28.9.25

“Blitz” - Steve McQueen (Reino Unido/EUA, 2024)

Sinopse:
A história se passa durante os bombardeios de Londres na Segunda Guerra Mundial. Segue o pequeno George (Elliott Heffernan), um garoto de 9 anos, cujos dias pacíficos em Londres são interrompidos pelo caos do Blitz. Para proteger o filho, sua mãe Rita (Saoirse Ronan) o envia para o campo inglês em busca de segurança. Determinado a retornar para Londres e reunir-se com sua mãe e seu avô Gerald (Paul Weller), George embarca em uma perigosa jornada pelo interior da Inglaterra. Enquanto isso, Rita enfrenta o desespero e a angústia de buscar seu filho desaparecido entre os escombros da cidade bombardeada.
Comentário: Steve McQueen (1969) é um cineasta, produtor, fotógrafo e escultor britânico. Ganhou notoriedade com os longas "Hunger" (2008) e "Shame" (2011), ambos com o ator Michael Fassbender. Assisti dele o ótimo "12 Anos de Escravidão" (2003) que ganhou o Oscar de Melhor Filme. Assisti também ao mediano “As Viúvas” (2018). Desta vez vou conferir “Blitz” (2024).
O título "Blitz" diz respeito à campanha de bombardeamentos aéreos da Segunda Guerra Mundial em que a força aérea alemã (Luftwaffe) atacou o Reino Unido entre setembro de 1940 e maio de 1941, visando forçar o país a render-se. Os ataques atingiram várias cidades britânicas, com Londres sendo o alvo principal, causando milhares de mortes e destruição massiva de infraestruturas. Quem se interessar pelo tema pode assistir na Netflix um documentário chamado "A Grã-Bretanha e a Blitz" (2025) de Ella Wright que mostra em detalhes esse episódio da História.
O filme de McQueen utiliza esse contexto para nos mostrar a história de George, um menino de 9 anos, interpretado pelo ator mirim Elliott Heffernan, que será mandado temporariamente pela mãe para uma região mais segura através de uma operação governamental denominada "Operação Flautista de Hamelin" que, apesar de bem intencionada e muitas vezes bem sucedida, foi marcada por diversos problemas, já que essas crianças eram acolhidas em lares desconhecidos. Hoje se sabe que há até acusações de abuso de sobreviventes da época que ainda aguardam reparação.
O site Mixed Museum nos conta que a inspiração visual do diretor foi "uma fotografia do arquivo do Museu Imperial da Guerra. A imagem mostra um jovem evacuado de ascendência negra, mala na mão, pronto para deixar Londres rumo ao interior. Assim como tantas outras crianças durante a Segunda Guerra Mundial, o menino da foto havia sido enviado para viver com estranhos na Grã-Bretanha rural para escapar do pesado bombardeio das cidades britânicas.
Ocorre que, no filme, George é uma criança negra filha de uma mãe branca, interpretada pela atriz Saoirse Ronan. E esse é um ponto interessante que o site aborda. Baseado nas pesquisas de Chamion Caballero, Lucy Bland e Peter Aspinall vamos saber mais sobre a presença de pessoas mestiças na Grã-Bretanha em tempos de guerra, incluindo as famílias cujos filhos foram evacuados e cujas histórias foram amplamente obscurecidas pelas narrativas e interpretações da Frente Interna.
O site diz: "'Blitz', de McQueen, desafia essas omissões, não apenas ao centralizar a história em George – o personagem inspirado na fotografia – e sua família, mas também através dos personagens negros, asiáticos, mestiços e de outras minorias étnicas que o menino encontra ao longo do filme".
A pesquisa dos autores mostra que "Embora a Grã-Bretanha sempre tenha abrigado comunidades multirraciais, o início do século XX viu seu crescimento substancial, particularmente em algumas das maiores cidades portuárias britânicas. Muitos homens negros, asiáticos, chineses e árabes que lutaram pela Grã-Bretanha durante a Primeira Guerra Mundial, inclusive servindo como marinheiros mercantes, estabeleceram-se nos bairros portuários britânicos. Como cada vez menos mulheres negras, asiáticas, árabes e chinesas migrantes residiam na Grã-Bretanha naquela época, a maioria dos homens se casou e constituiu família com mulheres brancas locais – muitas delas de ascendência irlandesa –, bem como com mulheres mestiças britânicas.
