
Comentário: Marco da animação europeia e mundial, “Planeta Fantástico” de René Laloux, é um longa de ficção científica, baseado no livro “Oms En Serie”, do escritor francês Stefan Wul. O filme se passa no planeta Yagam, onde uma espécie de humanoides (Oms) é escrava de uma raça de gigantes chamada Draggs. Liderados por Terr, os Oms decidem acabar com a exploração. O roteiro foi escrito pelo próprio diretor juntamente com Roland Topor, que também é responsável pelas ilustrações.
Benjamin Hart do site Fantasy Animation nos conta que “O clássico de ficção científica surrealista franco-tcheco ‘Planeta Fantástico’ (...) foi aclamado pela crítica em seu lançamento, recebendo o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cinema de Cannes. 25 pessoas foram contratadas por um período de 4 anos para criar 1.073 desenhos a lápis em tons pastéis, que foram então animados usando uma técnica de recorte de papel. Esta postagem (...) explora como o filme equilibra com sucesso a construção de um mundo surrealista ‘Daliesco’ (Thompson, 1973) com uma poderosa alegoria política, usando seu status como uma fantasia animada principalmente como uma crítica potente à agressão soviética.
É difícil situar com precisão o significado da mensagem de ‘Planeta Fantástico’. Enquanto ‘Laloux teceu uma densa tapeçaria de ressonâncias alegóricas’ (Bitel, 2006), existe uma gama diversificada de interpretações convincentes em relação à sua mensagem política. Estas variam desde uma conexão com a história do Êxodo, a escravidão, o holocausto nazista, até a simples promoção do fascínio contracultural por estados alterados de consciência. Parece claro que todas as interpretações são potencialmente válidas, particularmente porque a animação, como espaço de metáfora, frequentemente convida a uma variedade de interpretações.
Após a invasão soviética de Praga no final da década de 1960, a produção do filme de Laloux e Topor teve que ser interrompida, uma medida que pode ter provocado os animadores a uma abordagem mais abertamente política. No entanto, os soviéticos estavam muito cientes da capacidade da mídia de afetar a cultura e as mentalidades políticas subsequentes, evidenciada pelo orçamento generoso de seu veículo de mídia propagandista em ‘agitprop’. Como resultado, quaisquer mensagens contidas em ‘Planeta Fantástico’ tiveram que ser expressas com um maior nível de cautela e dissimulação. Negociações entre estúdios de animação e poderes estatais não eram tão incomuns na época, inclusive na Europa Ocidental e nos EUA. No entanto, o estilo surrealista de ‘Planeta Fantástico’ forneceu o método perfeito de ocultação, apoiado pelos elementos retóricos do meio animado que significam que ele é capaz de diluir e aguçar o conteúdo político quase simultaneamente.
O surrealismo como estilo estético é inerentemente político. Topor reconheceu a capacidade da arte de ‘perturbar a ordem social e gerar entusiasmo que pode ser manipulado para fins políticos’ (Herhuth, 2018: 169). Membro conhecido da vanguarda, Topor foi cofundador do Movimento Pânico, que ‘pretendia tornar o surrealismo tão chocante quanto o fora na década de 1920’ (Brooke, 2016). Assim como ‘Um Cão Andaluz’ (Salvador Dalí e Luis Buñuel, 1929) expressou simbolicamente seus princípios políticos com o corte de um olho como símbolo de ataque ao olhar do público burguês, ‘Planeta Fantástico’ também buscou oferecer uma denúncia às instituições opressoras por meio de sua rejeição aos métodos artísticos. O uso do surrealismo no filme, embora rejeite o ‘automatismo’ (Breton, 1955), é, em última análise, uma adesão a muitos dos objetivos políticos anteriores do movimento. (...)
As qualidades surrealistas de ‘Planeta Fantástico’ permitiram, sem dúvida, que o filme escapasse com sucesso à censura soviética, ao mesmo tempo em que conferiam maior potência ao potencial de sua afetação política para mudar as mentes e ações do público de forma significativa. Seus exageros absurdos não apenas destacavam a opressão política, como Laloux e Topor também abordavam a relação entre o indivíduo e a arte por meio de um estado de distração (Benjamin, 1960), sendo o surrealismo um estilo apto a ‘fazer o espectador esquecer o meio a fim de transformar a consciência’ (Hopkins, 2004:3). Quanto mais distantes de qualquer forma de realidade reconhecível estivermos, mais distantes de nosso viés ou rigidez política. ‘Planeta Fantástico’ nos separa da realidade, de modo que nós mesmos nos tornamos os viajantes incautos de Topor, sendo chicoteados e mordidos pelas plantas temíveis. Tal síntese do político com o surreal por meio da animação não poderia ser mais clara do que na justaposição da burocracia e do horror político no filme, a uma lógica cinematográfica onírica quase alucinatória e hipnoticamente psicodélica, elevada pela trilha sonora melíflua e etérea de Alain Goraguer”.
