15.9.25

“A Mulher na Lua” – Fritz Lang (Alemanha, 1929)

Sinopse:
Georg Manfeldt (Klaus Pohl) é um cientista que descobre a existência de ouro na Lua. Ao apresentar suas ideias à comunidade científica ele é desmoralizado. Vivendo no ostracismo ele possui um único amigo, o sr. Wolf Helius (Willy Fritsch), um industrial da aviação que acredita no cientista e quer levar suas ideias adiante. Ocorre que um grupo de empresários interessado no ouro contrata Walter Turner (Fritz Rasp) para roubar e chantagear Helius. Como se isso não bastasse, Hans Windegger (Gustav von Wangenheim), parceiro de Helius, toma conhecimento das pressões que Helius está sofrendo e acaba se juntando a eles nessa viagem à lua, na qual embarcam também o cientista e a astrônoma Fried Velten (Gerda Maurus), noiva de Windegger.
Comentário: Fritz Lang (1890-1976) foi um cineasta, realizador, argumentista e produtor nascido na Áustria, mas que dividiu sua carreira entre a Alemanha e Hollywood. É considerado uma das maiores figuras do cinema alemão, e o mais notável e proeminente diretor a emergir da escola do expressionismo alemão, juntamente com Friedrich Wilhelm Murnau, muito embora Lang tenha sempre negado qualquer relação com o movimento expressionista. Assisti dele as obras-primas "Dr. Mabuse – Partes 1 e 2” (1922), "Metrópolis" (1927) e "M, O Vampiro de Dusseldorf" (1931), os ótimos "Vive-se Só Uma Vez" (1937) e "Quando Desceram as Trevas" (1944), o mediano "O Segredo da Porta Fechada" (1947) e o curioso “A Morte Cansada” (1921). Desta vez vou conferir “A Mulher na Lua” (1929), baseado na novela de Thea von Harbou de mesmo nome.
Aldo Von Wangenheim da Universidade Federal de Santa Catarina - e curiosamente sobrinho-neto do ator Gustav von Wangenheim que trabalha no filme - nos explica que “O filme de 1929 ‘A Mulher na Lua’ (...) é considerado o primeiro filme de ‘hard science-fiction’, gênero bem mais tarde tornado imortal pelo ultraclássico ‘2001, Uma Odisseia no Espaço’ de Stanley Kubrick (1968).
Em um filme de ‘hard science-fiction’ cria-se um enredo onde é admitido um único item fantasioso (muitas vezes central para a trama, como no caso do ‘monólito’ de Kubrick) e todo o resto se atém o mais fielmente possível aos conhecimentos científicos vigentes na época em que o filme foi produzido. Essa ficção científica ‘séria’ tenta seguir o rigor científico ao extremo, explorando narrativas que são (...) cientificamente plausíveis, ao contrário dos filmes de fantasia como ‘Guerra nas Estrelas’, onde a liberdade criativa da narrativa é grande”.
Jorge Luiz Calife do site Diário do Vale escreveu uma matéria em 2017 comentando que “A Mulher na Lua” é a obra mais profética de Fritz Lang. O texto diz: “Sabem aquela contagem regressiva que antecede o lançamento de todo foguete moderno? 5,4,3… Não foi a Nasa que inventou, foi Fritz Lang que criou esse recurso para aumentar o suspense em seu filme, rodado nos estúdios da UFA, em Berlim. No ano de 1928. Em uma época em que não existiam nem aviões a jato, o cineasta alemão queria mostrar uma viagem à Lua com o maior realismo possível. Para isso ele contratou a consultoria do cientista Herman Oberth, que era um dos maiores especialistas em foguetes da época.
O filme é um melodrama, que envolve um triângulo amoroso durante uma viagem ao espaço. Mas os detalhes técnicos ainda impressionam noventa anos depois. O enorme foguete, de três estágios, é montado verticalmente em um grande hangar. E se desloca sobre uma plataforma móvel até o local do lançamento. Exatamente como o Saturno 5, que lançou a Apollo 11 em 1969, quarenta anos depois. E a separação dos vários estágios, durante a subida, é exatamente como acontece hoje em dia, nos foguetes modernos.
Mas Lang pagou um preço caro pelo realismo do seu filme. Quando Hitler subiu ao poder sua polícia secreta, a Gestapo, mandou confiscar todas as cópias do filme, por acreditar que ele revelava os segredos da tecnologia de foguetes da Alemanha. Tecnologia que foi usada para criar o míssil balístico V-2, usado para bombardear a Inglaterra. Até o belo modelo da espaçonave Friede foi confiscado e destruído durante a guerra.
Durante décadas os amantes do cinema só conheceram uma versão reduzida de ‘A Mulher na Lua’. Uma versão editada (...) distribuída nos Estados Unidos”. A versão original que possui 3h30m só surgiu depois de finalmente encontrarem uma cópia em um clube de cinema de Buenos Aires.
O que disse a crítica: Do site Plano Crítico avaliou com 3,5 estrelas, ou seja, muito bom. Ele disse que o clima do filme é “essencialmente aventuresco” e que, apesar de boa parte da trama se passar na Terra, “as viradas são bastante efetivas para plantar as resoluções que primordialmente funcionam como o tal mote para o recomeço que o filme tanto acredita. De novo, a inocência acaba se reverberando, desta vez na figura feminina, como símbolo quase angelical para promover de forma ainda mais clara as novas descobertas como libertação da ânsia conflituosa de nossa natureza. E no amor da ciência, Lang nos faz acreditar nessa fantasia”.
O site Palavras de Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveram: “Entre maquetes e cenários curiosos, Lang constrói uma obra que não cai em excessos. (...) Por outro lado, Lang leva o material a sério e contra a ciência perigosa lança personagens carregados de emoção, às vezes até infantis. O excesso de sentimentalismo não se dá ao acaso. O cinema mudo não permite que ele se perca em palavras bobas: está tudo no olhar (...)”.
O que eu achei: Trata-se de um filme mudo, feito na Alemanha, com duração de 2h48m (originalmente teria 3h30m), do mestre do cinema Fritz Lang, autor de obras como "Dr. Mabuse” (1922), "Metrópolis" (1927) e "M, O Vampiro de Dusseldorf" (1931). Embora sua longa duração pudesse sugerir algo arrastado, "A Mulher na Lua" (1929) revela-se uma obra surpreendentemente dinâmica, dividida em três partes bem distintas: o primeiro terço, na Terra, apresenta os personagens e o projeto da viagem; o segundo, a jornada espacial; e, por fim, a chegada e a permanência na Lua. O que impressiona é como Lang, em pleno cinema mudo, consegue criar uma narrativa de ficção científica envolvente, mesclando aventura, romance e um certo suspense em torno da exploração espacial. A atenção aos detalhes técnicos - fruto de uma pesquisa cuidadosa - torna a experiência ainda mais fascinante, principalmente ao lembrar que o filme foi feito décadas antes da corrida espacial se tornar realidade. Visualmente, o filme é um espetáculo. Os cenários e efeitos especiais, embora datados para os padrões atuais, possuem uma inventividade que mantém seu encanto quase um século depois. E a história, bem estruturada, prende a atenção em todas as etapas, sem jamais perder o ritmo. Assim como Georges Méliès já havia surpreendido à todos com seu curta "Viagem à Lua" (1902), em "A Mulher na Lua", Fritz Lang prova ser um visionário, capaz de unir entretenimento e reflexão num mesmo filme. Para quem aprecia o cinema mudo e as origens da ficção científica no cinema, esta é uma obra indispensável.