
Comentário: Riget é o título original do seriado composto por três temporadas: “The Kingdom I”, “The Kingdom II” e “The Kingdom Exodus”. A palavra “Riget” é derivada do nome do hospital – Rigshospitalet – onde a série se passa, cuja tradução literal seria algo como Hospital Nacional, Hospital do Estado ou Hospital do Reino. No Brasil ela foi intitulada “O Reino”, mas ficou famosa mundo afora pelo título em inglês: “The Kingdom”.
A trilogia completa levou três décadas para ficar pronta. A primeira temporada “The Kingdom I” (1994) possui 4 episódios. A segunda temporada “The Kingdom II” (1997), rodada logo na sequência, também possui 4 episódios. A terceira e última temporada “The Kingdom Exodus” só foi lançada em 2021 e possui 5 episódios. Ou seja, são três temporadas totalizando 13 episódios.
Flavia Guerra do site UOL nos conta que a série mostra “a saga do hospital que existe de fato e é um dos mais importantes da Dinamarca. Construído sobre antigas lagoas onde os moradores de Copenhague costumavam lavar e clarear suas roupas, o hospital, na trama escrita por Lars, abriga seres misteriosos. Por conta de fatos estranhos que ocorrem na ala de neurocirurgia do The Kingdom, médicos, enfermeiros e demais funcionários acreditam que o hospital é mal-assombrado.
Se hospitais muitas vezes são vistos e sentidos como portais entre a vida e a morte, o The Kingdom é a expressão máxima deste limiar. O mal criou raízes ali e a medicina encara diariamente não só os desafios que um grande hospital enfrenta, mas também as contradições humanas de um lugar que devia acolher e cuidar, mas que também é palco de todo tipo de vaidade, jogos de poder e até violência.
Nas duas primeiras temporadas, rodadas em 1994 e 1997, entramos nesta ala de neurocirurgia, acompanhamos as reuniões dos médicos e médicas, que muitas vezes tomam decisões mais baseadas em suas teimosias e vaidades que por altruísmo. Vemos também os casos complicados que a equipe médica tem de (...) resolver, além de descobrirmos os casos, relacionamentos, desentendimentos, birras e jogos de poder entre médicos, enfermeiros e até pacientes. Tudo isso com o estilo despojado, câmera na mão, pouquíssima iluminação (na verdade, somente a natural), tomadas feitas no calor da ação e sem ensaio prévio dos atores. Há uma naturalidade e um nervosismo no ar, que é intrínseco ao próprio estilo Dogma, com a câmera inquieta e um olhar sempre cético para a realidade retratada.
Lars manteve tudo isso na terceira temporada, mas, 25 anos depois, também a atualizou. Mantendo o estilo, a narrativa é fragmentada, os cortes das cenas são abruptos, os tempos muitas vezes desencontrados, dando sempre a sensação de que vemos partes mas jamais o todo deste quebra-cabeças. Há também sarcasmo, olhar crítico e, incrivelmente, humor. Humor ácido, claro, que destila ironia quando expõe o quão patético pode ser o ser humano em sua pequenez, mesquinhez e jogos de poder. Há piadas que são repetitivas, como a rixa entre suecos e dinamarqueses, mas que estão em cena propositalmente, para nos incomodar ao nos expor ao espelho de nossas picuinhas. São implicâncias históricas entre Suécia e Dinamarca (...).
Nesta temporada final, para salvar o hospital do mal e de seu próprio fim, Karen (Bodil Jørgensen), busca respostas para questões há muito não resolvidas. Ela é sonâmbula e, em uma noite de inverno, sai de casa e tem um motorista à sua espera. Ela acaba na frente do hospital. O portão do Reino está se abrindo mais uma vez e uma jornada surreal começa. Bodil, que é parceira de décadas de Von Trier e protagonizou o hoje clássico do Dogma ‘Os Idiotas’ (1998), tem visões e se comunica com os seres bizarros e misteriosos que habitam e rondam o hospital.
No elenco deste xadrez do bem e do mal, nomes fortes como Lars Mikkelsen, Nikolaj Lie Kaas, Mikael Persbrandt e Tuva Novotny, além de Alexander Skarsgard, David Dencik e Willem Dafoe como atores convidados. Cada um encarnando um personagem perturbado e perturbador, em trajetórias que se cruzam e se chocam.
Mas é Karen o elo entre os dois mundos e, mesmo em sua aparente ingenuidade e loucura, é o senso crítico que tenta alertar a todos, afogados em seus dramas e vaidades, que há algo de podre no reino da Dinamarca, com o perdão do trocadilho infame em referência a Hamlet mas, que, em sua visão também crítica da sociedade dinamarquesa, sabia que havia mais nos jogos de poder de seu reino que apenas o que a superfície deixava se ver.
