13.5.24

“Os Amantes” - Louis Malle (França, 1958)

Sinopse:
A esposa (Jeanne Moreau) do diretor do jornal (Alain Cuny) da pequena Dijon está cansada da vida pacata de interior e do clima melancólico de seu casamento. Ela sempre vai para Paris em busca de aventura. Lá, ela se apaixona por Raoul (José Luis de Vilallonga), mas depois conhece Bernard (Jean-Marc Bory).
Comentário: Louis Malle (1932-1995) foi um cineasta francês cujo nome integrou um movimento cinematográfico importante que ficou conhecido como Nouvelle Vague que influenciou toda uma geração de cineastas franceses na década de 1960. Assisti dele apenas o bom “Ascensor para o Cadafalso” (1958). “Os Amantes” (1958) é seu segundo longa.
Carla Dórea Bartz do site DCO nos conta que “O filme é transgressor para os padrões morais daquela época e corre muito o risco de se tornar igualmente imoral para os padrões atuais. Trata-se de uma história sobre conflitos de classes. Provinciana, Jeanne (...) se casa com um homem mais velho e proprietário de um jornal de Dijon. Ela passa dias na casa de uma amiga de infância em Paris, onde frequenta rodas sociais e tem um amante. Um dia, conhece um professor por quem se apaixona, deixando tudo para trás. 
No filme, são as relações sociais que definem as relações amorosas. É de uma criatividade raramente vista. Normalmente, consumimos o oposto: os filmes românticos disfarçam as relações de classe e, no máximo, como em milhares de comédias românticas americanas, uma mulher é salva da pobreza e se torna a Cinderela de algum príncipe encantado. A transgressão da personagem de Jeanne está no fato de que ela não se adequa ao seu círculo social, ao qual entrou pelo casamento. Para entender sua motivação é necessário compreender também os conflitos de classe naquele momento e, em especial, na cultura francesa.
Tanto essa crítica, quanto a recepção no Brasil de 1960 foram documentadas. O crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, na época colunista do jornal O Estado de S. Paulo, escreveu cerca de cinto textos, todos intitulados ‘Os Amantes Ultrajados’, para discutir a recepção do filme no país e também os seus temas. (...) No caso da recepção, ele conta que uma organização privada católica – a Confederação das Famílias Cristãs – entrou na justiça para censurar o filme à revelia das leis e dos próprios órgãos de regulamentação de exibição cinematográfica federais existentes na época. Diante do fato de que o órgão regulador federal permitiu a exibição, a confederação em questão apelou para a polícia e para o sistema judiciário. Diz ele: ‘“Tornou-se evidente que estavam se familiarizando com a prática da censura privada, que consistia em coagir os comerciantes a efetuarem cortes nas películas, sob a ameaça de processos criminais. A função do grupo de Orientação [da referida Confederação] já não era orientar determinado setor do público, ou influir na seleção das obras para os menores, mas pura e simplesmente impor os seus critérios particulares de julgamento à totalidade dos espectadores. (...) Cada um dos processos criminais promovidos pela Confederação das Famílias Cristãs foi precedida de tentativas de intimidação contra exibidores cinematográficos. A associação privada convidava-os a cometer uma ilegalidade caracterizada, isto é, a praticar cortes nas películas”. (...) Se pensarmos que esses textos foram escritos em 1960, antes, portanto, do golpe de estado de 1964, temos uma pequena noção do caldo cultural que existia naqueles anos. Hoje, novamente, nos vemos presos em discussões estéreis envolvendo religiões e moral. Igualmente, percebemos as teias dos processos judiciais como recursos de coerção a ações e discursos que não se enquadrem nas determinações de grupos privados poderosos. Como podemos perceber, é o mesmo tipo de sabotagem tacanha. O que mudou é o meio, visto que o alvo agora são as redes sociais”.
Não só no Brasil o filme causou polêmica entre os setores conservadores da sociedade e a fúria da Igreja Católica. Há relatos de problemas de exibição na própria França, na Itália e nos EUA, dentre outros.
Louis Malle recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Veneza e foi indicado ao Leão de Ouro.
O que disse a crítica: Eduardo Kaneco do site Leitura Fílmica avaliou com o equivalente a 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Em ‘Os Amantes’, contando com Brahms como fundo musical, Louis Malle narra o florescer de uma paixão à primeira vista, tão arrebatadora que transforma o insensato em natural”. Ele diz que no livro “Os Filmes de Minha Vida” escrito pelo crítico e cineasta François Truffaut dizendo que “Louis Malle fez o filme que todos trazem no coração e sonham em concretizar: a minuciosa história de um amor à primeira vista, o ardente contato de duas epidermes que só surgirá muito mais tarde como a troca de duas fantasias”. Porém, Louis Malle não entrega a estória como um conto de fadas. Quando os dois amantes param em uma cafeteria enquanto fogem de Dijon, Jeanne olha para seu reflexo no espelho e começa a se questionar se o que faz está certo. Afinal, não estamos num filme hollywoodiano, e sim a um passo da Nouvelle Vague”.
Marcelo Hessel do site Omelete também gostou e recomenda. Escreveu: “Se Louis Malle se esmera em exibir o lado prático da libertação das pessoas, François Truffaut exercita a sua filosofia ao examinar a natureza masculina. Cada um, a seu modo, com suas poesias particulares, falam de amor”.
O que eu achei: Trata-se do segundo filme feito pelo diretor francês Louis Malle. Lançado em 1958, ele conta a história de uma mulher da alta sociedade que, entediada com a vida sem amor que leva, resolve encontrar aventura indo frequentemente à Paris encontrar sua amiga e se divertir um pouco. Nessas idas e vindas ela acaba conhecendo Raoul e posteriormente Bernard, com quem se envolve. O filme, todo rodado em P&B, é de uma elegância ímpar ao mostrar a atriz Jeanne Moreau com seu amante. Praticamente nada é mostrado de forma explícita, ou seja, não há corpos nus escancarados na tela. Mesmo assim, à época, ele foi altamente polemizado, sofrendo ataques em várias partes do mundo. Muitos grupos conservadores, inclusive no Brasil, tentaram fazer com que ele não fosse exibido apesar da classificação etária já ter indicado que era um filme para maiores de idade por abordar o tema do adultério. Atualmente creio que o filme poderia passar normalmente em qualquer emissora de TV, apesar dos grupos conservadores estarem aí mais vivos do que nunca, por um lado reclamando da regulamentação da internet no combate à disseminação de informações falsas – que eles chamam de censura – e, por outro, censurando artistas como a Madonna que normalizam o prazer feminino e a busca pela liberdade de expressão. Atenção à música tema de Johannes Brahms, uma boa escolha para um filme que, assim como os personagens, tem um senso clássico de forma e ordem, mas é ousado em sua exploração de harmonia e ritmo. Ótima pedida.