
Comentário: Mstyslav Chernov (1985) é um cinegrafista, fotógrafo, fotojornalista, cineasta, correspondente de guerra e romancista ucraniano conhecido por sua cobertura da Revolução da Dignidade, Guerra em Donbass, queda do voo MH17, Guerra Civil Síria, Batalha de Mosul no Iraque e a invasão russa da Ucrânia em 2022, incluindo o Cerco de Mariupol. Ele trabalha para a The Associated Press e é presidente da Associação Ucraniana de Fotógrafos Profissionais (UAPF).
Apenas a título de localização, a cidade de Mariupol, onde se passa o documentário, está localizada às margens do Mar de Azov, ocupando uma posição estratégica no eixo entre a Crimeia - anexada pela Rússia em 2014 - e a região ucraniana de Donbass, de tendência separatista. A tomada pelos russos de Mariupol é estratégica pois cortou o acesso da Ucrânia à região portuária pela qual o país exporta itens como milho, aço e carvão para a Ásia e o Oriente Médio.
Sobre o documentário, Elizabeth Grenier do site Deutsche Welle nos diz: “Uma mulher grávida carregada em uma maca após um míssil russo atingir uma maternidade: a imagem aterradora do cerco russo à cidade ucraniana de Mariupol rodou o mundo. A foto existe graças aos correspondentes de guerra ucranianos que trabalhavam para a agência de notícias Associated Press e que permaneceram na cidade enquanto ela era cercada e extensivamente bombardeada por tropas russas. Eles integravam a última equipe de jornalistas internacionais no local cobrindo os primeiros 20 dias do cerco que deixou a cidade em ruínas.
Os jornalistas ucranianos Mstyslav Chernov, Evgeniy Maloletka, Vasilisa Stepanenko e Lori Hinnant venceram o Prêmio Pulitzer de Jornalismo de Serviço Público, além de vários outros – incluindo o Prêmio Deutsche Welle para a Liberdade de Expressão.
Mstyslav Chernov decidiu então transformar o material em vídeo no documentário ‘20 dias em Mariupol’. (...) O documentário vai muito além das notícias e utiliza o material da Associated Press que foi amplamente difundido no mundo todo.
‘Essa foi uma das muitas razões pelas quais o filme precisava ser feito’, disse Chernov. ‘A impressão que se tem das reportagens de um ou dois minutos de duração no noticiário é bem diferente do que se sente e se compreende quando se assiste 95 minutos’. Para ele, porém, a duração ainda ‘não é suficiente para falar sobre todas as tragédias que ocorreram em Mariupol’. "’Mesmo as 30 horas [de vídeo] que eu consegui extrair da cidade não são suficientes’, destaca.
O total de ucranianos mortos no cerco a Mariupol varia bastante, dependendo da fonte. O filme menciona a contagem ucraniana de mais de 25 mil vítimas. Segundo estimativas da ONU, 90% dos edifícios de apartamentos e 60% das casas foram danificadas. De acordo com Chernov, a Rússia demole edifícios destruídos e ergue outros em seu lugar ‘apenas para gerar imagens positivas’, eliminando, assim, os locais onde seria possível determinar a escala de seus crimes de guerra. ‘A cada dia que passa, há menos evidências’, afirma.
‘20 dias em Mariupol’ mostra não apenas como uma moderna cidade europeia foi bombardeada até ser transformada em ruínas, como crianças morreram vítimas de mísseis e como foi necessário criar covas coletivas para enterrar os milhares de corpos, mas também como a Rússia retratou os acontecimentos.
No início do filme, o presidente russo, Vladimir Putin aparece afirmando, em um discurso transmitido em rede nacional durante o anúncio da invasão, que sua ‘operação militar especial’ – expressão utilizada por Moscou ao se referir à guerra na Ucrânia – é absolutamente necessária, porque, sem ela, a Rússia teria sido atacada primeiro. Como diz sarcasticamente um morador de Mariupol no filme, o líder russo estava sendo ‘lindamente enganoso’ em seu discurso.