Se a série herda o nome do hospital real, há muito do já citado olhar crítico de Lars sobre jogo palaciano da sociedade contemporânea na escolha de ambientar a série em um reino em que os reis são médicos muitas vezes arrogantes e superficiais, mais interessados nos brindes que recebem em ocasião de um congresso do que em discutir novas e mais humanistas práticas para a medicina.
Dito assim, pode parecer que tudo é dor, peso e um certo tom de terror em ‘The Kingdom’. A série tem tudo isso, fato. Mas a terceira temporada chega também contemporânea, com estilo mais leve tecnicamente, mais iluminada, com produção mais cuidadosa e menos despojada que as duas primeiras. Para além das questões técnicas que atualizam a série, a questão temática é crucial. Se nos anos 1990, comportamentos abusivos dos médicos para com as enfermeiras eram mais tolerados, em 2022 o assédio, por exemplo, não passa incólume. A forma de se administrar um grande hospital e exercer a medicina também sofreu mudanças, mas a essência humana se mantém. Há humor nesta história. Há toda a seriedade que surge com o olhar crítico de Lars, mas há, acima de tudo, um deboche e até um auto deboche. Lars quebra a seriedade de sua crítica com um humor inesperado e nonsense, que desconcerta o público e o tira constantemente do lugar de conforto”.
O que eu achei: Pensa num seriado bizarro, pensou? Este é “O Reino” (1994-2021) do diretor dinamarquês Lars von Trier de quem já vi filmes ótimos como “Europa” (1991), "Dogville" (2003), "Manderlay" (2005), "Anticristo" (2009), "Melancolia" (2011) e "Ninfomaníaca” (2013), dentre outros. Muito se engana quem achar que “O Reino” diz respeito à história de reis e rainhas. Esse ‘O Reino’ que o título se refere é o nome de um hospital que de fato existe na Dinamarca chamado Rigshospitalet, que seria algo como Hospital Público, ou seja, pertencente ao Estado, no caso da Dinamarca, administrado pela monarquia. Construído sobre antigos lagos de lavagem e branqueamento de roupas, a premissa é que o mal se enraizou ali transformando o hospital num local mal-assombrado que só uma paciente do hospital, que é vidente, a sra. Sigrid Drusse (interpretada pela atriz Kirsten Rolffes), percebe. Nas temporadas I (1994) e II (1997), a história vai misturando eventos sobrenaturais com as histórias dos funcionários e dos pacientes: tem um médico sueco que critica tudo que a Dinamarca faz, uma cirurgia mal feita que deixa sequelas numa menina, um médico que corre risco de vida para conseguir um fígado com câncer para sua pesquisa, uma funcionária que tem um bebê que é uma aberração, dois lavadores de pratos com síndrome de Down no porão que discutem tudo o que acontece no hospital, relacionamentos amorosos, disputa de poder... tudo misturado com uma ambulância fantasma que circula pelas ruas e espíritos que precisam se comunicar. Como a temporada III (2021), que é a última, só foi lançada 24 anos depois, muita coisa mudou. A atriz Kirsten Rolffes (1928-2000), por exemplo, que era uma peça-chave, já havia falecido. Aliás, ao que tudo indica, esse foi o motivo da série ficar tanto tempo parada. Para a série prosseguir em 2021 o diretor foi obrigado a inserir na trama uma mulher chamada Karen Svensson (Bodil Jorgensen) que sofre de sonambulismo e também possui dons psíquicos. Além do falecimento dessa personagem, morreu também o ator Ernst-Hugo Alfred Järegård (1928-1998) que interpretava outro personagem importante: o médico sueco Stig Helmer. Esse também teve que ser substituído por um personagem que é o seu filho Dr. Helmer Jr. (Mikael Persbrandt). Então, apesar de ser uma continuação da história que já vinha se desenvolvendo, essa última etapa acabou ficando bem diferente das anteriores. A série tem pontos positivos e negativos. Como pontos positivos podemos assinalar o estilo único que mistura terror, drama hospitalar e humor absurdo, um roteiro original e ousado nada convencional que traz um mix de realismo escandinavo com surrealismo, traz críticas ao sistema de saúde, ao nacionalismo dinamarquês, à burocracia, ao racismo e até a própria Dinamarca e possui personagens memoráveis. Além disso, há o próprio Lars von Trier como narrador, encerrando cada episódio com seus comentários enigmáticos. Como pontos negativos há a narrativa fragmentada e um pouco confusa, que deixa a história com diversas pontas soltas que permanecem sem resolução. Outra questão é que o humor da série é muito específico, com um tom de humor negro e absurdo que pode não agradar a todos. Ou seja, é um seriado mais recomendado para quem curte trabalhos que fujam completamente do convencional.
