
Comentário: Claude Chabrol (1930-2010) foi um diretor de cinema, produtor, ator e roteirista francês. Ele atuou em mais de 30 filmes e dirigiu mais de 50 longas, sem contar os filmes feitos para a TV e os curtas. Assisti dele os bons "Mulheres Diabólicas" (1995), “A Teia de Chocolate” (2000), "A Dama de Honra" (2004) e "A Comédia do Poder" (2006).
Desta vez vou conferir “Madame Bovary” (1991), um filme baseado no livro homônimo de 1856 do romancista Gustave Flaubert, uma obra-prima da literatura francesa que, através do estudo psicológico de uma mulher intoxicada pelo romantismo, busca na infidelidade e nas compras um substituto para a felicidade, investindo contra as convenções burguesas do seu tempo e zombando de seu falso moralismo.
Esta não é a primeira nem a última adaptação desta obra. Diversas outras já foram feitas como: “Madame Bovary” (1934) de Jean Renoir; “A Mulher Que Amou Demais” (1937) de Gerhard Lamprecht; “Madame Bovary” (1947) de Carlos Schlieper; “A Sedutora Madame Bovary” (1949) de Vincent Minnelli; “Os Pecados de Madame Bovary” (1969) de Hans Schott-Schöbinger, “Salvai e Protegei” (1989) de Aleksandr Sokurov e “Madame Bovary” (2014) de Sophie Barthes.
Giancarlo Galdino da Revista Bula nos conta que “O romancista francês Gustave Flaubert (1821-1880) discorreu sobre a incontornável fragilidade do espírito humano frente às armadilhas que a sorte lhe prepara (...). No livro, publicado em 1856, Flaubert fala de uma mulher que abandona a si mesma e embarca rumo a outra realidade, em que as circunstâncias mais absurdas são o que pode haver de mais corriqueiro, só por estar apaixonada. Emma passa a ser a senhora Bovary depois de um casamento de conveniência, e então uma pletora (significa um excesso ou uma superabundância) de sentimentos os mais vis parece aflorar do mais escuro de sua alma, deixando um rastro de destruição silenciosa.
Claude Chabrol (1930-2010) foi quem melhor saiu-se ao verter em imagens a prosa árida e infilmável de Flaubert - melhor que Vincent Minnelli em 1949, ou Sophie Barthes, em 2014 -, e seu filme parece mesmo voltar à zona rural da França de meados do século 19, esboçando algumas razões para o bovarismo de Bovary, sem, no entanto, condescender com sua vileza essencial.
Quanto à narrativa, nada de muito extravagante. O roteiro do diretor dá a entender que Emma resignara-se quanto a seu destino de solteirona, mas, com muita parcimônia, assim como escreve Flaubert, vêm à superfície os elementos que desautorizam qualquer conclusão precipitada. Os olhos de Emma começam a brilhar diante da possibilidade de tornar-se a esposa de Charles Bovary, o novo médico do vilarejo, não por nenhuma súbita paixão irresistível, mas pela chance de deixar o sítio da família e ir morar na cidade, administrar sua própria casa, olhar vitrines usando vestidos de seda.
O grande acontecimento de sua vida e aquele que puxa as gradativas reviravoltas do enredo é o baile no palacete de um aristocrata local, onde conhece Rodolphe Boulanger, um tipo galanteador e fanfarrão com quem flerta discretamente. Enquanto nada do que importa toma corpo, Chabrol brinca com a história, ora sugerindo que Emma pode ser feliz numa eventual nova relação, ora insinuando, como de fato se passa, que Boulanger não irá além dos folguedos de alcova, uma prerrogativa masculina inquestionável, principalmente nos casos em que a mulher é tão solícita. O triângulo formado pelos personagens de Jean-François Balmer, Christophe Malavoy e Isabelle Huppert nem tem tanta importância frente a tudo que Flaubert guarda para a última terça parte de seu romance, aproveitado com esmero por Chabrol.
‘Madame Bovary’ é um filme sobre escolhas e as maldições que recaem sobre alguém determinado a bancá-las até o fim. Huppert especializou-se em incorporar figuras femininas vigorosas, porém levianas, que enfrentam a vida com as armas que têm. Esse lado de sua filmografia resta evidente em trabalhos a exemplo de ‘Um Assunto de Mulheres’ (1988), do próprio Chabrol; ‘A Professora de Piano’ (2001), dirigido por Michael Haneke; ‘Sidonie no Japão’ (2023), levado à tela por Élise Girard; ou até mesmo ‘Amor’ (2012), de Haneke, num papel secundário, mas matador.
Pouco depois de publicar ‘Madame Bovary’, Flaubert, em carta à senhorita Leroyer de Chantepie, uma sua amiga, discorre acerca do quão limitada é humanidade, do quão finitos são os sentidos do homem. No ‘romance dos romances’, um de seus melhores trabalhos, empreitada que lhe consumira seis anos de aplicação árdua, noites mal dormidas, as mil inquietações de um gênio a perseguir seu intento - a frase perfeita, o tipo irretocável de um personagem - e custara-lhe alucinações nervosas 23 anos antes de sua morte, aos 58 anos, vítima de um derrame cerebral, Flaubert elabora também, a seu modo, um balanço de sua vida até então, exaltando atitudes para se conseguir pegar pelo chifre o bicho feio chamado vida e fazê-lo menos feio e menos indócil. A arte, e, em especial, a literatura eram para ele um meio de suportar a vida”.
