
Comentário: James Mangold (1963) é um cineasta norte-americano. São dele filmes como “Garota, Interrompida” (1999), “Wolverine: Imortal“ (2013), “Logan“ (2017), “Ford vs. Ferrari“ (2019) e “Indiana Jones e A Relíquia do Destino” (2023). Assisti dele apenas “Johnny & June” (2005), sobre os músicos Johnny Cash e June Carter. “Um Completo Desconhecido” (2024) é o segundo filme que vejo dele.
Igor Miranda da Revista Rolling Stone nos conta que “Diferentemente de obras similares como ‘Bohemian Rhapsody’ (Queen) e ‘Rocketman’ (Elton John), não se trata de um projeto oficial do artista e de sua equipe. Com direção de James Mangold e atuação principal de Timothée Chalamet, o longa narra apenas um período específico da história do músico. Seus responsáveis evitam até mesmo o termo ‘cinebiografia’, embora, de fato, se enquadre no gênero.
Fato é que, extraoficialidade à parte, houve, sim, envolvimento por parte de Dylan. Ele não tinha controle criativo, mas ajudou com o desenvolvimento. A revelação foi feita por Peter Jaysen, um dos produtores, em entrevista ao The Town (via NME). Segundo o profissional, o gigante da música folk leu o roteiro junto a Mangold e chegou a atuar como ele próprio.
Jaysen afirma: ‘Ele [Bob Dylan] se encontrou com James Mangold várias vezes. Em dado momento, eles se sentaram juntos e leram o roteiro todo em voz alta, com James Mangold lendo cada parte e indicando a direção de palco, enquanto Bob Dylan lia as falas do diálogo de seu próprio personagem. Durante esse processo, Dylan escreveu observações sobre o roteiro. No final da última sessão com James Mangold, ele assinou o roteiro e disse: ‘vá com Deus’’. (...)
‘Um Completo Desconhecido’ retrata a jornada de Bob Dylan (Timothée Chalamet) para conhecer o também cantor Woody Guthrie (Scoot McNairy) no início da década de 1960. Além de dar vida ao lendário músico, Chalamet também cantará as músicas que aparecerão no filme. Outro nome de peso confirmado para o projeto é o de Edward Norton. Substituindo Benedict Cumberbatch, ele dará vida a Pete Seeger, nome importante da cena folk que também foi uma influência para Dylan em seus primeiros anos de carreira. O elenco também traz Boyd Holbrook (como Johnny Cash), Monica Barbaro (Joan Baez), Elle Fanning (Sylvie Russo) e Nick Offerman (Alan Lomax)”.
O roteiro foi inspirado no livro “Dylan Goes Electric!”, de Elijah Wald. Mas o que é verdade e o que é mentira no longa? Guilherme Thomaz do site Ingresso.com fez uma lista esclarecendo alguns pontos. São eles:
- Dylan contou com a ajuda de Woody Guthrie e Pete Seeger no início da carreira?
No começo do filme, Dylan toma uma atitude inusitada: vai até o hospital onde seu ídolo, Woody Guthrie (Scoot McNairy), está internado e canta para ele. A performance impressiona tanto Guthrie quanto Pete Seeger (Edward Norton) que, também presente no local, passa a apadrinhar Dylan. Embora ambos realmente visitassem Guthrie, portador de uma doença cerebral, a maneira como Dylan obteve sua primeira oportunidade foi diferente. O cantor se destacou após uma apresentação em um clube de Nova York, quando recebeu uma crítica positiva de Robert Shelton, do jornal The New York Times. O texto atraiu a atenção da Columbia Records e o ajudou a assinar seu primeiro contrato com uma gravadora.
- Pete Seeger foi mentor de Dylan?
Em “Um Completo Desconhecido”, Pete Seeger é retratado como o principal apoiador de Dylan no início de sua carreira, papel que ele nunca desempenhou formalmente. Seeger de fato foi uma grande influência, oferecendo oportunidades para Dylan se apresentar – foi em uma festa organizada por ele que o artista estreou em um palco diante de uma multidão. Contudo, a relação entre eles não era tão próxima quanto o filme sugere: ao contrário da convivência diária exibida, a relação entre os dois foi mais pontual e menos íntima, sendo adaptada por Mangold para centralizar o enredo em ambos.
- Sylvie Russo existiu?
