12.1.25

“A Substância” - Coralie Fargeat (Reino Unido/EUA/França, 2024)

Sinopse:
Elisabeth Sparkle (Demi Moore) é uma celebridade em declínio que enfrenta uma reviravolta inesperada ao ser demitida de seu programa fitness na televisão. Desesperada por um novo começo, ela decide experimentar uma droga do mercado clandestino que promete replicar suas células, criando temporariamente uma versão mais jovem e aprimorada de si mesma. Agora, a atriz se vê dividida entre suas duas versões: ela mesma e Sue (Margaret Qualley), que devem coexistir enquanto navegam pelos desafios da fama e da identidade.
Comentário: Coralie Fargeat (1976) é uma diretora de cinema e roteirista francesa. São dela os curtas “Le télégramme” (2003) e “Reality+” (2014), além do seriado “Les Fées Cloches” (2008-2014). Sua estreia com longas-metragens se deu em 2017 como filme “Vingança”. “A Substância” (2024) é seu segundo longa.
Dora Guerra do site G1 nos diz que o filme “conta a história de Elisabeth, uma atriz que já foi muito famosa e bem-sucedida. Aos 50 anos, ela é apresentadora de um programa de ginástica, e recebe a notícia de que será trocada por uma atriz mais jovem. Com isso, Elisabeth entra em crise consigo mesma. Mas tudo muda quando ela descobre a Substância, uma espécie de droga que promete torná-la ‘a melhor versão de si mesma’, mais jovem e mais bonita.
‘A Substância’ explora o gênero ‘body horror’, modalidade de filmes que usa cenas explícitas, grotescas e corporais para afligir os espectadores. Há inúmeras cenas angustiantes - e relatos de pessoas que deixaram a sala de cinema ao assistir. Mas não é um recurso usado sem propósito. As cenas chocantes refletem bem a temática, reforçando os limites físicos, corporais e emocionais que as pessoas cruzam para alcançar um padrão de beleza.
Em tempos de procedimentos estéticos infinitos, o tema é extremamente relevante. Sob o olhar de uma diretora mulher, ‘A Substância’ procura explorar o assunto com uma perspectiva crítica, moderna e, aos poucos, surrealista. O elenco (...) também é um grande fator. O longa conta com Demi Moore, Dennis Quaid e Margaret Qualley. Demi, hoje com 61 anos, é um dos pontos fortes do filme. A atriz, que foi um dos maiores nomes de Hollywood nos anos 90, retorna em um dos melhores papeis de sua carreira. Muito disso se deve à relação da própria atriz com sua personagem. No livro de memórias de Demi, intitulado ‘Inside Out’, a atriz reflete sobre como foi objetificada e teve muitos problemas com auto imagem ao longo da carreira. Para provar que conhecia intimamente as questões de Elisabeth, Demi entregou uma cópia de seu livro pra diretora de ‘A Substância’ - e, assim, conseguiu o papel.
Além de tudo, o filme é um prato cheio para fãs de terror, [pois ele] mescla referências a clássicos do gênero com ideias originais, resultando em um filme com estilo peculiar. Controverso, o filme provoca reações extremas, sejam elas positivas ou negativas - o que, geralmente, é indicativo de um bom terror. E por isso, por bem ou por mal, ‘A Substância’ acabou ganhando ares de ‘novo clássico’ contemporâneo. O tipo de filme que, para entender, é preciso assistir.
Lançado no Festival de Cannes, onde foi recepcionado com entusiasmo, vencendo o prêmio de Melhor Roteiro, “A Substância” é visto como uma virada de chave na carreira de Demi Moore. No filme, a eterna estrela de “Ghost Do Outro Lado da Vida” (1991) vive Elisabeth Sparkle, uma atriz famosa em Hollywood que, por conta de seu natural envelhecimento, percebe que oportunidades começam a rarear. Ela passa a utilizar uma substância que lhe dá a juventude de volta - uma nova identidade, praticamente, chamada Sue (Margarett Qualley) - e o sucesso é instantâneo. Mas, como bem sabemos, tudo tem um preço e a substância não é tão segura quanto se imaginava.
O que disse a crítica: A crítica está completamente dividida. Kevin Maher do jornal Times não gostou. Ele chamou o filme de "pueril, inútil e intelectualmente enganoso", observando que alguns membros do público abandonaram a exibição no Festival de Cinema de Cannes.