A trilogia completa levou três décadas para ficar pronta. A primeira temporada “The Kingdom I” (1994) possui 4 episódios. A segunda temporada “The Kingdom II” (1997), rodada logo na sequência, também possui 4 episódios. A terceira e última temporada “The Kingdom Exodus” só foi lançada em 2021 e possui 5 episódios. Ou seja, são três temporadas totalizando 13 episódios.
Flavia Guerra do site UOL nos conta que a série mostra “a saga do hospital que existe de fato e é um dos mais importantes da Dinamarca. Construído sobre antigas lagoas onde os moradores de Copenhague costumavam lavar e clarear suas roupas, o hospital, na trama escrita por Lars, abriga seres misteriosos. Por conta de fatos estranhos que ocorrem na ala de neurocirurgia do The Kingdom, médicos, enfermeiros e demais funcionários acreditam que o hospital é mal-assombrado.
Se hospitais muitas vezes são vistos e sentidos como portais entre a vida e a morte, o The Kingdom é a expressão máxima deste limiar. O mal criou raízes ali e a medicina encara diariamente não só os desafios que um grande hospital enfrenta, mas também as contradições humanas de um lugar que devia acolher e cuidar, mas que também é palco de todo tipo de vaidade, jogos de poder e até violência.
Nas duas primeiras temporadas, rodadas em 1994 e 1997, entramos nesta ala de neurocirurgia, acompanhamos as reuniões dos médicos e médicas, que muitas vezes tomam decisões mais baseadas em suas teimosias e vaidades que por altruísmo. Vemos também os casos complicados que a equipe médica tem de (...) resolver, além de descobrirmos os casos, relacionamentos, desentendimentos, birras e jogos de poder entre médicos, enfermeiros e até pacientes. Tudo isso com o estilo despojado, câmera na mão, pouquíssima iluminação (na verdade, somente a natural), tomadas feitas no calor da ação e sem ensaio prévio dos atores. Há uma naturalidade e um nervosismo no ar, que é intrínseco ao próprio estilo Dogma, com a câmera inquieta e um olhar sempre cético para a realidade retratada.
Lars manteve tudo isso na terceira temporada, mas, 25 anos depois, também a atualizou. Mantendo o estilo, a narrativa é fragmentada, os cortes das cenas são abruptos, os tempos muitas vezes desencontrados, dando sempre a sensação de que vemos partes mas jamais o todo deste quebra-cabeças. Há também sarcasmo, olhar crítico e, incrivelmente, humor. Humor ácido, claro, que destila ironia quando expõe o quão patético pode ser o ser humano em sua pequenez, mesquinhez e jogos de poder. Há piadas que são repetitivas, como a rixa entre suecos e dinamarqueses, mas que estão em cena propositalmente, para nos incomodar ao nos expor ao espelho de nossas picuinhas. São implicâncias históricas entre Suécia e Dinamarca (...).
Nesta temporada final, para salvar o hospital do mal e de seu próprio fim, Karen (Bodil Jørgensen), busca respostas para questões há muito não resolvidas. Ela é sonâmbula e, em uma noite de inverno, sai de casa e tem um motorista à sua espera. Ela acaba na frente do hospital. O portão do Reino está se abrindo mais uma vez e uma jornada surreal começa. Bodil, que é parceira de décadas de Von Trier e protagonizou o hoje clássico do Dogma ‘Os Idiotas’ (1998), tem visões e se comunica com os seres bizarros e misteriosos que habitam e rondam o hospital.
No elenco deste xadrez do bem e do mal, nomes fortes como Lars Mikkelsen, Nikolaj Lie Kaas, Mikael Persbrandt e Tuva Novotny, além de Alexander Skarsgard, David Dencik e Willem Dafoe como atores convidados. Cada um encarnando um personagem perturbado e perturbador, em trajetórias que se cruzam e se chocam.
Mas é Karen o elo entre os dois mundos e, mesmo em sua aparente ingenuidade e loucura, é o senso crítico que tenta alertar a todos, afogados em seus dramas e vaidades, que há algo de podre no reino da Dinamarca, com o perdão do trocadilho infame em referência a Hamlet mas, que, em sua visão também crítica da sociedade dinamarquesa, sabia que havia mais nos jogos de poder de seu reino que apenas o que a superfície deixava se ver.