O principal caso amoroso de Dylan no filme é com Sylvie Russo, interpretada por Elle Fanning. Embora a personagem jamais tenha existido, Sylvie carrega algumas características de Suze Rotolo, ex-namorada do cantor. Muitos aspectos de Sylvie são inspirados em Suze, como ser a responsável por introduzir o cantor às causas políticas. Quando se conhecem, Suze já trabalha para o Congresso de Igualdade Racial (CORE), envolvida em ações e comícios, sendo a responsável por apresentar tal universo a Dylan.
- Como Bob Dylan e Joan Baez se conheceram?
Outro relacionamento amoroso de Dylan que ganha destaque na cinebiografia é o com a também cantora, Joan Baez, vivida por Monica Barbaro. Em “Um Completo Desconhecido”, o primeiro encontro da dupla acontece antes de um show, quando Dylan tece um elogio à futura namorada. O momento romanceado tem algumas semelhanças com o que de fato aconteceu. Dylan e Baez se conheceram em 1961 no Gerde’s Folk City, recanto de música em Nova York. Ela havia viajado de Boston até Nova York para participar de um protesto e, já estando lá, decidiu conferir a performance de um jovem cantor de quem já havia ouvido falar, ficando impressionada com sua presença de palco.
- O guitarrista Al Kooper tocando teclado em "Like a Rolling Stone"
Um momento marcante do filme ocorre durante a gravação da clássica “Like a Rolling Stone” (1965), quando o lendário Al Kooper, papel desempenhado por Charlie Tahan, entra no estúdio se apresentando como guitarrista, mas logo é informado de que a banda já tem um. Kooper então vai para o piano e cria um dos trechos mais marcantes da música, quase que instantaneamente. Ele de fato colaborou com essa parte, mas ao contrário da forma apressada exposta no filme, a banda precisou gravar diversas vezes, até que a música encontrasse a forma como a conhecemos.
- Rejeição do público no Newport Folk Festival, em 1965
A cena final de “Um Completo Desconhecido” mostra Dylan em sua histórica performance no Newport Folk Festival, em 1965. Determinado a tocar suas novas canções, marcadas pelo uso de instrumentos elétricos e ritmo mais acelerado, semelhante ao rock’n roll, o astro e sua banda contrariaram a decisão da organização do evento de tocar apenas as músicas mais famosas. Como resultado por fugir do habitual gênero folk, caracterizado pela voz acompanhada de um violão, o grupo foi recebido por uma mistura de reações fervorosas, alternando entre aplausos e vaias dos espectadores, o que deixou os produtores enfurecidos. A situação de fato ocorreu. O filme, inclusive, retrata fielmente o momento em que o cantor retorna ao palco para cantar a famosa “It’s All Over Now, Baby Blue” (1966), para acalmar os ânimos dos presentes e satisfazer os fãs.
- Um fã realmente chamou Dylan de “Judas”?
No decorrer da apresentação no Newport Folk Festival, um fã exclama: “Judas!”, irritado com a atitude de Dylan no palco. Rapidamente, o cantor responde: “Eu não acredito em você. Você é um mentiroso”. O diálogo ocorreu, mas não durante o famoso festival: o show em questão foi realizado no Reino Unido, um ano depois. Mangold retratou a passagem no filme para simbolizar a revolta do público contra a transformação de Dylan em um “roqueiro”.
- A amizade entre Bob Dylan e Johnny Cash
Um dos maiores incentivadores do cantor em “Um Completo Desconhecido” é Johnny Cash, interpretado por Boyd Holbrook. O longa retrata a relação entre os artistas através de uma série de trocas de cartas, hábito que eles realmente adquiriram. Algumas dessas cartas, inclusive, estão preservadas até hoje.
- Cash ajudou Dylan a se apresentar no Newport Folk Festival?
No filme, Dylan, prestes a subir ao palco do evento, está dividido entre seguir sua vontade ou ceder à pressão dos produtores para tocar suas músicas tradicionais. Em uma cena, Johnny Cash, embriagado, bate seu carro no estacionamento do hotel e, em seguida, encoraja Dylan a seguir seu caminho. No entanto, esse episódio jamais aconteceu: Cash se apresentou no festival no dia anterior e já havia deixado a cidade.
- Dylan participou de um programa de tv com Pete Seeger?