O que disse a crítica: Demetrius Caesar do site Cine Players avaliou com o equivalente a 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “A Bovary de Chabrol não é um desses exagerados e ocos filmes de época americanos, nem tem a pompa dos entediantes filmes ingleses passados na era Vitoriana, é um filme que conta uma história com toda a sinceridade. Na minha opinião, Isabelle Huppert se sai bem, muito bem, aliás, nesse papel difícil, ainda mais que o filme não tem grandes outros atrativos (...), que não a atuação de sua atriz principal”.
Sean Axmaker do site Video Librarian também avaliou com 4 estrelas. Escreveu: “Claude Chabrol, um dos cineastas fundadores da Nouvelle Vague francesa, era conhecido por seus dramas psicológicos e thrillers, muitos deles adaptações de romances populares ou pulp. ‘Madame Bovary’ (1991) foi uma rara adaptação literária e obra de época para o cineasta. Provou ser uma combinação perfeita de material e diretor, que revela a natureza complexa e as motivações de uma das heroínas mais fascinantes da literatura”.
O que eu achei: A história original gira em torno de Emma (Isabelle Huppert), uma moça solteira que mora com seu pai cuja vida lhe parece tediosa até que ela conhece o médico de seu pai e vê no casamento uma forma de escapar desse ambiente e dessa vida sem graça. O filme já começa não transmitindo essa insatisfação. Sua vida junto ao pai, ao contrário, parece bem agradável e até invejável: o pão parece delicioso, a casa parece aconchegante e os camponeses em seus aventais com os patinhos no quintal fornecem um cenário dos mais agradáveis. Então não compartilhamos desse suposto sentimento de tédio de Emma. O casamento por conveniência, o adultério e os gastos excessivos mostrados na sequência, tudo tem o mesmo tom. Nem a talentosa Isabelle Huppert salva o filme. Há diversos momentos nos quais sua atuação parece exagerada ou, como disse um crítico americano, “desastrosamente equivocada”. Além do filme não dar conta de transmitir o clima do livro, a duração de 2h23m fica parecendo ainda mais longa por conta da recitação monótona e repetitiva do texto original, sem que a versão filmada crie nada de novo. Emma Bovary acaba, portanto, como uma personagem trágica sem nunca ser autêntica, resultando num dramalhão tedioso e arrastado. Fique com o livro que ele é infinitamente melhor. Mediano no máximo.
Desta vez vou conferir “Madame Bovary” (1991), um filme baseado no livro homônimo de 1856 do romancista Gustave Flaubert, uma obra-prima da literatura francesa que, através do estudo psicológico de uma mulher intoxicada pelo romantismo, busca na infidelidade e nas compras um substituto para a felicidade, investindo contra as convenções burguesas do seu tempo e zombando de seu falso moralismo.
Esta não é a primeira nem a última adaptação desta obra. Diversas outras já foram feitas como: “Madame Bovary” (1934) de Jean Renoir; “A Mulher Que Amou Demais” (1937) de Gerhard Lamprecht; “Madame Bovary” (1947) de Carlos Schlieper; “A Sedutora Madame Bovary” (1949) de Vincent Minnelli; “Os Pecados de Madame Bovary” (1969) de Hans Schott-Schöbinger, “Salvai e Protegei” (1989) de Aleksandr Sokurov e “Madame Bovary” (2014) de Sophie Barthes.
Giancarlo Galdino da Revista Bula nos conta que “O romancista francês Gustave Flaubert (1821-1880) discorreu sobre a incontornável fragilidade do espírito humano frente às armadilhas que a sorte lhe prepara (...). No livro, publicado em 1856, Flaubert fala de uma mulher que abandona a si mesma e embarca rumo a outra realidade, em que as circunstâncias mais absurdas são o que pode haver de mais corriqueiro, só por estar apaixonada. Emma passa a ser a senhora Bovary depois de um casamento de conveniência, e então uma pletora (significa um excesso ou uma superabundância) de sentimentos os mais vis parece aflorar do mais escuro de sua alma, deixando um rastro de destruição silenciosa.
Claude Chabrol (1930-2010) foi quem melhor saiu-se ao verter em imagens a prosa árida e infilmável de Flaubert - melhor que Vincent Minnelli em 1949, ou Sophie Barthes, em 2014 -, e seu filme parece mesmo voltar à zona rural da França de meados do século 19, esboçando algumas razões para o bovarismo de Bovary, sem, no entanto, condescender com sua vileza essencial.