Se a série herda o nome do hospital real, há muito do já citado olhar crítico de Lars sobre jogo palaciano da sociedade contemporânea na escolha de ambientar a série em um reino em que os reis são médicos muitas vezes arrogantes e superficiais, mais interessados nos brindes que recebem em ocasião de um congresso do que em discutir novas e mais humanistas práticas para a medicina.
Dito assim, pode parecer que tudo é dor, peso e um certo tom de terror em ‘The Kingdom’. A série tem tudo isso, fato. Mas a terceira temporada chega também contemporânea, com estilo mais leve tecnicamente, mais iluminada, com produção mais cuidadosa e menos despojada que as duas primeiras. Para além das questões técnicas que atualizam a série, a questão temática é crucial. Se nos anos 1990, comportamentos abusivos dos médicos para com as enfermeiras eram mais tolerados, em 2022 o assédio, por exemplo, não passa incólume. A forma de se administrar um grande hospital e exercer a medicina também sofreu mudanças, mas a essência humana se mantém. Há humor nesta história. Há toda a seriedade que surge com o olhar crítico de Lars, mas há, acima de tudo, um deboche e até um auto deboche. Lars quebra a seriedade de sua crítica com um humor inesperado e nonsense, que desconcerta o público e o tira constantemente do lugar de conforto”.
O que eu achei: Pensa num seriado bizarro, pensou? Este é “O Reino” (1994-2021) do diretor dinamarquês Lars von Trier de quem já vi filmes ótimos como “Europa” (1991), "Dogville" (2003), "Manderlay" (2005), "Anticristo" (2009), "Melancolia" (2011) e "Ninfomaníaca” (2013), dentre outros. Muito se engana quem achar que “O Reino” diz respeito à história de reis e rainhas. Esse ‘O Reino’ que o título se refere é o nome de um hospital que de fato existe na Dinamarca chamado Rigshospitalet, que seria algo como Hospital Público, ou seja, pertencente ao Estado, no caso da Dinamarca, administrado pela monarquia. Construído sobre antigos lagos de lavagem e branqueamento de roupas, a premissa é que o mal se enraizou ali transformando o hospital num local mal-assombrado que só uma paciente do hospital, que é vidente, a sra. Sigrid Drusse (interpretada pela atriz Kirsten Rolffes), percebe. Nas temporadas I (1994) e II (1997), a história vai misturando eventos sobrenaturais com as histórias dos funcionários e dos pacientes: tem um médico sueco que critica tudo que a Dinamarca faz, uma cirurgia mal feita que deixa sequelas numa menina, um médico que corre risco de vida para conseguir um fígado com câncer para sua pesquisa, uma funcionária que tem um bebê que é uma aberração, dois lavadores de pratos com síndrome de Down no porão que discutem tudo o que acontece no hospital, relacionamentos amorosos, disputa de poder... tudo misturado com uma ambulância fantasma que circula pelas ruas e espíritos que precisam se comunicar. Como a temporada III (2021), que é a última, só foi lançada 24 anos depois, muita coisa mudou. A atriz Kirsten Rolffes (1928-2000), por exemplo, que era uma peça-chave, já havia falecido. Aliás, ao que tudo indica, esse foi o motivo da série ficar tanto tempo parada. Para a série prosseguir em 2021 o diretor foi obrigado a inserir na trama uma mulher chamada Karen Svensson (Bodil Jorgensen) que sofre de sonambulismo e também possui dons psíquicos. Além do falecimento dessa personagem, morreu também o ator Ernst-Hugo Alfred Järegård (1928-1998) que interpretava outro personagem importante: o médico sueco Stig Helmer. Esse também teve que ser substituído por um personagem que é o seu filho Dr. Helmer Jr. (Mikael Persbrandt). Então, apesar de ser uma continuação da história que já vinha se desenvolvendo, essa última etapa acabou ficando bem diferente das anteriores. A série tem pontos positivos e negativos. Como pontos positivos podemos assinalar o estilo único que mistura terror, drama hospitalar e humor absurdo, um roteiro original e ousado nada convencional que traz um mix de realismo escandinavo com surrealismo, traz críticas ao sistema de saúde, ao nacionalismo dinamarquês, à burocracia, ao racismo e até a própria Dinamarca e possui personagens memoráveis. Além disso, há o próprio Lars von Trier como narrador, encerrando cada episódio com seus comentários enigmáticos. Como pontos negativos há a narrativa fragmentada e um pouco confusa, que deixa a história com diversas pontas soltas que permanecem sem resolução. Outra questão é que o humor da série é muito específico, com um tom de humor negro e absurdo que pode não agradar a todos. Ou seja, é um seriado mais recomendado para quem curte trabalhos que fujam completamente do convencional.