Em uma sequência, Dylan chega atrasado a um programa de televisão apresentado por Seeger, mas o fato jamais ocorreu. Jesse Moffete, personagem interpretado por Big Bill Morganfield, é quem acaba substituindo Dylan na gravação. Assim como o restante da cena retratada, Moffete também é um personagem que nunca existiu.
O que disse a crítica: Pedro Tao do site O Cinema É avaliou com 2 estrelas, ou seja, fraco. Disse: “Eu, particularmente, conheço pouco sobre Bob Dylan. Uma biopic parece o lugar certo para se conhecer alguém, supostamente. Mas com ‘Um Completo Desconhecido’ isso fica só no campo da suposição mesmo. O filme faz um trabalho ruim de criação da figura mitológica que conhecemos hoje. E é engraçado porque a obra não foca nisso, mas invariavelmente resvala nessa questão. Como se fosse um aspecto inevitável, porém tratado com vista grossa. Há uma interessante descrição do impacto da fama e a recusa desta, mas que nunca aterrissa tão bem porque a ascensão meteórica é diluída e o filme parece nunca interessado em cuidar das contradições de Dylan”.
Victor Russo do site Filmes e Filmes avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “Ao abdicar quase completamente do contar história e passar a comunicar pelas músicas, Mangold nos leva a um lugar sublime e crítico ao mesmo tempo. (...) O interesse é compreender como cinema e música juntos nos trazem para um lugar prazeroso do sentir, do se deixar envolver. Mais uma vez a escolha de planos guia tudo, dos shows mais íntimos, filmados de perto com Dylan e Joan quase tocando os rostos enquanto cantam, aos mais amplos, como a do clímax do filme, em que a música de Dylan gera efeitos imediatos, e, por isso, o público é convidado a ser retratado pela decupagem pela primeira vez, assim como Cash, Joan, o produtor musical e todo o comitê do festival. Dylan defende sua música, assim como Timothée defende sua versão do personagem”.
O que eu achei: Trata-se de um filme muito interessante para se conhecer um pouco mais da trajetória de Bob Dylan. Retrata o início de carreira dele de 1961 a 1965, mostrando de maneira linear e sem grandes malabarismos cinematográficos seu começo na música folk americana e a transformação que se deu nesses 5 anos de vida artística, passando do folk para uma espécie de folk rock até o rock and roll, em especial a partir do icônico Festival de Newport em 1965. Claro que há as licenças poéticas mostrando de forma superestimada a ajuda de Pete Seeger (Edward Norton sensacional no papel) que o apoiou, de fato, oferecendo oportunidades para Dylan se apresentar, mas cuja relação entre eles dizem que não era tão próxima quanto o filme sugere. Ou mesmo a namorada apresentada como Sylvie Russo um pouco diferente da verdadeira Suze Rotolo que Bob Dylan pediu que preservassem a identidade. Mas, de resto, dizem que foi tudo muito parecido como o filme conta, incluindo o envolvimento com a cantora Joan Baez (vivida lindamente por Monica Barbaro), a grande amizade com Johnny Cash com quem ele, de fato, trocava cartas e a famosa rejeição do público que ele sofreu no Festival de Newport, onde ele resolve apresentar suas novas canções com uma pegada mais rock’n roll que desagradou não só a plateia, como a organização do evento e os produtores que esperavam dele o mais puro folk americano. Então não se pode negar que é uma boa cinebiografia no sentido de retratar o que de fato ocorreu. Outra qualidade que o filme tem é que o elenco toca e canta sem dublagem e sem IA melhorando seus desempenhos, então é louvável saber que Timothée Chalamet se esforçou em estudar violão e gaita por 5 anos para fazer o personagem. O único defeito do filme, a meu ver, é que ele não mostra muito claramente o conteúdo político das canções de Bob Dylan, pois de resto até o título escolhido para o filme foi muito perspicaz – “A Complete Unknown” (Um Completo Desconhecido) – que faz referência a uma das músicas de seu repertório mas, ao mesmo tempo, descreve com perfeição a personalidade impenetrável do músico: um cara tímido, um gênio de personalidade complexa e multifacetada, introspectivo, polêmico e com variações de humor e atitudes que está sempre fazendo o oposto do que se espera dele, surpreendendo e eventualmente frustrando namoradas, fãs, amigos e profissionais com quem ele trabalha. Se a crítica reclamou que o diretor abriu mão de mergulhar nas profundezas do ser humano para se ater mais ao lado profissional dele, cabe lembrar daquela famosa frase: "de perto ninguém é normal". Eu confesso que prefiro não saber muito da intimidade de meus ídolos pois a chance de sair frustrada é grande. Concluindo, o filme não é excepcionalmente bom como o maravilhoso “Não Estou Lá” (2007) de Todd Haynes, mas ainda assim é uma boa cinebiografia que merece ser vista e ouvida. Eu, como fã, agradeço.