Nicholas Barber da BBC achou mediano. Ele disse que “durante a maior parte de suas duas horas, ‘A Substância’ tem muito estilo, mas não muita substância. Por mais divertido e brilhantemente estilizado que seja, [o filme] parece um desperdício lento e superficial de uma premissa intrigante”. Entretanto “a última meia hora delirante faz valer a pena. À medida que Elizabeth e Sue começam a ficar nervosas, o filme se torna mais divertido e desagradável até que finalmente floresce uma película de monstros perturbados, inundada de sangue falso e com esquisitices de terror corporal”.
Tim Robey do Telegraph gostou muito. Escreveu: "’A Substância’ é uma maravilha de thriller de terror satírico, às vezes hilário, às vezes comovente e às vezes grotesco”.
Anna Smith da Revista Rolling Stone também gostou. Disse "’A Substância’ vai fazer você pensar, falar e se contorcer. (...) O horror corporal é levado ao limite, desafiando o espectador a continuar olhando em vez de se esconder, se sentir infeliz ou até mesmo vomitar - todas as reações são perfeitamente possíveis".
Já Bruno Botelho dos Santos do site Adoro Cinema avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveu: “’A Substância’ é uma sátira divertida e ácida sobre o comportamento abusivo dos homens e seu olhar fetichista, e progressivamente abraça o mais desconfortável e provocativo do horror corporal. Com uma atuação poderosa de Demi Moore, o filme de Coralie Fargeat vai aos extremos sem limites, com cenas sangrentas e perturbadoras de body horror, para representar como o corpo da mulher é violentado pela indústria da beleza”.
O que eu achei: Esqueça os filmes calmos, íntimos e reflexivos. Esse até vai te fazer pensar, mas ele é um trator que vai te atropelar enquanto você tenta assistir sem desviar os olhos. A categoria na qual esse filme se encaixa é o body horror, como já explicado acima, uma modalidade que usa cenas explícitas, grotescas e corporais para afligir os espectadores. E esse jeito de fazer as coisas é levado aqui às últimas consequências, lembrando em certa medida os filmes do Cronenberg. O que a diretora francesa pretende é de fato exagerar. Sabe quando você vê um desfile de moda e naquele ano vai entrar na moda o azul celeste e o estilista resolve então pintar até o corpo da modelo de azul? Então, esse filme é por aí. A denúncia é amplificada através não só da história em si e dos personagens, mas também pela edição de som e pelo uso e abuso de lentes macro. Ele amplifica o quanto os homens são, no geral, porcos nojentos opressores que determinam como uma mulher deve ser, como ela deve se comportar, que idade ela deve ter... eles até se acham no direito de decidir se ela pode ou não abortar e essa mulher interioriza essas ideias achando que, de fato, ela precisa ser assim. E é óbvio que interiorizando regras impostas por terceiros você deixa de ser você mesma e vira algo como um monstro amorfo que nem você mesma tolera mais. Aqui o contexto é colocado no mundo das celebridades. Demi Moore encarna uma personagem famosa da tv americana que envelheceu e que, portanto, deverá ser substituída. Foi nesse papel que ela ganhou recentemente o importante prêmio de Melhor Atriz no Globo de Ouro, na categoria filme Comédia ou Musical. Essa categoria me intrigou ontem ao assistir o longa, porque musical não é e comédia, você até solta uma ou outra risada nervosa durante a projeção, mas comédia também não é. É terror e daqueles que beiram o trash. Demi Moore está ótima na personagem. Ela conseguiu o papel justamente por ter escrito em 2019 um livro de memórias chamado “Inside Out”, onde ela conta suas agruras. Ela está hoje com 62 anos, sabe-se lá a que preço mas ela parece ter bem menos, e seu discurso no Globo de Ouro relembra os fracassos da sua carreira, a falta de reconhecimento ao longo dos anos e as inúmeras vezes que ela foi chamada de “atriz de filmes pipoca”. É um filme feminista sobre discriminação por idade e padrões de beleza, mas é também sobre julgamento, abandono, solidão e suicídio. Menos palatável do que algumas pessoas gostariam mas, se você tiver uma boa tolerância a sangue e conseguir chegar até o final, será uma trama difícil de esquecer. Vale ver.