Esse lembrete de como todo o conflito se baseia nas mentiras de Putin torna as imagens do impacto sangrento da guerra ainda mais difíceis de assistir. Enquanto a equipe médica do hospital onde estavam baseados os jornalistas da AP tentava desesperadamente reavivar uma criança de colo ferida pela artilharia russa, ou fazer uma cirurgia em um adolescente cujas pernas foram destroçadas enquanto ele jogava futebol, o cirurgião-chefe encorajava Chernov a filmar todos os detalhes. ‘Mostre àquele bastardo do Putin os olhos desta criança’, gritava. ‘Mostre o que esses desgraçados estão fazendo com os civis!’. Como diz Chernov na narração do filme: ‘é doloroso de assistir, mas tem de ser doloroso de assistir’.
Os repórteres ucranianos arriscaram suas vidas para conseguir enviar seus relatos à imprensa ocidental, enquanto tentavam encontrar lugares onde a conexão à internet ainda estivesse disponível. A Rússia, no entanto, se apressou em rotular as imagens como ‘fake news’.
Tão logo a imagem da gestante ferida foi divulgada, a embaixada russa em Londres afirmou em postagem na rede social X (antigo Twitter) tratar-se de uma atriz. (...)
Ao comentar sobre o tema da cobertura de guerra, o diretor sublinha que seu filme não é sobre jornalistas. ‘É a história do meu povo, de quem foi encurralado, morto ou perdeu sua casa’, afirmou o ucraniano nascido em Kharkiv, outra cidade duramente atingida pelos russos.
‘20 dias em Mariupol’ também é a crônica de um fenômeno da era moderna que prejudica o trabalho de jornalistas mundo afora, enquanto as notícias falsas contaminam a cobertura de todos os temas controversos – como é o caso atual da guerra entre Israel o grupo extremista Hamas. (...)
Chernov acrescenta que parte da sociedade europeia se engana ao acreditar que se o envio de armas à Ucrânia fosse suspenso, a guerra terminaria e as negociações de paz finalmente aconteceriam. ‘Não acho que uma mudança no apoio internacional à Ucrânia possa parar a luta. Os ucranianos estão lutando por sua sobrevivência. Isso significaria apenas que mais ucranianos iriam morrer’”.
O longa recebeu diversos prêmios, dentre eles Melhor Documentário em Sundance, o Bafta de Cinema e o Oscar de Melhor Documentário.
O que disse a crítica: Caio Coletti do site Omelete avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Importante e chocante são adjetivos que ‘20 Dias em Mariupol’ teria atrelados a si independente da maneira que se estruturasse como filme. O valor histórico e o apelo humanístico dessas imagens são inegáveis, mas o filme deixa uma marca mais duradoura no espectador quando não limita esse registro ao distanciamento e recorte inclementes da forma jornalística. Há uma liberdade emocional, e portanto um poder expressivo, no cinema que inexiste na reportagem - ter percebido e se aproveitado disso foi a melhor coisa que Chernov e seus colaboradores poderiam ter feito”.
Roger Lerina do site Matinal Jornalismo avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveu: “O longa registra em imagens dramáticas o cerco à cidade da Ucrânia no início da invasão do país pelas tropas russas, incluindo bombardeios a zonas residenciais, hospitais e maternidades. Primeiro encurralada e depois sem ter como sair do local, a equipe jornalística do ucraniano Mstyslav Chernov testemunha a luta de médicos e enfermeiros para tratar de civis feridos em meio ao caos dos combates e à falta de remédios e equipamentos. (...) As chocantes, mas necessárias imagens de ‘20 Dias em Mariupol’ (...) nos lembram mais uma vez que não há causa que justifique os desastres da guerra, cujas maiores vítimas geralmente são mulheres, crianças e idosos”.
O que eu achei: O documentário reúne um material importantíssimo que mostra a invasão da Rússia à cidade de Mariupol, na Ucrânia. É daqueles materiais raros pois quando foi feito não havia mais como estar em Mariupol. Na verdade, quem estava lá, precisava sair para não morrer. Então esse material colhido pelos jornalistas ucranianos Mstyslav Chernov, Evgeniy Maloletka, Vasilisa Stepanenko e Lori Hinnant é único. Ou você vê ou fica sem saber como foi a invasão. O que não dá pra dizer é que seja um material fácil de assistir. As imagens estão ali na sua dureza e crueldade: crianças morrendo, pessoas mutiladas, hospitais e maternidades sendo bombardeados, cadáveres sendo enterrados em valas, pessoas perdendo suas casas, seus parentes, seus filhos, suas pernas... Você termina de ver, mas as imagens com os horrores da guerra permanecem. Uma reportagem corajosa, urgente, sem trégua e muito comovente, daquelas que causam um mal estar necessário. Tire as crianças da sala e veja preparado.