Fato é que, extraoficialidade à parte, houve, sim, envolvimento por parte de Dylan. Ele não tinha controle criativo, mas ajudou com o desenvolvimento. A revelação foi feita por Peter Jaysen, um dos produtores, em entrevista ao The Town (via NME). Segundo o profissional, o gigante da música folk leu o roteiro junto a Mangold e chegou a atuar como ele próprio.
Jaysen afirma: ‘Ele [Bob Dylan] se encontrou com James Mangold várias vezes. Em dado momento, eles se sentaram juntos e leram o roteiro todo em voz alta, com James Mangold lendo cada parte e indicando a direção de palco, enquanto Bob Dylan lia as falas do diálogo de seu próprio personagem. Durante esse processo, Dylan escreveu observações sobre o roteiro. No final da última sessão com James Mangold, ele assinou o roteiro e disse: ‘vá com Deus’’. (...)
‘Um Completo Desconhecido’ retrata a jornada de Bob Dylan (Timothée Chalamet) para conhecer o também cantor Woody Guthrie (Scoot McNairy) no início da década de 1960. Além de dar vida ao lendário músico, Chalamet também cantará as músicas que aparecerão no filme. Outro nome de peso confirmado para o projeto é o de Edward Norton. Substituindo Benedict Cumberbatch, ele dará vida a Pete Seeger, nome importante da cena folk que também foi uma influência para Dylan em seus primeiros anos de carreira. O elenco também traz Boyd Holbrook (como Johnny Cash), Monica Barbaro (Joan Baez), Elle Fanning (Sylvie Russo) e Nick Offerman (Alan Lomax)”.
O roteiro foi inspirado no livro “Dylan Goes Electric!”, de Elijah Wald. Mas o que é verdade e o que é mentira no longa? Guilherme Thomaz do site Ingresso.com fez uma lista esclarecendo alguns pontos. São eles:
- Dylan contou com a ajuda de Woody Guthrie e Pete Seeger no início da carreira?
No começo do filme, Dylan toma uma atitude inusitada: vai até o hospital onde seu ídolo, Woody Guthrie (Scoot McNairy), está internado e canta para ele. A performance impressiona tanto Guthrie quanto Pete Seeger (Edward Norton) que, também presente no local, passa a apadrinhar Dylan. Embora ambos realmente visitassem Guthrie, portador de uma doença cerebral, a maneira como Dylan obteve sua primeira oportunidade foi diferente. O cantor se destacou após uma apresentação em um clube de Nova York, quando recebeu uma crítica positiva de Robert Shelton, do jornal The New York Times. O texto atraiu a atenção da Columbia Records e o ajudou a assinar seu primeiro contrato com uma gravadora.
- Pete Seeger foi mentor de Dylan?
Em “Um Completo Desconhecido”, Pete Seeger é retratado como o principal apoiador de Dylan no início de sua carreira, papel que ele nunca desempenhou formalmente. Seeger de fato foi uma grande influência, oferecendo oportunidades para Dylan se apresentar – foi em uma festa organizada por ele que o artista estreou em um palco diante de uma multidão. Contudo, a relação entre eles não era tão próxima quanto o filme sugere: ao contrário da convivência diária exibida, a relação entre os dois foi mais pontual e menos íntima, sendo adaptada por Mangold para centralizar o enredo em ambos.
- Sylvie Russo existiu?
O principal caso amoroso de Dylan no filme é com Sylvie Russo, interpretada por Elle Fanning. Embora a personagem jamais tenha existido, Sylvie carrega algumas características de Suze Rotolo, ex-namorada do cantor. Muitos aspectos de Sylvie são inspirados em Suze, como ser a responsável por introduzir o cantor às causas políticas. Quando se conhecem, Suze já trabalha para o Congresso de Igualdade Racial (CORE), envolvida em ações e comícios, sendo a responsável por apresentar tal universo a Dylan.
