
Comentário: Luca Guadagnino (1971) é um diretor, produtor e roteirista de cinema italiano. Seus filmes são caracterizados pela complexidade emocional, o erotismo e os visuais suntuosos. Ele recebeu vários prêmios, incluindo um Leão de Prata, além de indicações ao Oscar e três prêmios BAFTA. São dele os filmes “Um Sonho de Amor” (2009), “Suspíria - A Dança do Medo“ (2018), “Até Os Ossos“ (2022) e “Rivais“ (2023), dentre outros. Assisti dele apenas o ótimo “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017). Desta vez vou conferir “Queer” (2024) baseado no romance homônimo de 1985 de William S. Burroughs. No filme, o personagem William Lee é uma versão ficcional desse escritor.
Humberto Maruchel da Revista Bravo! nos conta que “Sempre que o diretor italiano Luca Guadagnino se prepara para produzir um novo filme, parece inevitável que ele busque superar o tratamento estético de suas obras anteriores. Essa sensação se reafirma ao assistir ao seu mais recente longa-metragem, ‘Queer’, uma adaptação do romance de William S. Burroughs, publicado em 1985. De todas as suas obras-primas, ‘Queer’ é, definitivamente, a mais bela - pelo menos no que se refere à direção de arte e fotografia do filme. A narrativa, no entanto, é marcada pela melancolia.
O livro, escrito entre 1951 e 1953 e publicado somente na década de 1980, é considerado uma obra semi-autobiográfica de Burroughs. A trama reflete suas experiências no México pós-Segunda Guerra Mundial, abordando temas como isolamento, vícios e desejos reprimidos.
A história segue Lee (interpretado por Daniel Craig no filme), um homem gay deslocado e emocionalmente confuso. Nos primeiros minutos do filme, acompanhamos o personagem indo de bar em bar em busca de companhia até encontrar Eugene Allerton (Drew Starkey), um belo jovem americano. Lee se vê obcecado por ele, mas não sabe se Eugene é ou não queer. Os dois se encontram de maneira casual, mas Eugene se mantém frio e distante, o que intensifica o interesse de Lee.
Embora Lee explore abertamente sua sexualidade, o filme revela o quanto ele é uma figura isolada e marginalizada no ambiente em que vive. Sua mudança para a Cidade do México é motivada pelo vício em heroína, que lhe causou conflitos com a justiça nos Estados Unidos. A relação que ele estabelece com Eugene é um reflexo de seu vício, misturando desejo profundo e dependência.
Luca Guadagnino explora o conceito de espetáculo em toda a sua potencialidade. Os ritmos, as imagens, os objetos, as cores e a trilha sonora são meticulosamente selecionados para envolver o espectador, criando uma sensação de uma obra de arte em movimento.
O interesse de Luca pela adaptação do livro surgiu logo que entrou em contato com ele, ainda na adolescência, quando morava em Palermo, na Itália. ‘Assim que comecei a ler o romance na solidão do meu pequeno quarto, tive uma epifania sobre os mundos ali evocados e a linguagem com a qual foram descritos. Também reconheci algo muito familiar, algo íntimo: o autor deu vida a essa sensação vertiginosa que eu não conseguia expressar em palavras, a sensação de contato visceral com alguém que, no fim das contas, transforma sua visão de mundo’. Luca compartilhou esse sentimento em uma entrevista à revista World of Interiors.
No entanto, nem tudo no filme segue à risca o que está no livro, há uma boa dose de licença criativa. Lee, por exemplo, é mais jovem que Daniel Craig (56 anos), e ainda não completou 40. A escolha de um ator mais velho amplifica o sentimento de isolamento do personagem, que busca, desesperadamente, a beleza, a juventude e, em certo ponto, o pertencimento.
Antes de sua estreia, o filme foi amplamente discutido devido às suas supostas cenas de nudez e sexo. No entanto, essa ênfase parece mais uma estratégia de marketing ou, no pior dos casos, um equívoco. O que realmente se vê na tela é que esses elementos permanecem em segundo plano, aparecendo apenas em alguns poucos momentos, com um impacto bem mais contido do que se imaginava. (...)
Em um gesto quase desesperado, Lee convida Eugene para uma viagem pela América do Sul, onde busca uma planta com poderes telepáticos, a Ayahuasca. Ele vê nisso uma tentativa de se conectar mais profundamente com a mente de seu amado. No filme, essa jornada, acompanhada pelos delírios dos personagens após o consumo do chá, é um dos momentos mais intensos, desvelando camadas emocionais e psicológicas extremamente complexas”.
O que disse a crítica: Luiz Santiago do site Plano Crítico avaliou com 2 estrelas, ou seja, ruim. Disse: “A indiscutível excelência técnica das cenas iniciais de ‘Queer’ (2024) impressiona o espectador de tal forma que o deixa absorto, até que, aos poucos, percebe que falta algo ali. Algo essencial para a construção do espaço, da estrutura dramática e das camadas dos personagens. Algo que se faz apenas sugerido na tela, mas que é claro que foi cortado, de maneira irreparável, na quase uma hora de picotamento que o filme sofreu para ser lançado. Falta contexto”.