Com o país sofrendo economicamente após a guerra, e com a chegada de homens brancos desmobilizados, a hostilidade contra os homens de outras raças cresceu, com a imprensa, os sindicatos e o governo culpando-os não apenas por 'roubarem' os empregos dos homens brancos, mas também 'suas' mulheres.
As tensões explodiram em 1919 e 1920, quando a violência racial contra os homens e suas comunidades – comumente chamada de 'distúrbios raciais' – eclodiu em nove cidades portuárias britânicas. Essa hostilidade social continuou ao longo da década de 1920, com mulheres brancas em relacionamentos inter-raciais também sendo atacadas – física e moralmente – por prejudicarem a 'superioridade' da 'raça', da nação e do Império britânicos ao se casarem e terem filhos com homens não brancos.
O problema era visto como generalizado, não se limitando apenas às docas. As casas noturnas de Londres foram criticadas por facilitar a miscigenação racial (em uma cena de 'Blitz', a mãe inglesa branca de George, Rita, é mostrada socializando em uma boate com Marcus, seu pai negro granadino – de Granada na África - e outros casais mistos).
A Tottenham Court Road, em particular, tornou-se uma obsessão para a imprensa, com manchetes a denunciando como o 'pior ponto de praga' de Londres, devido ao chamado 'perigo negro' que representava para as mulheres brancas. Inúmeros artigos denunciavam a 'colônia' de 'negros negros como carvão' que administravam cafés e casas noturnas, seduzindo mulheres com jazz e drogas. Esses homens, afirmava a imprensa, eram habilmente apoiados por chineses, que traficavam 'drogas' e também exerciam um 'fascínio misterioso' por mulheres brancas.
'O que é a 'isca amarela?', gritava o Western Daily Press sobre a suposta decadência moral causada pelos bairros chineses de Liverpool, Glasgow e Cardiff, mas principalmente pela 'cancerígena' Limehouse, no leste de Londres. Os relacionamentos inter-raciais, argumentavam os artigos, não eram apenas depravados, mas também causavam agitação social, principalmente devido ao crescente número de bebês depreciativamente chamados de 'mestiços'.
Na década de 1930, um pânico moral generalizado irrompeu sobre o perigo representado para a Grã-Bretanha devido ao que a imprensa chamava de 'ameaça' e 'perigo social' das crianças mestiças. Em todas as cidades portuárias, uma rede de indivíduos – de chefes de polícia a vereadores e cidadãos proeminentes 'preocupados' – criou grupos e encomendou relatórios para lidar com o 'problema', às vezes com o envolvimento do Ministério do Interior. (...)
Essa diversidade racial é frequentemente deixada de fora das narrativas da Frente Interna. McQueen, no entanto, faz várias referências a isso em 'Blitz', além da família de George. McQueen atribui um papel significativo a Ife, um guarda-florestal negro africano, baseado na história real de Ite Ekpenyon. Há muito tempo ele é considerado o único guarda-florestal negro da Grã-Bretanha; no entanto, recentemente descobrimos a história do pai de Kenneth Roberts, John Mathania Roberts, que serviu como guarda-florestal em Staffordshire.
McQueen também inclui uma série de personagens interpretadas por atores com ascendência racial mista. A personagem Doris, de Erin Kellyman, trabalha ao lado de Rita em uma fábrica de armamentos (lembrando as mulheres de Cardiff imortalizadas na foto 'Trouse Girls' de 1936). Celeste interpreta uma cantora de boate no estilo da artista britânica Evelyn Dove.
Steven Graham, Mica Ricketts e Christopher Chung fazem parte de uma gangue multirracial com a qual George se depara. O personagem de Chung faz alusão às antigas famílias anglo-chinesas de Limehouse. Enquanto isso, Graham, de ascendência negra mestiça, falou sobre a história de fundo de seu personagem, Albert, ter sido criado em um asilo vitoriano. Novamente, esta história tem raízes reais; a excelente bolsa de estudos da Professora Caroline Bressey revelou muitas histórias de crianças negras e mestiças que foram criadas no Dr. Barnardo's durante a era vitoriana. (...)