- Como Bob Dylan e Joan Baez se conheceram?
Outro relacionamento amoroso de Dylan que ganha destaque na cinebiografia é o com a também cantora, Joan Baez, vivida por Monica Barbaro. Em “Um Completo Desconhecido”, o primeiro encontro da dupla acontece antes de um show, quando Dylan tece um elogio à futura namorada. O momento romanceado tem algumas semelhanças com o que de fato aconteceu. Dylan e Baez se conheceram em 1961 no Gerde’s Folk City, recanto de música em Nova York. Ela havia viajado de Boston até Nova York para participar de um protesto e, já estando lá, decidiu conferir a performance de um jovem cantor de quem já havia ouvido falar, ficando impressionada com sua presença de palco.
- O guitarrista Al Kooper tocando teclado em "Like a Rolling Stone"
Um momento marcante do filme ocorre durante a gravação da clássica “Like a Rolling Stone” (1965), quando o lendário Al Kooper, papel desempenhado por Charlie Tahan, entra no estúdio se apresentando como guitarrista, mas logo é informado de que a banda já tem um. Kooper então vai para o piano e cria um dos trechos mais marcantes da música, quase que instantaneamente. Ele de fato colaborou com essa parte, mas ao contrário da forma apressada exposta no filme, a banda precisou gravar diversas vezes, até que a música encontrasse a forma como a conhecemos.
- Rejeição do público no Newport Folk Festival, em 1965
A cena final de “Um Completo Desconhecido” mostra Dylan em sua histórica performance no Newport Folk Festival, em 1965. Determinado a tocar suas novas canções, marcadas pelo uso de instrumentos elétricos e ritmo mais acelerado, semelhante ao rock’n roll, o astro e sua banda contrariaram a decisão da organização do evento de tocar apenas as músicas mais famosas. Como resultado por fugir do habitual gênero folk, caracterizado pela voz acompanhada de um violão, o grupo foi recebido por uma mistura de reações fervorosas, alternando entre aplausos e vaias dos espectadores, o que deixou os produtores enfurecidos. A situação de fato ocorreu. O filme, inclusive, retrata fielmente o momento em que o cantor retorna ao palco para cantar a famosa “It’s All Over Now, Baby Blue” (1966), para acalmar os ânimos dos presentes e satisfazer os fãs.
- Um fã realmente chamou Dylan de “Judas”?
No decorrer da apresentação no Newport Folk Festival, um fã exclama: “Judas!”, irritado com a atitude de Dylan no palco. Rapidamente, o cantor responde: “Eu não acredito em você. Você é um mentiroso”. O diálogo ocorreu, mas não durante o famoso festival: o show em questão foi realizado no Reino Unido, um ano depois. Mangold retratou a passagem no filme para simbolizar a revolta do público contra a transformação de Dylan em um “roqueiro”.
- A amizade entre Bob Dylan e Johnny Cash
Um dos maiores incentivadores do cantor em “Um Completo Desconhecido” é Johnny Cash, interpretado por Boyd Holbrook. O longa retrata a relação entre os artistas através de uma série de trocas de cartas, hábito que eles realmente adquiriram. Algumas dessas cartas, inclusive, estão preservadas até hoje.
- Cash ajudou Dylan a se apresentar no Newport Folk Festival?
No filme, Dylan, prestes a subir ao palco do evento, está dividido entre seguir sua vontade ou ceder à pressão dos produtores para tocar suas músicas tradicionais. Em uma cena, Johnny Cash, embriagado, bate seu carro no estacionamento do hotel e, em seguida, encoraja Dylan a seguir seu caminho. No entanto, esse episódio jamais aconteceu: Cash se apresentou no festival no dia anterior e já havia deixado a cidade.
- Dylan participou de um programa de tv com Pete Seeger?
Em uma sequência, Dylan chega atrasado a um programa de televisão apresentado por Seeger, mas o fato jamais ocorreu. Jesse Moffete, personagem interpretado por Big Bill Morganfield, é quem acaba substituindo Dylan na gravação. Assim como o restante da cena retratada, Moffete também é um personagem que nunca existiu.