Apenas a título de localização, a cidade de Mariupol, onde se passa o documentário, está localizada às margens do Mar de Azov, ocupando uma posição estratégica no eixo entre a Crimeia - anexada pela Rússia em 2014 - e a região ucraniana de Donbass, de tendência separatista. A tomada pelos russos de Mariupol é estratégica pois cortou o acesso da Ucrânia à região portuária pela qual o país exporta itens como milho, aço e carvão para a Ásia e o Oriente Médio.
Sobre o documentário, Elizabeth Grenier do site Deutsche Welle nos diz: “Uma mulher grávida carregada em uma maca após um míssil russo atingir uma maternidade: a imagem aterradora do cerco russo à cidade ucraniana de Mariupol rodou o mundo. A foto existe graças aos correspondentes de guerra ucranianos que trabalhavam para a agência de notícias Associated Press e que permaneceram na cidade enquanto ela era cercada e extensivamente bombardeada por tropas russas. Eles integravam a última equipe de jornalistas internacionais no local cobrindo os primeiros 20 dias do cerco que deixou a cidade em ruínas.
Os jornalistas ucranianos Mstyslav Chernov, Evgeniy Maloletka, Vasilisa Stepanenko e Lori Hinnant venceram o Prêmio Pulitzer de Jornalismo de Serviço Público, além de vários outros – incluindo o Prêmio Deutsche Welle para a Liberdade de Expressão.
Mstyslav Chernov decidiu então transformar o material em vídeo no documentário ‘20 dias em Mariupol’. (...) O documentário vai muito além das notícias e utiliza o material da Associated Press que foi amplamente difundido no mundo todo.
‘Essa foi uma das muitas razões pelas quais o filme precisava ser feito’, disse Chernov. ‘A impressão que se tem das reportagens de um ou dois minutos de duração no noticiário é bem diferente do que se sente e se compreende quando se assiste 95 minutos’. Para ele, porém, a duração ainda ‘não é suficiente para falar sobre todas as tragédias que ocorreram em Mariupol’. "’Mesmo as 30 horas [de vídeo] que eu consegui extrair da cidade não são suficientes’, destaca.
O total de ucranianos mortos no cerco a Mariupol varia bastante, dependendo da fonte. O filme menciona a contagem ucraniana de mais de 25 mil vítimas. Segundo estimativas da ONU, 90% dos edifícios de apartamentos e 60% das casas foram danificadas. De acordo com Chernov, a Rússia demole edifícios destruídos e ergue outros em seu lugar ‘apenas para gerar imagens positivas’, eliminando, assim, os locais onde seria possível determinar a escala de seus crimes de guerra. ‘A cada dia que passa, há menos evidências’, afirma.
‘20 dias em Mariupol’ mostra não apenas como uma moderna cidade europeia foi bombardeada até ser transformada em ruínas, como crianças morreram vítimas de mísseis e como foi necessário criar covas coletivas para enterrar os milhares de corpos, mas também como a Rússia retratou os acontecimentos.
No início do filme, o presidente russo, Vladimir Putin aparece afirmando, em um discurso transmitido em rede nacional durante o anúncio da invasão, que sua ‘operação militar especial’ – expressão utilizada por Moscou ao se referir à guerra na Ucrânia – é absolutamente necessária, porque, sem ela, a Rússia teria sido atacada primeiro. Como diz sarcasticamente um morador de Mariupol no filme, o líder russo estava sendo ‘lindamente enganoso’ em seu discurso.
Esse lembrete de como todo o conflito se baseia nas mentiras de Putin torna as imagens do impacto sangrento da guerra ainda mais difíceis de assistir. Enquanto a equipe médica do hospital onde estavam baseados os jornalistas da AP tentava desesperadamente reavivar uma criança de colo ferida pela artilharia russa, ou fazer uma cirurgia em um adolescente cujas pernas foram destroçadas enquanto ele jogava futebol, o cirurgião-chefe encorajava Chernov a filmar todos os detalhes. ‘Mostre àquele bastardo do Putin os olhos desta criança’, gritava. ‘Mostre o que esses desgraçados estão fazendo com os civis!’. Como diz Chernov na narração do filme: ‘é doloroso de assistir, mas tem de ser doloroso de assistir’.
