfaz quando o primo da esposa do líder da comunidade, o mestre Charles Kent (Harry Melling), viúvo e distante, envia um cartógrafo para mapear as terras, reivindicando-as como herdeiro legítimo. A partir desse momento, tudo muda: o uso coletivo é substituído pela propriedade privada, e os moradores se veem obrigados a abandonar o lugar que antes era de todos. A proposta é, sem dúvida, interessante. Tsangari pretende representar a transição histórica das terras de uso comum para o regime de propriedade privada na Irlanda e na Inglaterra, um tema com relevância social e histórica, que poderia render um grande filme. No entanto, apesar da boa fotografia em 16mm, que confere tons suaves e belas texturas às imagens, e das atuações competentes, o roteiro não sustenta o impacto que o tema exige. O ritmo é lento e arrastado, e há uma sensação de que todos os personagens estão entediados dentro do próprio filme. Mesmo as qualidades técnicas - os enquadramentos precisos, o som hiper-realista e o uso interessante da película - acabam desperdiçadas diante de um roteiro frágil, com diálogos escassos e por vezes desconexos. Falta profundidade, faltam conflitos verdadeiros, falta vida. O resultado é um filme admirável apenas do ponto de vista estético, mas vazio de emoção e densidade. "A Colheita" tenta capturar um momento de transformação histórica, mas termina presa à própria formalidade resultando numa colheita magra onde as próprias ideias expostas não florescem. Se mesmo assim for ver, atenção à personagem chamada Senhora Balden que eventualmente solta uma ou outra frase em português no filme. Ela é interpretada pela atriz britânica (que também é cineasta e dramaturga), com ascendência brasileira, Thalissa Teixeira.