6.1.25

"Fantasma" - F. W. Murnau (Alemanha, 1922)

Sinopse:
Lorenz Lubota (Alfred Abel), um pobre rapaz que trabalha como escrivão, é atropelado por uma carruagem no meio da rua. Lá dentro estava Veronika (Lya De Putti), uma mulher misteriosa e sensual, por quem ele desenvolve grande obsessão amorosa. Mas, durante sua busca para reencontrá-la, ele acaba conhecendo Melitta (Lya De Putti), uma sósia de sua amada que trabalha em um bordel.
Comentário: Friedrich W. Murnau (1888 -1931) foi um cineasta alemão considerado um dos mais importantes realizadores do cinema mudo. Ele dirigiu 21 longas-metragens, alguns na Alemanha e outros nos EUA. Assisti dele nove filmes: as obras-primas “Nosferatu” (1922) e “Aurora” (1927); os excelentes “O Castelo Vogelöd” (1921), “A Última Gargalhada” (1924), “Tartufo” (1925), “Fausto” (1926) e “O Pão Nosso de Cada Dia” - AKA “City Girl” (1930) e os curiosos “Caminhada Noite Adentro” (1920) e “Tabu” (1931).
Desta vez vou conferir “Fantasma” (1922) um filme mudo que se posiciona na fronteira entre o expressionismo sobrenatural e o chamado movimento da Nova Objetividade que alguns de seus filmes posteriores ajudaram a cristalizar.
David Sterritt do Cineaste Magazine nos conta que “Fantasma” foi lançado no mesmo ano de “Nosferatu” – 1922 – “então alguém pode presumir que o sinistro título ‘Fantasma’ é um filme de terror. Mas aqui, assim como em ‘O Castelo Vogelöd’ (1921) do ano anterior, esse alguém estaria errado. Embora sejam obras melancólicas, ‘O Castelo Vogelöd’ é um mistério de assassinato e o mais profundo e assustador ‘Fantasma’ é um drama psicológico com desvios para a ilusão e o delírio que desestabilizam o protagonista sem assustar tanto o público. (...) Ainda assim, ‘Fantasma’ é um título adequado para uma história em que as emoções são implacáveis, as motivações são escorregadias e a própria identidade é assustadoramente difícil de definir. Isso não é exatamente horror, mas partes dele beiram o pesadelo.
Murnau dirigiu quase uma dúzia de filmes entre sua estreia em 1919 e as quatro produções que lançou em 1922, e ‘Fantasma’ é um bom marcador de seu movimento para longe do expressionismo de ‘Nosferatu’ e em direção ao naturalismo sensível encontrado em ‘A Última Gargalhada’ (1924) e ‘Aurora’ (1927). 
Embora suas assinaturas de direção estejam em todos os lugares em ‘Fantasma’ - cenários vívidos, performances flexíveis, uma abordagem poderosamente visual ao material extraído da literatura - ele teve muitos colaboradores de primeira linha no projeto, começando com o empreendedor Erich Pommer, que havia produzido ‘O Castelo Vogelöd’ e faria o mesmo para todas as produções de Murnau desde ‘Fantasma’ até a partida do diretor para Hollywood em 1927. Pommer dirigiu o importante estúdio Decla-Bioscop e sua unidade especializada Ucofilm (...).
[O romance no qual o filme se baseia é de autoria] de Gerhart Hauptmann, que ganhou o Prêmio Nobel em 1912, principalmente por seu trabalho como dramaturgo. Hauptmann faz uma ponta na tela durante os títulos de abertura do filme de Murnau, caminhando por um campo com um livro na mão (embora o livro não pudesse ser ‘Fantasma’, pois ele não havia sido publicado como livro até o ano seguinte).
O imprimatur (que seria a autorização do autor do livro para Murnau fazer a adaptação para as telas) de Hauptmann foi importante para Pommer e companhia, e exibições especiais de pré-estreia do filme foram feitas em sua homenagem (...).