Quanto à narrativa, nada de muito extravagante. O roteiro do diretor dá a entender que Emma resignara-se quanto a seu destino de solteirona, mas, com muita parcimônia, assim como escreve Flaubert, vêm à superfície os elementos que desautorizam qualquer conclusão precipitada. Os olhos de Emma começam a brilhar diante da possibilidade de tornar-se a esposa de Charles Bovary, o novo médico do vilarejo, não por nenhuma súbita paixão irresistível, mas pela chance de deixar o sítio da família e ir morar na cidade, administrar sua própria casa, olhar vitrines usando vestidos de seda.
O grande acontecimento de sua vida e aquele que puxa as gradativas reviravoltas do enredo é o baile no palacete de um aristocrata local, onde conhece Rodolphe Boulanger, um tipo galanteador e fanfarrão com quem flerta discretamente. Enquanto nada do que importa toma corpo, Chabrol brinca com a história, ora sugerindo que Emma pode ser feliz numa eventual nova relação, ora insinuando, como de fato se passa, que Boulanger não irá além dos folguedos de alcova, uma prerrogativa masculina inquestionável, principalmente nos casos em que a mulher é tão solícita. O triângulo formado pelos personagens de Jean-François Balmer, Christophe Malavoy e Isabelle Huppert nem tem tanta importância frente a tudo que Flaubert guarda para a última terça parte de seu romance, aproveitado com esmero por Chabrol.
‘Madame Bovary’ é um filme sobre escolhas e as maldições que recaem sobre alguém determinado a bancá-las até o fim. Huppert especializou-se em incorporar figuras femininas vigorosas, porém levianas, que enfrentam a vida com as armas que têm. Esse lado de sua filmografia resta evidente em trabalhos a exemplo de ‘Um Assunto de Mulheres’ (1988), do próprio Chabrol; ‘A Professora de Piano’ (2001), dirigido por Michael Haneke; ‘Sidonie no Japão’ (2023), levado à tela por Élise Girard; ou até mesmo ‘Amor’ (2012), de Haneke, num papel secundário, mas matador.
Pouco depois de publicar ‘Madame Bovary’, Flaubert, em carta à senhorita Leroyer de Chantepie, uma sua amiga, discorre acerca do quão limitada é humanidade, do quão finitos são os sentidos do homem. No ‘romance dos romances’, um de seus melhores trabalhos, empreitada que lhe consumira seis anos de aplicação árdua, noites mal dormidas, as mil inquietações de um gênio a perseguir seu intento - a frase perfeita, o tipo irretocável de um personagem - e custara-lhe alucinações nervosas 23 anos antes de sua morte, aos 58 anos, vítima de um derrame cerebral, Flaubert elabora também, a seu modo, um balanço de sua vida até então, exaltando atitudes para se conseguir pegar pelo chifre o bicho feio chamado vida e fazê-lo menos feio e menos indócil. A arte, e, em especial, a literatura eram para ele um meio de suportar a vida”.
O que disse a crítica: Demetrius Caesar do site Cine Players avaliou com o equivalente a 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “A Bovary de Chabrol não é um desses exagerados e ocos filmes de época americanos, nem tem a pompa dos entediantes filmes ingleses passados na era Vitoriana, é um filme que conta uma história com toda a sinceridade. Na minha opinião, Isabelle Huppert se sai bem, muito bem, aliás, nesse papel difícil, ainda mais que o filme não tem grandes outros atrativos (...), que não a atuação de sua atriz principal”.
Sean Axmaker do site Video Librarian também avaliou com 4 estrelas. Escreveu: “Claude Chabrol, um dos cineastas fundadores da Nouvelle Vague francesa, era conhecido por seus dramas psicológicos e thrillers, muitos deles adaptações de romances populares ou pulp. ‘Madame Bovary’ (1991) foi uma rara adaptação literária e obra de época para o cineasta. Provou ser uma combinação perfeita de material e diretor, que revela a natureza complexa e as motivações de uma das heroínas mais fascinantes da literatura”.
O que eu achei: A história original gira em torno de Emma (Isabelle Huppert), uma moça solteira que mora com seu pai cuja vida lhe parece tediosa até que ela conhece o médico de seu pai e vê no casamento uma forma de escapar desse ambiente e dessa vida sem graça. O filme já começa não transmitindo essa insatisfação. Sua vida junto ao pai, ao contrário, parece bem agradável e até invejável: o pão parece delicioso, a casa parece aconchegante e os camponeses em seus aventais com os patinhos no quintal fornecem um cenário dos mais agradáveis. Então não compartilhamos desse suposto sentimento de tédio de Emma. O casamento por conveniência, o adultério e os gastos excessivos mostrados na sequência, tudo tem o mesmo tom. Nem a talentosa Isabelle Huppert salva o filme. Há diversos momentos nos quais sua atuação parece exagerada ou, como disse um crítico americano, “desastrosamente equivocada”. Além do filme não dar conta de transmitir o clima do livro, a duração de 2h23m fica parecendo ainda mais longa por conta da recitação monótona e repetitiva do texto original, sem que a versão filmada crie nada de novo. Emma Bovary acaba, portanto, como uma personagem trágica sem nunca ser autêntica, resultando num dramalhão tedioso e arrastado. Fique com o livro que ele é infinitamente melhor. Mediano no máximo.