Bruno Ghetti da Folha SP avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveu: “Guadagnino faz um filme sobre um amor gay malfadado, mas evita a facilidade de despejar toda a culpa desse fracasso nos suspeitos de sempre - a homofobia, o conservadorismo. O amor, em ‘Queer’, tem impedimentos de ordens antes metafísicas do que sociais. Afinal, a obsessão de Lee por Allerton ultrapassa o desejo e mesmo o amor em sua esfera mais romântica. É parte de uma busca cósmica, mística, a partir de um encontro eminentemente físico. Desta vez, Guadagnino é certeiro tanto no que é material quanto no mais puramente espiritual”.
O que eu achei: Em comparação com “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017) do mesmo diretor, achei o anterior mais empolgante, mas este “Queer” não é ruim. Ele também fala de relacionamentos homoafetivos mas, em comparação com aquele, carece de paixão, daquele amor arrebatador que acontece em “Me Chame”. Este é bem mais melancólico pois é uma adaptação do romance semiautobiográfico de William S. Burroughs retratando um homem queer na casa dos 40 ou 50 anos que teve que deixar os EUA por conta de seu vício em heroína e passa os seus dias vagando pela Cidade do México em busca de drogas e de algum amor. Então é meio óbvio que o tom seja outro. O ritmo morno do filme só é quebrado quando o personagem principal Lee sai com um de seus namorados para fazer uma viagem para a América do Sul a fim de consumir Yagé, mais conhecida como Ayahuasca, que ele acha que vai lhe desenvolver a telepatia. De resto, os dias do escritor se arrastam enquanto ele vaga de bar em bar atrás de companhia. O filme foi todo rodado nos estúdios da Cinecittà em Roma, o que dá um ar artificial ao ambiente que se completa com a inserção de paisagens criadas digitalmente também bastante artificiais. Isso, a meu ver, não tira o brilho do filme, apenas dá a ele uma pegada mais teatral pois todo esse trabalho de direção de arte é mega bem feito. Sem grandes reviravoltas ou acontecimentos mais contundentes, quem segura o filme é o ator principal Daniel Craig que nos hipnotiza com seu terno claro de linho amassado, chapéu e óculos. Interessante a escolha da trilha sonora que utiliza Nirvana e Sinéad O’Connor para embalar uma história que se passa nos anos 1950. Atenção ao ator brasileiro Henrique Zaga que interpreta Winston Moor e à música "Vaster than Empires", composta por Atticus Ross e Trent Reznor, interpretada pelo Caetano Veloso. Poderia ser um filme um pouco mais enxuto, mas ainda assim achei que compensa o tempo dispendido.
Humberto Maruchel da Revista Bravo! nos conta que “Sempre que o diretor italiano Luca Guadagnino se prepara para produzir um novo filme, parece inevitável que ele busque superar o tratamento estético de suas obras anteriores. Essa sensação se reafirma ao assistir ao seu mais recente longa-metragem, ‘Queer’, uma adaptação do romance de William S. Burroughs, publicado em 1985. De todas as suas obras-primas, ‘Queer’ é, definitivamente, a mais bela - pelo menos no que se refere à direção de arte e fotografia do filme. A narrativa, no entanto, é marcada pela melancolia.
O livro, escrito entre 1951 e 1953 e publicado somente na década de 1980, é considerado uma obra semi-autobiográfica de Burroughs. A trama reflete suas experiências no México pós-Segunda Guerra Mundial, abordando temas como isolamento, vícios e desejos reprimidos.
A história segue Lee (interpretado por Daniel Craig no filme), um homem gay deslocado e emocionalmente confuso. Nos primeiros minutos do filme, acompanhamos o personagem indo de bar em bar em busca de companhia até encontrar Eugene Allerton (Drew Starkey), um belo jovem americano. Lee se vê obcecado por ele, mas não sabe se Eugene é ou não queer. Os dois se encontram de maneira casual, mas Eugene se mantém frio e distante, o que intensifica o interesse de Lee.
Embora Lee explore abertamente sua sexualidade, o filme revela o quanto ele é uma figura isolada e marginalizada no ambiente em que vive. Sua mudança para a Cidade do México é motivada pelo vício em heroína, que lhe causou conflitos com a justiça nos Estados Unidos. A relação que ele estabelece com Eugene é um reflexo de seu vício, misturando desejo profundo e dependência.
Luca Guadagnino explora o conceito de espetáculo em toda a sua potencialidade. Os ritmos, as imagens, os objetos, as cores e a trilha sonora são meticulosamente selecionados para envolver o espectador, criando uma sensação de uma obra de arte em movimento.
