12.11.24

“O Menino e a Garça” - Hayao Miyazaki (Japão, 2023)

Sinopse:
Mahito Maki é um jovem que vive no Japão. Após a morte de sua mãe, ele se muda com o pai para uma propriedade no campo junto com sua tia que é agora sua madrasta, onde uma série de eventos misteriosos o levam a uma torre antiga e isolada, lar de uma garça travessa. Quando sua madrasta desaparece, o menino segue a garça e entra num mundo fantástico, habitado pelos vivos e pelos mortos, e embarca em uma jornada épica ao lado da garça que o guia a descobertas sobre os segredos deste mundo e algumas verdades sobre si mesmo.
Comentário: Hayao Miyazaki (1941) é um animador, cineasta, roteirista, escritor e artista de mangá japonês. Ele é cofundador do Studio Ghibli, uma companhia de cinema e animação, tendo conquistado reconhecimento e aclamação internacional pela qualidade de seus vários longas-metragens de animação, os quais ele normalmente escreve e dirige. Dentre seus trabalhos mais famosos estão: “O Castelo de Cagliostro” (1979), “Meu Amigo Totoro” (1988), “Princesa Mononoke” (1997) e “O Castelo Animado” (2004). Assisti dele apenas o lindo “A Viagem de Chihiro” (2001).
Desta vez vou conferir “O Menino e a Garça” (2023), cujo enredo é semi-autobiográfico, com Miyazaki tirando inspirações de sua própria infância no Japão do final da Segunda Guerra, e as mesclando com o enredo do livro de 1937 “How Do You Live?” (‘Como você Vive?’), do escritor japonês Genzaburo Yoshino.
O filme conta a história do jovem Mahito Maki, um garoto que, após a morte de sua mãe, vai embora de Tóquio para uma propriedade no interior. Lá, ele tenta se ajustar à sua nova vida com seu pai, sua nova madrasta (a irmã mais nova de sua mãe) e várias senhoras idosas habitantes da casa. Enquanto tenta lidar com o trauma, ele encontra uma garça falante que o leva a uma torre abandonada, prometendo que encontrará sua mãe lá dentro. A partir daí a história ganha uma abordagem fantástica, com um mundo mágico cheio de criaturas místicas – algumas fofas, outras perigosas.
Leo Caparroz da Revista Superinteressante nos conta que “Atualmente com 82 anos de idade, o diretor disse que esse será seu último filme antes de sua aposentadoria. Porém, ele já disse que iria largar o lápis outras 3 vezes: em 1997, 2001, e 2013 (...). O Studio Ghibli – principalmente os trabalhos de Miyazaki – é conhecido por suas abordagens filosóficas, simbolismos mágicos e histórias emocionantes. O novo filme não podia ser diferente: quando Mahito entra na torre, a trama vira uma aventura fantástica de busca por crescimento espiritual, amadurecimento e propósito. (...)
Quem tem um papel de destaque no filme, dividindo o título com o protagonista, é a garça. Na versão em português, ela é chamada apenas de ‘garça-real’ – uma ave nativa da América do Sul; contudo, a versão em inglês a chama de ‘grey heron’, como é conhecida a espécie Ardea cinerea. Por aqui, ela é chamada de ‘garça-real-europeia’ e, apesar do nome, pode ser encontrada não só na Europa, mas também na África, Índia, Leste Asiático e Japão. (...)
Na cultura japonesa, encontrar uma garça é um evento misterioso, ligado a espíritos, deuses, morte e uma relação com outro mundo. Garças aparecem frequentemente perto da morte e as aves em geral estão associadas à morte e aos funerais, procissões e outros ritos fúnebres.
A primeira referência conhecida a uma garça na literatura japonesa pode estar no Kojiki. Trata-se da obra literária mais antiga do Japão, uma série de mitos de criação compilados em 712 que formam a base do folclore do país. Em uma dessas histórias, um príncipe morre longe de casa e sua alma se transforma em um pássaro branco – apesar de não ser explicitamente referido como uma garça, estudiosos acreditam que seja o caso mais provável.
