6.9.25

“Persépolis” - Marjane Satrapi & Vincent Paronnaud (França/EUA, 2007)

Sinopse:
Marjane Satrapi é uma garota iraniana de 8 anos que sonha em se tornar uma profetisa para poder salvar o mundo. Querida pelos pais e adorada pela avó, Marjane acompanha os acontecimentos que levam à queda do Xá em seu país, juntamente com seu regime brutal. Tem início a nova República Islâmica, que controla como as pessoas devem se vestir e agir. Isto faz com que Marjane seja obrigada a usar véu, o que a incentiva a se tornar uma revolucionária.
Comentário: Pablo Villaça do site Cinema em Cena nos conta que “’Persépolis’ é uma animação que inclui estupro, morte de manifestantes em uma passeata, execução de presos políticos e uma conversa entre Deus e Marx. Não é, portanto, um filme feito para crianças, mas sim para adolescentes e adultos (...).
Adaptado e dirigido por Vincent Paronnaud e Marjane Satrapi a partir da graphic novel autobiográfica (dividida em quatro volumes) escrita por esta última, ‘Persépolis’ segue a trajetória de amadurecimento de sua protagonista a partir de seu relacionamento conturbado com seu país, o Irã, cuja história mais recente é recapitulada numa maravilhosa sequência estrelada por bonecos de papel, quando vemos o futuro Xá Reza Pahlevi entregar o petróleo de seu país à Inglaterra em troca do apoio para subir ao poder – o que não impediu que ele fosse eventualmente substituído pelo filho ainda mais repressor. E é assim que chegamos a 1979, quando a pequena Marjane, aos 9 anos de idade, testemunha o golpe que levaria o Aiatolá Khomeini ao controle da recém-declarada (com apoio da população) República Islâmica – o que conduziria o Irã a um estado ainda maior de repressão e medo, além de uma longa e sangrenta guerra com o Iraque de Saddam Hussein.
Narrado a partir do infantil ponto de vista da protagonista, o filme acompanha todos estes acontecimentos com um ar de mistério e até fantasia que os tornam ainda mais assustadores, embora a incapacidade da garota de absorver a gravidade de tudo permita que ela também os enxergue de forma distanciada, através de um véu de ingenuidade que traz até mesmo um forte e bem-vindo senso de humor à narrativa. Assim, a preferência de Marjane por representantes da música ocidental, proibida no Irã, levam a divertidas buscas de fitas no mercado negro (...) e a confrontos que beiram o absurdo graças à sua jaqueta que traz uma afirmação hilária naquele contexto. E se fiz ‘Persépolis’ parecer uma obra séria e sombria nos parágrafos anteriores, perdoem-me, pois o fato é que o longa jamais deixa de provocar o riso graças à sua abordagem sempre inventiva.
Construído com claras influências expressionistas (em certo momento, há uma referência especialmente eficaz a ‘O Grito’, de Munch), o filme investe num preto-e-branco marcante – e mesmo as cenas ambientadas no presente são coloridas em tons nada intensos. Da mesma maneira, o design de produção contribui para que mergulhemos na realidade entristecida e opressora de um país que encontra, na repressão, uma maneira cruel de manter-se estável (...).
Enriquecido pela maravilhosa dublagem da pequena Gabrielle Lopes, que empresta sua voz à versão infantil de Marjane, ‘Persépolis’ também conta com um elenco de peso que traz Chiara Mastroianni como a protagonista na adolescência e em sua fase adulta; Catherine Deneuve como sua mãe; e a veterana Danielle Darrieux no papel da divertida, sensata, forte e cativante avó da menina”.
O filme recebeu uma indicação ao Oscar e uma ao European Film Awards de Melhor Filme. Ganhou o Prêmio do Público de Melhor Filme Estrangeiro, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
O que disse a crítica: Pedro Butcher da Folha SP avaliou com bom. Disse: “É raro ver no cinema uma representação tão honesta das vicissitudes da adolescência, sublinhadas, aqui, por uma transformação histórica que torna tudo mais difícil. A autora foi acusada de desprezar o Irã e bajular a França, país onde mora até hoje - uma reação exagerada que procura diminuir a maior qualidade de ‘Persépolis’, que é sua recusa a cair na esparrela de defender formas de opressão em nome de ‘diferenças culturais’. Satrapi não se omite e paga um preço por isso. ‘Persépolis’ é, sim, crítico ao Irã, mas, ao contrário do que pregam seus detratores, defende a diferença”.
Neusa Barbosa do Cineweb avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “O filme tem uma pegada feminista, inevitável no contexto que retrata. Por sorte, Marjane teve pais com cultura e dinheiro suficiente para preservar sua liberdade, educando-a longe do país naquele momento extremo – embora ao preço inegável, para a menina, de crescer sozinha em ambientes não raro hostis a estrangeiros, especialmente uma iraniana. O fundamentalismo da Europa ocidental também existe e, como se sabe, seu alvo preferencial é voltado a muçulmanos. Mesmo lidando com vários temas densos, o filme consegue ser divertido em vários momentos. E, o que é melhor, sem fazer concessões comprometedoras”.
O que eu achei: Muito interessante conhecer a história recente do Irã através de uma animação. O filme se baseia na HQ homônima escrita por Marjane Satrapi que nasceu em 1969 no Irã e passou sua infância e parte da juventude no país, presenciando, junto com seus pais, a chamada Revolução Iraniana de 1979. Com isso vamos observar como o país que vivia uma monarquia autocrática pró-Ocidente comandada pelo Xá Reza Pahlevi se transforma, com a ajuda da população, numa república islâmica teocrática sob o comando do aiatolá Khomeini, piorando sobremaneira o que já não era bom. A utilização do véu pelas mulheres, os novos conteúdos ensinados nas escolas, a perseguição política aos opositores do regime e as consequências da Guerra Irã-Iraque são tratados pela autora com um aguçado senso de humor em muitas passagens, mostrando uma perspectiva feminista de oposição à opressão sofrida pelas mulheres. Frente a isso seus pais optaram por enviá-la para fora do país. Era melhor ficar longe dela do que vê-la crescer num ambiente tão hostil. Conta-se que Marjane – que hoje vive na França - a princípio escreveu essa autobiografia sem grandes pretensões, apenas para que seus amigos conhecessem sua história. No fim a HQ fez tanto sucesso que traduziram para diversas línguas, inclusive o português, e acabou virando filme. Em tempo, o título "Persépolis" – cuja a tradução seria Cidade Persa - se refere a uma das capitais do Império Aquemênida. Sua construção, começada por Dario I em 512 AC, continuou ao longo de dois séculos até à conquista do Império persa por Alexandre Magno. Atualmente é um importante sítio arqueológico e Patrimônio Mundial da UNESCO. Uma animação para adultos e adolescentes bastante recomendada para quem quiser conhecer um pouco mais sobre o Irã. Boa pedida.