O interesse de Luca pela adaptação do livro surgiu logo que entrou em contato com ele, ainda na adolescência, quando morava em Palermo, na Itália. ‘Assim que comecei a ler o romance na solidão do meu pequeno quarto, tive uma epifania sobre os mundos ali evocados e a linguagem com a qual foram descritos. Também reconheci algo muito familiar, algo íntimo: o autor deu vida a essa sensação vertiginosa que eu não conseguia expressar em palavras, a sensação de contato visceral com alguém que, no fim das contas, transforma sua visão de mundo’. Luca compartilhou esse sentimento em uma entrevista à revista World of Interiors.
No entanto, nem tudo no filme segue à risca o que está no livro, há uma boa dose de licença criativa. Lee, por exemplo, é mais jovem que Daniel Craig (56 anos), e ainda não completou 40. A escolha de um ator mais velho amplifica o sentimento de isolamento do personagem, que busca, desesperadamente, a beleza, a juventude e, em certo ponto, o pertencimento.
Antes de sua estreia, o filme foi amplamente discutido devido às suas supostas cenas de nudez e sexo. No entanto, essa ênfase parece mais uma estratégia de marketing ou, no pior dos casos, um equívoco. O que realmente se vê na tela é que esses elementos permanecem em segundo plano, aparecendo apenas em alguns poucos momentos, com um impacto bem mais contido do que se imaginava. (...)
Em um gesto quase desesperado, Lee convida Eugene para uma viagem pela América do Sul, onde busca uma planta com poderes telepáticos, a Ayahuasca. Ele vê nisso uma tentativa de se conectar mais profundamente com a mente de seu amado. No filme, essa jornada, acompanhada pelos delírios dos personagens após o consumo do chá, é um dos momentos mais intensos, desvelando camadas emocionais e psicológicas extremamente complexas”.
O que disse a crítica: Luiz Santiago do site Plano Crítico avaliou com 2 estrelas, ou seja, ruim. Disse: “A indiscutível excelência técnica das cenas iniciais de ‘Queer’ (2024) impressiona o espectador de tal forma que o deixa absorto, até que, aos poucos, percebe que falta algo ali. Algo essencial para a construção do espaço, da estrutura dramática e das camadas dos personagens. Algo que se faz apenas sugerido na tela, mas que é claro que foi cortado, de maneira irreparável, na quase uma hora de picotamento que o filme sofreu para ser lançado. Falta contexto”.
Bruno Ghetti da Folha SP avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveu: “Guadagnino faz um filme sobre um amor gay malfadado, mas evita a facilidade de despejar toda a culpa desse fracasso nos suspeitos de sempre - a homofobia, o conservadorismo. O amor, em ‘Queer’, tem impedimentos de ordens antes metafísicas do que sociais. Afinal, a obsessão de Lee por Allerton ultrapassa o desejo e mesmo o amor em sua esfera mais romântica. É parte de uma busca cósmica, mística, a partir de um encontro eminentemente físico. Desta vez, Guadagnino é certeiro tanto no que é material quanto no mais puramente espiritual”.
O que eu achei: Em comparação com “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017) do mesmo diretor, achei o anterior mais empolgante, mas este “Queer” não é ruim. Ele também fala de relacionamentos homoafetivos mas, em comparação com aquele, carece de paixão, daquele amor arrebatador que acontece em “Me Chame”. Este é bem mais melancólico pois é uma adaptação do romance semiautobiográfico de William S. Burroughs retratando um homem queer na casa dos 40 ou 50 anos que teve que deixar os EUA por conta de seu vício em heroína e passa os seus dias vagando pela Cidade do México em busca de drogas e de algum amor. Então é meio óbvio que o tom seja outro. O ritmo morno do filme só é quebrado quando o personagem principal Lee sai com um de seus namorados para fazer uma viagem para a América do Sul a fim de consumir Yagé, mais conhecida como Ayahuasca, que ele acha que vai lhe desenvolver a telepatia. De resto, os dias do escritor se arrastam enquanto ele vaga de bar em bar atrás de companhia. O filme foi todo rodado nos estúdios da Cinecittà em Roma, o que dá um ar artificial ao ambiente que se completa com a inserção de paisagens criadas digitalmente também bastante artificiais. Isso, a meu ver, não tira o brilho do filme, apenas dá a ele uma pegada mais teatral pois todo esse trabalho de direção de arte é mega bem feito. Sem grandes reviravoltas ou acontecimentos mais contundentes, quem segura o filme é o ator principal Daniel Craig que nos hipnotiza com seu terno claro de linho amassado, chapéu e óculos. Interessante a escolha da trilha sonora que utiliza Nirvana e Sinéad O’Connor para embalar uma história que se passa nos anos 1950. Atenção ao ator brasileiro Henrique Zaga que interpreta Winston Moor e à música "Vaster than Empires", composta por Atticus Ross e Trent Reznor, interpretada pelo Caetano Veloso. Poderia ser um filme um pouco mais enxuto, mas ainda assim achei que compensa o tempo dispendido.