O que disse a crítica: Calil Neto do site Calil no Mundo avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Um filme que deixa o espectador maravilhado, um filme muito bonito em uma animação que me fez lembrar em alguns momentos com as animações adultas das histórias em quadrinhos. Sou fã! Um grandioso filme. Com certeza uma das grandes animações de todos os tempos”.
Marco Antônio do CinePlayers avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “A sensação é de que em ‘Planeta Fantástico’ tudo é mais do que parece ser e qualquer interpretação dos fatos ali ocorridos é superficial e banal. Alguns poderão não gostar do estilo de animação sem muitos recursos tecnológicos, ou da frieza naturalista com que a história se desenvolve e que não permite muita aproximação de quem assiste com o que é assistido. Mas ‘intrigante’ é uma palavra que praticamente todos dirão sobre essa animação, sem dúvida, única”
O que eu achei: Trata-se de uma animação com uma pegada surrealista toda feita a lápis em tons pastéis da década de 1970, baseada no livro “Oms En Serie”, do escritor francês Stefan Wul. A história se passa num planeta desconhecido chamado Yagam onde vivem seres de pele azul chamados Draggs. Na trama, um pai e sua filha passeiam pelo campo até se depararem com uma criatura minúscula – bastante semelhante a um bebê humano – que cabe na mão da menina. A mãe da pequena criatura morreu pelas mãos de um cruel grupo de crianças. A menina convence o pai a deixá-la levar para casa a pequena criatura, onde ela brinca com o novo ‘animal de estimação’, escolhendo roupas pra ele vestir, como se fosse uma boneca, embora a pequena criatura tenha vida e sentimentos e demonstre não gostar muito disso. A princípio, parece que vamos ver uma singela narrativa familiar sobre crianças e seus animais de estimação, mas não se engane, esse bebê humano, cuja raça é conhecida como Oms, faz parte de um grupo de humanos perseguidos pelos Draggs, tratados como se fossem insetos e tudo o que eles querem é se livrar daquela vida e voltar para a seu planeta natal onde eram mais felizes. Há vários tópicos abordados no filme: temos a discriminação baseada na crença de que uma vida é mais valiosa do que a outra, temos o fanatismo, o nacionalismo e os dogmas. É possível reconhecer na animação traços das utopias hippies, psicodélicas e místicas da década de 1960 (me lembrou a animação "Yellow Submarine" de 1968). Mas há também quem interprete o filme como uma crítica à agressão soviética ou à opressão política de uma forma geral. Não é um filme para crianças, mas atende o público adulto por ser uma interessante experiência estética que mistura ficção científica, filosofia e crítica social, convidando à reflexão. Vale ver.
Benjamin Hart do site Fantasy Animation nos conta que “O clássico de ficção científica surrealista franco-tcheco ‘Planeta Fantástico’ (...) foi aclamado pela crítica em seu lançamento, recebendo o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cinema de Cannes. 25 pessoas foram contratadas por um período de 4 anos para criar 1.073 desenhos a lápis em tons pastéis, que foram então animados usando uma técnica de recorte de papel. Esta postagem (...) explora como o filme equilibra com sucesso a construção de um mundo surrealista ‘Daliesco’ (Thompson, 1973) com uma poderosa alegoria política, usando seu status como uma fantasia animada principalmente como uma crítica potente à agressão soviética.
É difícil situar com precisão o significado da mensagem de ‘Planeta Fantástico’. Enquanto ‘Laloux teceu uma densa tapeçaria de ressonâncias alegóricas’ (Bitel, 2006), existe uma gama diversificada de interpretações convincentes em relação à sua mensagem política. Estas variam desde uma conexão com a história do Êxodo, a escravidão, o holocausto nazista, até a simples promoção do fascínio contracultural por estados alterados de consciência. Parece claro que todas as interpretações são potencialmente válidas, particularmente porque a animação, como espaço de metáfora, frequentemente convida a uma variedade de interpretações.
Após a invasão soviética de Praga no final da década de 1960, a produção do filme de Laloux e Topor teve que ser interrompida, uma medida que pode ter provocado os animadores a uma abordagem mais abertamente política. No entanto, os soviéticos estavam muito cientes da capacidade da mídia de afetar a cultura e as mentalidades políticas subsequentes, evidenciada pelo orçamento generoso de seu veículo de mídia propagandista em ‘agitprop’. Como resultado, quaisquer mensagens contidas em ‘Planeta Fantástico’ tiveram que ser expressas com um maior nível de cautela e dissimulação. Negociações entre estúdios de animação e poderes estatais não eram tão incomuns na época, inclusive na Europa Ocidental e nos EUA. No entanto, o estilo surrealista de ‘Planeta Fantástico’ forneceu o método perfeito de ocultação, apoiado pelos elementos retóricos do meio animado que significam que ele é capaz de diluir e aguçar o conteúdo político quase simultaneamente.