Garças brancas, conhecidas por sua aparência marcante, são frequentemente retratadas em histórias e xilogravuras agindo como mensageiras dos deuses ou simbolizando pureza e transição. Outras garças, como a garça azul, já são sinal de mau presságio. Em geral, japoneses costumam associar a garça-real-europeia que aparece no filme como uma presença assustadora ou melancólica. Teóricos estimam que, pelo animal se misturar com a escuridão da noite e reaparecer ao amanhecer, ele seja um símbolo do ciclo da vida, da morte e do retorno ao além.
Sendo assim, faz todo sentido que Miyazaki tenha escolhido uma garça-real-europeia para ser a “coestrela” de seu possível último filme. Considerado sua produção mais intimista, ‘O Menino e a Garça’ apresenta a dualidade do maravilhoso mundo fantástico e do conturbado mundo real, do luto e da aceitação, da morte e da vida que segue. À medida que Mahito é guiado pela estranha figura da garça em uma aventura mística cheia de simbolismos, ele aprende que a vida continua e que dá para fazer a diferença no mundo – mesmo que aos poucos”.
O filme ganhou o Oscar de Melhor Animação.
O que disse a crítica: Diego Souza Carlos do site Adoro Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, muito bom. Escreveu: “Em uma era onde a animação digital ainda domina os estúdios, mesmo com projetos experimentais (...), o longa do diretor japonês também é um aceno à indústria cinematográfica sobre as belezas e o frescor latente da animação 2D. Na iminência da problemática de artes feitas por inteligência artificial, ‘O Menino e a Garça’ reforça como a visão humana é essencial para se contar boas histórias. Confiante no estilo que moldou o lendário estúdio asiático, trata-se de uma das narrativas mais belas e enriquecedoras dos últimos anos. Vai fazer o público se lembrar dos encantos e estranhezas de ‘A Viagem de Chihiro’, enquanto questiona cada um sobre como é viver - e encontrar esperança - em um mundo que ainda alimenta as chamas da guerra”.
Marcelo Hessel do site Omelete também avaliou com 4 estrelas. Escreveu: “Ao ensinar seus personagens a voar, Miyazaki está curando feridas. O incêndio que abre ‘O Menino e a Garça’ se parece muito com o fogo dos bombardeiros americanos em Kobe retratado num dos primeiros longas do Ghibli, ‘Túmulo dos Vagalumes’ (1988). Os aviões trazem sempre consigo a memória da infâmia da guerra, mas, ao longo dos anos, colocar essas crianças para voar sem precisar da máquina talvez fosse para o cineasta uma forma de purgação. Mahito não aprende a voar, mas no seu caso firmar os pés no chão durante a revoada não deixa de ser uma vitória”.
O que eu achei: Apesar de eu só ter visto uma animação do mestre do desenho japonês Hayao Miyazaki - “A Viagem de Chihiro” (2001) -, pude perceber o quanto essas duas tramas têm em comum. Chihiro era uma menina e Mahito é um menino, e ambos vão adentrar em algum lugar mágico que os levará para um mundo cheio de fantasia e imaginação. No caso de Chihiro ela passa por um túnel e entra num parque de diversões abandonado e, no caso de Mahito, ele entra em uma torre conduzido por uma garça. A diferença é que no desenho de 2001 esse local tinha seres tão criativamente inventados que aquilo parecia uma viagem de ácido. Neste de 2023 a criatividade se eleva à enésima potência e aquela viagem de ácido do anterior vai parecer fichinha perto desta que, além dos seres extraordinários, extrapola questões de espaço e de tempo. Por conta disso não espere uma trama fácil de acompanhar, pois ele vai subverter boa parte da lógica que você possa esperar de uma narrativa. Então não é uma animação para crianças pequenas usufruírem. A classificação indicativa, aliás, é de 12 anos para mais, e creio que adultos que gostem desse estilo de animação mais fantasioso, semelhante em alguma medida às aventuras de “Alice no País das Maravilhas”, também poderão gostar, desde que estejam abertos à uma experiência transcendental. Mais um excelente trabalho do Miyazaki que do alto dos seus 82 anos já anunciou que talvez possa ser o último.