O crédito do roteiro foi para Thea von Harbou (...) e outro contribuidor importante foi o designer de produção Hermann Warm (...). O elenco incluía Alfred Abel, uma estrela de ‘Metrópolis’ e vários outros filmes, e Lil Dagover, um veterano de ‘O Gabinete do Dr. Caligari’ e ‘Destino’ (1921). 
Murnau tinha um distinto círculo em mãos. O que ele não tinha era dinheiro ilimitado, já que a Alemanha de Weimar estava entrando nos primeiros anos cruéis da hiperinflação que mais tarde alimentou a ascensão dos nazistas, mas as restrições orçamentárias não prejudicaram significativamente o filme. (...)
Seja apesar ou por causa do orçamento reduzido de Murnau, ‘Fantasma’ é pontuado por truques cinematográficos que são tão habilmente eficientes quanto apropriados à narrativa estranha que serve. Warm criou inúmeras invenções - miniaturas detalhadas, plataformas giratórias, guindastes de cenário e elevadores - que dão vida às visões e experiências desorientadas [do personagem] Lorenz, como quando as sombras de prédios altos parecem persegui-lo enquanto ele foge por uma rua, evocando uma paranoia urbana de força enervante. (...) Por mais proficientes que sejam os efeitos de Warm e a atmosfera de Murnau, o visual geral de ‘Fantasma’ é menos insistentemente desequilibrado do que os leitores do romance de Hauptmann poderiam esperar. Enquanto o livro e o filme contam a mesma história, a prosa de Hauptmann é mais enfaticamente gótica do que a maior parte do filme (...). Murnau é mais sutil, trabalhando mais na maneira finamente calibrada de Abel Gance e Marcel L'Herbier do que no estilo insistentemente sombrio que Hauptmann adota. Mas isso não dilui a ressonância saturnina do filme de Murnau”.
O que disse a crítica: Yasser Medina do blog Cinefilia avaliou com 3 estrelas, ou seja, regular. Ele disse tratar-se de “uma obra menor do primeiro cinema expressionista de Murnau, no qual está ausente a verve emocional de suas outras obras do mesmo período como ‘Nosferatu’, ‘A Última Gargalhada’ e ‘Fausto’”. Ele achou a interpretação de Alfred Abel boa, disse que esteticamente o filme tem planos interessantes, mas que “o problema fundamental [do filme] é que Murnau não dá mais do que duas dimensões a seu personagem, deixando-o quase sempre numa inércia de situações que lhe parecem infinitamente redundantes, banais, desprovidas de coesão orgânica, onde o melodrama permanece num terreno fútil, muito sujeito a páthos desnecessários”.
Caio Bogoni do Cine Grandiose avaliou com 3,5 estrelas. Segundo ele o maior defeito do filme reside na trama muito lenta, “demorando-se em cenas que poderiam ser mais breves, certos eventos ficam mais longos do que deveriam ou se repetem. Nunca pensaria em criticar a atuação de Alfred Abel. A execução é boa; vê-lo cair de joelhos várias e várias vezes, não. Talvez com maior objetividade, ‘Fantasma’ poderia estar junto de outras obras melhores de Murnau”.
O que eu achei: O filme tem aquele capricho habitual do Murnau, cineasta que eu admiro demais. Porém este filme acabou não ficando tão interessante quanto outros que ele fez como “Nosferatu” (1922) e “Aurora” (1927). A filmagem até tem efeitos interessantes ao mostrar o protagonista atormentado pelas suas fraquezas com o casario da cidade se projetando contra ele, além de outros recursos visuais muito bem feitos para a época. O ator principal Alfred Abel também é ótimo, super convincente na pele de um homem perdido e sem perspectivas de vida. A tonalização da filmagem originalmente em P&B também é linda, alternando trechos em sépia com belos tons de azul escuro, azul claro e outras cores. Mas as 2hs de duração do filme, especialmente considerando-se que é mudo, acabou longa demais, com trechos consideravelmente arrastados. Se for ver, procure pela versão restaurada que recupera toda a beleza da película, mas é um filme mais para fãs de Murnau do que para conhecer seu trabalho.