O surrealismo como estilo estético é inerentemente político. Topor reconheceu a capacidade da arte de ‘perturbar a ordem social e gerar entusiasmo que pode ser manipulado para fins políticos’ (Herhuth, 2018: 169). Membro conhecido da vanguarda, Topor foi cofundador do Movimento Pânico, que ‘pretendia tornar o surrealismo tão chocante quanto o fora na década de 1920’ (Brooke, 2016). Assim como ‘Um Cão Andaluz’ (Salvador Dalí e Luis Buñuel, 1929) expressou simbolicamente seus princípios políticos com o corte de um olho como símbolo de ataque ao olhar do público burguês, ‘Planeta Fantástico’ também buscou oferecer uma denúncia às instituições opressoras por meio de sua rejeição aos métodos artísticos. O uso do surrealismo no filme, embora rejeite o ‘automatismo’ (Breton, 1955), é, em última análise, uma adesão a muitos dos objetivos políticos anteriores do movimento. (...)
As qualidades surrealistas de ‘Planeta Fantástico’ permitiram, sem dúvida, que o filme escapasse com sucesso à censura soviética, ao mesmo tempo em que conferiam maior potência ao potencial de sua afetação política para mudar as mentes e ações do público de forma significativa. Seus exageros absurdos não apenas destacavam a opressão política, como Laloux e Topor também abordavam a relação entre o indivíduo e a arte por meio de um estado de distração (Benjamin, 1960), sendo o surrealismo um estilo apto a ‘fazer o espectador esquecer o meio a fim de transformar a consciência’ (Hopkins, 2004:3). Quanto mais distantes de qualquer forma de realidade reconhecível estivermos, mais distantes de nosso viés ou rigidez política. ‘Planeta Fantástico’ nos separa da realidade, de modo que nós mesmos nos tornamos os viajantes incautos de Topor, sendo chicoteados e mordidos pelas plantas temíveis. Tal síntese do político com o surreal por meio da animação não poderia ser mais clara do que na justaposição da burocracia e do horror político no filme, a uma lógica cinematográfica onírica quase alucinatória e hipnoticamente psicodélica, elevada pela trilha sonora melíflua e etérea de Alain Goraguer”.
O que disse a crítica: Calil Neto do site Calil no Mundo avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Um filme que deixa o espectador maravilhado, um filme muito bonito em uma animação que me fez lembrar em alguns momentos com as animações adultas das histórias em quadrinhos. Sou fã! Um grandioso filme. Com certeza uma das grandes animações de todos os tempos”.
Marco Antônio do CinePlayers avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “A sensação é de que em ‘Planeta Fantástico’ tudo é mais do que parece ser e qualquer interpretação dos fatos ali ocorridos é superficial e banal. Alguns poderão não gostar do estilo de animação sem muitos recursos tecnológicos, ou da frieza naturalista com que a história se desenvolve e que não permite muita aproximação de quem assiste com o que é assistido. Mas ‘intrigante’ é uma palavra que praticamente todos dirão sobre essa animação, sem dúvida, única”
O que eu achei: Trata-se de uma animação com uma pegada surrealista toda feita a lápis em tons pastéis da década de 1970, baseada no livro “Oms En Serie”, do escritor francês Stefan Wul. A história se passa num planeta desconhecido chamado Yagam onde vivem seres de pele azul chamados Draggs. Na trama, um pai e sua filha passeiam pelo campo até se depararem com uma criatura minúscula – bastante semelhante a um bebê humano – que cabe na mão da menina. A mãe da pequena criatura morreu pelas mãos de um cruel grupo de crianças. A menina convence o pai a deixá-la levar para casa a pequena criatura, onde ela brinca com o novo ‘animal de estimação’, escolhendo roupas pra ele vestir, como se fosse uma boneca, embora a pequena criatura tenha vida e sentimentos e demonstre não gostar muito disso. A princípio, parece que vamos ver uma singela narrativa familiar sobre crianças e seus animais de estimação, mas não se engane, esse bebê humano, cuja raça é conhecida como Oms, faz parte de um grupo de humanos perseguidos pelos Draggs, tratados como se fossem insetos e tudo o que eles querem é se livrar daquela vida e voltar para a seu planeta natal onde eram mais felizes. Há vários tópicos abordados no filme: temos a discriminação baseada na crença de que uma vida é mais valiosa do que a outra, temos o fanatismo, o nacionalismo e os dogmas. É possível reconhecer na animação traços das utopias hippies, psicodélicas e místicas da década de 1960 (me lembrou a animação "Yellow Submarine" de 1968). Mas há também quem interprete o filme como uma crítica à agressão soviética ou à opressão política de uma forma geral. Não é um filme para crianças, mas atende o público adulto por ser uma interessante experiência estética que mistura ficção científica, filosofia e crítica social, convidando à reflexão. Vale ver.