Os repórteres ucranianos arriscaram suas vidas para conseguir enviar seus relatos à imprensa ocidental, enquanto tentavam encontrar lugares onde a conexão à internet ainda estivesse disponível. A Rússia, no entanto, se apressou em rotular as imagens como ‘fake news’.
Tão logo a imagem da gestante ferida foi divulgada, a embaixada russa em Londres afirmou em postagem na rede social X (antigo Twitter) tratar-se de uma atriz. (...)
Ao comentar sobre o tema da cobertura de guerra, o diretor sublinha que seu filme não é sobre jornalistas. ‘É a história do meu povo, de quem foi encurralado, morto ou perdeu sua casa’, afirmou o ucraniano nascido em Kharkiv, outra cidade duramente atingida pelos russos.
‘20 dias em Mariupol’ também é a crônica de um fenômeno da era moderna que prejudica o trabalho de jornalistas mundo afora, enquanto as notícias falsas contaminam a cobertura de todos os temas controversos – como é o caso atual da guerra entre Israel o grupo extremista Hamas. (...)
Chernov acrescenta que parte da sociedade europeia se engana ao acreditar que se o envio de armas à Ucrânia fosse suspenso, a guerra terminaria e as negociações de paz finalmente aconteceriam. ‘Não acho que uma mudança no apoio internacional à Ucrânia possa parar a luta. Os ucranianos estão lutando por sua sobrevivência. Isso significaria apenas que mais ucranianos iriam morrer’”.
O longa recebeu diversos prêmios, dentre eles Melhor Documentário em Sundance, o Bafta de Cinema e o Oscar de Melhor Documentário.
O que disse a crítica: Caio Coletti do site Omelete avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Importante e chocante são adjetivos que ‘20 Dias em Mariupol’ teria atrelados a si independente da maneira que se estruturasse como filme. O valor histórico e o apelo humanístico dessas imagens são inegáveis, mas o filme deixa uma marca mais duradoura no espectador quando não limita esse registro ao distanciamento e recorte inclementes da forma jornalística. Há uma liberdade emocional, e portanto um poder expressivo, no cinema que inexiste na reportagem - ter percebido e se aproveitado disso foi a melhor coisa que Chernov e seus colaboradores poderiam ter feito”.
Roger Lerina do site Matinal Jornalismo avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveu: “O longa registra em imagens dramáticas o cerco à cidade da Ucrânia no início da invasão do país pelas tropas russas, incluindo bombardeios a zonas residenciais, hospitais e maternidades. Primeiro encurralada e depois sem ter como sair do local, a equipe jornalística do ucraniano Mstyslav Chernov testemunha a luta de médicos e enfermeiros para tratar de civis feridos em meio ao caos dos combates e à falta de remédios e equipamentos. (...) As chocantes, mas necessárias imagens de ‘20 Dias em Mariupol’ (...) nos lembram mais uma vez que não há causa que justifique os desastres da guerra, cujas maiores vítimas geralmente são mulheres, crianças e idosos”.
O que eu achei: O documentário reúne um material importantíssimo que mostra a invasão da Rússia à cidade de Mariupol, na Ucrânia. É daqueles materiais raros pois quando foi feito não havia mais como estar em Mariupol. Na verdade, quem estava lá, precisava sair para não morrer. Então esse material colhido pelos jornalistas ucranianos Mstyslav Chernov, Evgeniy Maloletka, Vasilisa Stepanenko e Lori Hinnant é único. Ou você vê ou fica sem saber como foi a invasão. O que não dá pra dizer é que seja um material fácil de assistir. As imagens estão ali na sua dureza e crueldade: crianças morrendo, pessoas mutiladas, hospitais e maternidades sendo bombardeados, cadáveres sendo enterrados em valas, pessoas perdendo suas casas, seus parentes, seus filhos, suas pernas... Você termina de ver, mas as imagens com os horrores da guerra permanecem. Uma reportagem corajosa, urgente, sem trégua e muito comovente, daquelas que causam um mal estar necessário. Tire as crianças da sala e veja preparado.