7.7.25

“A Hora da Estrela” - Suzana Amaral (Brasil, 1985)

Sinopse:
Macabéa (Marcélia Cartaxo) é uma imigrante nordestina que vive em São Paulo. Ela trabalha como datilógrafa em uma pequena firma e vive em uma pensão miserável, onde divide o quarto com outras três mulheres. Macabéa não tem ambições, apesar de sentir desejo e querer ter um namorado. Um dia ela conhece Olímpico (José Dumont), um operário metalúrgico com quem inicia namoro. Só que Glória (Tamara Taxman), colega de trabalho de Macabéa, está interessada em Olímpico, especialmente após se consultar com uma cartomante (Fernanda Montenegro).
Comentário: Suzana Amaral (1932-2020) foi uma cineasta e roteirista brasileira. Nascida em São Paulo, ficou conhecida por seu trabalho em “A Hora da Estrela” (1985). Ela acumulou duas indicações ao Grande Otelo, ambas na categoria de Melhor Roteiro Adaptado, por “Uma Vida em Segredo” (2001) e “Hotel Atlântico” (2009). “A Hora da Estrela” é o primeiro filme que vejo dela.
O filme é uma adaptação da obra homônima da escritora Clarice Lispector, publicada em 1977. Naief Haddad do site Jornal de Brasília nos conta que “Quando começou a filmar ‘A Hora da Estrela’, em 1984, a cineasta Suzana Amaral já tinha uma história e tanto. Com pouco mais de 50 anos, ela havia dado à luz nove vezes, cursado cinema na Universidade de São Paulo, feito especialização na Universidade de Nova York e realizado documentários para a TV Cultura, entre muitas outras coisas.
Em meio aos planos para rodar seu primeiro longa-metragem, baseado no romance de Clarice Lispector, Amaral assistiu a uma peça chamada ‘Beiço de Estrada’. Apresentado por um grupo de Cajazeiras, cidade do sertão da Paraíba, o espetáculo passava por São Paulo para uma curta temporada. A cineasta viu a peça uma, duas, três vezes. Ficou fascinada com o elenco e, já àquela altura, sondou a jovem atriz Marcélia Cartaxo para interpretar Macabéa, a protagonista de ‘A Hora da Estrela’ (...). ‘Na época, eram comuns os questionamentos em relação aos atores que vinham do teatro para fazer cinema porque tinham gestos largos, eram exagerados. A Suzana ficou impressionada com meu trabalho contido no palco’, lembra Cartaxo. Naquele momento, no entanto, não havia orçamento suficiente para produzir o filme. A atriz voltou para a Paraíba e, nos oito meses seguintes, recebeu oito cartas de Amaral em que a diretora falava sobre a personagem de Lispector.
Amaral, que morreu em 2020, acumulava as mais variadas experiências na vida e na arte; Cartaxo, por outro lado, era uma atriz de 20 e poucos anos, com escassa vivência fora de Cajazeiras. Esse contraste agradava à diretora paulistana, que buscava justamente a imaturidade de alguém que nunca tinha feito cinema. Elas conversaram muito nos meses de pré-produção, mas as orientações foram mínimas quando as filmagens começaram. ‘A Suzana não queria que eu soubesse como me comportar diante das câmeras. Eu tinha dúvidas, e ninguém me dizia para olhar para um lado ou para outro. Ela pediu que eu atuasse como fazia no teatro’, conta a atriz. ‘Só aprendi a lidar com a câmera anos depois’.
Deu certo o método de atuação, ou justamente a aversão a métodos consagrados. A datilógrafa nordestina Macabéa – ‘a única coisa que queria era viver. Não sabia para quê, não se indagava’ – ganhou as feições e os movimentos de Cartaxo.
O primeiro longa-metragem de Suzana Amaral conquistou dez prêmios no Festival de Brasília de 1985, entre os quais de Melhor Filme e Atriz. Em fevereiro do ano seguinte, o Festival de Berlim deu a Cartaxo o Urso de Prata de Melhor Atriz”.
O que disse a crítica: Rodrigo de Oliveira do site Papo de Cinema avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Não bastasse [todos os prêmios que recebeu em Brasília mais o Urso de Prata para atriz principal], em lista divulgada pela Associação Brasileira dos Críticos de Cinema, o longa-metragem foi escolhido um dos 100 melhores da história de nossa cinematografia. Nada surpreendente, dada a maestria com que Suzana Amaral conta esta história comovente e atemporal. O tempo pode ter passado, mas ainda existem muitas Macabéas, Glórias e Olímpicos em nosso Brasil. À procura de uma vida melhor, de algum propósito na vida e de um desfecho melhor do que o visto nesta bela obra”.
Pâmela Eurídice do Cineset também avaliou com o equivalente a 5 estrelas. Escreveu: “’A Hora da Estrela’ perpassa ainda temáticas importantes para o universo feminino e que eram vistas de maneira mais delicada tanto quando Lispector escreveu a obra, quanto em 1985. Mesmo assim, a diretora mergulha de forma sensível em questões que atravessam o corpo da mulher, optando por uma abordagem pincelada e, em certa dosagem, ousada de tópicos como aborto, masturbação, desejo sexual, traição e o pânico de ser rejeitada pelo parceiro”.
O que eu achei: O filme é uma adaptação do livro escrito em 1977 “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector, ganhador do prêmio Jabuti de Melhor Romance. A adaptação cinematográfica é de 1985. Conta a história de Macabéa, uma moça extremamente ingênua que tenta sobreviver e se adaptar em meio a uma cultura diferente da sua. Depois de uma infância difícil, ela migra com sua tia de Alagoas para o Rio de Janeiro, mas a tia falece deixando a jovem sozinha. Sua vida é simples e pobre, mas parece poder ganhar algum fôlego quando a personagem inicia um namoro com o também pobre e também migrante Olímpico. Nem é preciso dar spoiler para dizer que nada vai dar certo. Macabéa é o retrato vivo dos inúmeros migrantes que saem do norte e nordeste do Brasil para tentar a vida em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, em busca de um emprego e de uma vida melhor. Com poucos recursos financeiros, o filme foi o primeiro longa-metragem de Suzana Amaral. A personagem principal, Marcélia Cartaxo, que era atriz de teatro, faz seu debut no cinema, interpretando com maestria a personagem Macabéa. O resultado foi que o filme de Suzana abocanhou simplesmente todos os 11 prêmios no Festival de Cinema de Brasília: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro, Melhor Montagem, Melhor Fotografia, Melhor Cenografia, Melhor Trilha Sonora, Melhor Filme do Júri Popular, Prêmio Especial da Crítica, Melhor Ator para José Dumont (Olímpico) e Melhor Atriz para Marcélia Cartaxo. Como se isso não bastasse, Cartaxo ainda recebeu o Urso de Prata no Festival de Cinema de Berlim. Um clássico do cinema brasileiro, um filme obrigatório. Não morra sem ver.