O que disse a crítica: Pedro Tao do site O Cinema É avaliou com 2 estrelas, ou seja, fraco. Disse: “Eu, particularmente, conheço pouco sobre Bob Dylan. Uma biopic parece o lugar certo para se conhecer alguém, supostamente. Mas com ‘Um Completo Desconhecido’ isso fica só no campo da suposição mesmo. O filme faz um trabalho ruim de criação da figura mitológica que conhecemos hoje. E é engraçado porque a obra não foca nisso, mas invariavelmente resvala nessa questão. Como se fosse um aspecto inevitável, porém tratado com vista grossa. Há uma interessante descrição do impacto da fama e a recusa desta, mas que nunca aterrissa tão bem porque a ascensão meteórica é diluída e o filme parece nunca interessado em cuidar das contradições de Dylan”.
Victor Russo do site Filmes e Filmes avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “Ao abdicar quase completamente do contar história e passar a comunicar pelas músicas, Mangold nos leva a um lugar sublime e crítico ao mesmo tempo. (...) O interesse é compreender como cinema e música juntos nos trazem para um lugar prazeroso do sentir, do se deixar envolver. Mais uma vez a escolha de planos guia tudo, dos shows mais íntimos, filmados de perto com Dylan e Joan quase tocando os rostos enquanto cantam, aos mais amplos, como a do clímax do filme, em que a música de Dylan gera efeitos imediatos, e, por isso, o público é convidado a ser retratado pela decupagem pela primeira vez, assim como Cash, Joan, o produtor musical e todo o comitê do festival. Dylan defende sua música, assim como Timothée defende sua versão do personagem”.
O que eu achei: Trata-se de um filme muito interessante para se conhecer um pouco mais da trajetória de Bob Dylan. Retrata o início de carreira dele de 1961 a 1965, mostrando de maneira linear e sem grandes malabarismos cinematográficos seu começo na música folk americana e a transformação que se deu nesses 5 anos de vida artística, passando do folk para uma espécie de folk rock até o rock and roll, em especial a partir do icônico Festival de Newport em 1965. Claro que há as licenças poéticas mostrando de forma superestimada a ajuda de Pete Seeger (Edward Norton sensacional no papel) que o apoiou, de fato, oferecendo oportunidades para Dylan se apresentar, mas cuja relação entre eles dizem que não era tão próxima quanto o filme sugere. Ou mesmo a namorada apresentada como Sylvie Russo um pouco diferente da verdadeira Suze Rotolo que Bob Dylan pediu que preservassem a identidade. Mas, de resto, dizem que foi tudo muito parecido como o filme conta, incluindo o envolvimento com a cantora Joan Baez (vivida lindamente por Monica Barbaro), a grande amizade com Johnny Cash com quem ele, de fato, trocava cartas e a famosa rejeição do público que ele sofreu no Festival de Newport, onde ele resolve apresentar suas novas canções com uma pegada mais rock’n roll que desagradou não só a plateia, como a organização do evento e os produtores que esperavam dele o mais puro folk americano. Então não se pode negar que é uma boa cinebiografia no sentido de retratar o que de fato ocorreu. Outra qualidade que o filme tem é que o elenco toca e canta sem dublagem e sem IA melhorando seus desempenhos, então é louvável saber que Timothée Chalamet se esforçou em estudar violão e gaita por 5 anos para fazer o personagem. O único defeito do filme, a meu ver, é que ele não mostra muito claramente o conteúdo político das canções de Bob Dylan, pois de resto até o título escolhido para o filme foi muito perspicaz – “A Complete Unknown” (Um Completo Desconhecido) – que faz referência a uma das músicas de seu repertório mas, ao mesmo tempo, descreve com perfeição a personalidade impenetrável do músico: um cara tímido, um gênio de personalidade complexa e multifacetada, introspectivo, polêmico e com variações de humor e atitudes que está sempre fazendo o oposto do que se espera dele, surpreendendo e eventualmente frustrando namoradas, fãs, amigos e profissionais com quem ele trabalha. Se a crítica reclamou que o diretor abriu mão de mergulhar nas profundezas do ser humano para se ater mais ao lado profissional dele, cabe lembrar daquela famosa frase: "de perto ninguém é normal". Eu confesso que prefiro não saber muito da intimidade de meus ídolos pois a chance de sair frustrada é grande. Concluindo, o filme não é excepcionalmente bom como o maravilhoso “Não Estou Lá” (2007) de Todd Haynes, mas ainda assim é uma boa cinebiografia que merece ser vista e ouvida. Eu, como fã, agradeço.