'Blitz', de Steve McQueen, traz essas histórias ocultas aos holofotes, mas o trabalho de descobri-las está longe de terminar. Arquivos estão repletos de relatos que desafiam o que acreditamos saber sobre o passado da Grã-Bretanha, relatos que merecem mais do que notas de rodapé. Mas é por meio da narrativa, seja em filmes, na escrita ou na história oral, que essas vidas nos são trazidas de volta com vivacidade".
O que disse a crítica: Daniel Oliveira do site Cinematório avaliou com 3,5 estrelas, ou seja, muito bom. Escreveu: "'Blitz' não é sem defeitos. O filme é estruturado numa montagem paralela entre as jornadas de George e de Rita, e a parte da mãe não é tão bem realizada quanto a do filho (...). Há também uma elipse um pouco estranha numa sequência fundamental no clímax do longa que, junto com o personagem de Dickinson e o flashback com a (breve) história do pai de George, sugerem que McQueen deve ter se digladiado com o filme na ilha de montagem e deixado muita coisa de fora. Ainda assim, a produção funciona, não se estendendo para além da conta nem querendo ser mais do que é, triunfando principalmente nos closes e na atuação estupenda do estreante Elliott Heffernan. O ator é um daqueles achados que só um cineasta do calibre de McQueen é capaz de encontrar e, no seu rosto expressivo e inocente, o cineasta escreve a história que quer contar: o momento em que a dita modernidade perde sua inocência, sua infância, dando lugar à tal pós-modernidade e a uma crise de identidade que a humanidade não conseguiu superar até hoje".
Mariano Ojeda do site Omelete avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: "Com alguns personagens que colaboram muito com o desenrolar da história, das crianças que viram amigos circunstanciais de George, até Ife (Benjamin Clémentine) e Jack (Harris Dickinson), o soldado que ajuda Rita na busca por George, 'Blitz' mostra uma cadência excelente quase até o final, quando o drama fica maior que a história, quase transbordando-a. A construção até este momento é excelente, mas ele talvez seja excessivo para o encerramento".
O que eu achei: "Blitz" (2024) de Steve McQueen – diretor do aclamado "12 Anos de Escravidão" (2003) – nos presenteia com essa mega produção cujo título faz referência à palavra 'blitzkrieg', uma tática militar que consiste na realização de ataques rápidos e coordenados, com o objetivo de desmobilizar e derrotar os inimigos. O filme se passa na Inglaterra, local que foi alvo de blitz por parte dos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. É nesse contexto que vamos acompanhar a saga de George, um menino de 9 anos cuja mãe, para tentar resguardar a criança dos perigos dos bombardeios, resolve embarcar o garoto num trem rumo ao interior. Essa operação de fato existiu, era um procedimento oficial denominado "Operação Flautista de Hamelin", uma forma de tentar preservar a vida dos pequenos em casas onde eles eram abrigados por outras famílias, encontrando um pouco de paz em meio ao caos de uma grande guerra. Ocorre que George não está nada satisfeito em ir morar com outra família, então ele, por conta própria, resolve voltar pra casa enquanto Rita, ao saber de sua fuga, parte em sua angustiosa busca pelo paradeiro do seu filho. O filme nos tira então do lugar comum de mostrar a guerra através dos olhos de soldados e, não só nos traz reflexões interessantes sobre esse episódio da História como também nos mostra um menino negro e sua mãe branca, tocando num ponto menos conhecido que foi o da miscigenação ocorrida na Grã-Bretanha durante a Primeira Guerra Mundial quando muitos homens negros, asiáticos, chineses e árabes estabeleceram-se nos bairros portuários britânicos, casando-se e constituindo família com mulheres brancas locais, o que gerou um forte racismo no país. O próprio menino George é mostrado inicialmente com dificuldade para assumir sua identidade enquanto fruto de uma relação interracial, só mais adiante, no filme, é que ele estabelece uma relação positiva com um policial de origem africana e se reconhece como sendo um menino negro. A crítica especializada ficou dividida com o resultado. Os que não gostaram assinalaram o tom melodramático do filme como principal defeito. Eu pessoalmente gostei bastante, até porque não vi nada de tão exagerado ou desproporcional nas abordagens. É um filme triste, lindo, uma aula de História, um retrato bem executado do que a guerra pode provocar nas nossas vidas.