9.9.25

"Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer" – David Lynch (EUA/França, 1992)

Sinopse:
O agente do FBI Chet Desmond (Chris Isaak) e seu parceiro Sam Stanley (Kiefer Sutherland) investigam o assassinato da garçonete Teresa Banks (Pamela Gidley), em uma pequena cidade do estado de Washington. Após descobrir uma pista do misterioso crime, Chet desaparece a alguns quilômetros da cidade de Twin Peaks. Um ano depois, outra morte parece estar conectada a este acontecimento: o assassinato de Laura Palmer (Sheryl Lee), uma adolescente viciada em drogas que vive seus últimos dias entre indecisões amorosas que a levam a alternar como amantes dois colegas de escola: o problemático Bobby (Dana Ashbrook) e o introspectivo James (James Marshall).
Comentário: David Lynch (1946-2025) foi um diretor, roteirista, produtor, artista visual, músico e ator norte-americano. Conhecido por seus filmes surrealistas, ele desenvolveu um estilo cinematográfico próprio. Assisti dele 8 filmes: a obra-prima "O Homem Elefante" (1980), os ótimos "A Estrada Perdida" (1997), "Cidade dos Sonhos" (2001) e "Império dos Sonhos" (2006), o bom “Veludo Azul” (1986), o mediano "Coração Selvagem" (1990), os curiosos "Eraserhead" (1977) e “What Did Jack Do?” (2017) e o não tão interessante “Duna” (1984). Assisti também ao seriado "Twin Peaks" (1990-2017) feito em parceria com Mark Frost.
O longa é uma prequela da série de televisão "Twin Peaks" que foi ao ar inicialmente nos anos 1990 e 1991. Como a série foi cancelada por falta de audiência devido a desentendimentos de Lynch com um executivo da TV, Lynch resolveu aproveitar a história desenvolvida no seriado – sobre o assassinato de uma jovem moradora da cidade americana de Twin Peaks – para fazer esse longa que se passa temporalmente antes do seriado.
Nele vamos ver como começou a investigação do FBI sobre o assassinato de Teresa Banks (Pamela Gidley) – ela é citada no seriado - e, em seguida, vamos saber como foram os últimos sete dias da vida de Laura Palmer (Sheryl Lee), uma estudante popular, porém problemática, do ensino médio.
O site Wikipédia nos conta que embora a maior parte do elenco [do seriado] tenha reprisado seus papéis no filme, muitas cenas relativamente leves com moradores da cidade foram cortadas. Além disso, o astro principal da série, Kyle MacLachlan (Dale Cooper), pediu que seu papel fosse reduzido, e a personagem Donna Hayward, interpretada por Lara Flynn Boyle, não quis prosseguir, então foi substituída por Moira Kelly.
Sherilyn Fenn (que interpretava Audrey Horne no seriado) e Richard Beymer (que fazia o papel de Benjamin Horne) também não quiseram participar do filme. As ausências foram inicialmente atribuídas a conflitos de agenda, no entanto, Fenn acrescentou em 1995 que não quis retornar porque "estava extremamente decepcionada com a maneira como a segunda temporada saiu dos trilhos".
"Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer" estreou no Festival de Cinema de Cannes de 1992 na competição pela Palma de Ouro. O filme foi notoriamente polarizador: Lynch disse que o filme foi vaiado em Cannes, e a imprensa americana em geral o criticou. O filme foi controverso por sua representação franca e vívida do relacionamento entre pai e filha, sua relativa ausência de personagens favoritos dos fãs e seu estilo surrealista. O filme foi um fracasso de bilheteria na América do Norte, mas se saiu melhor no Japão e na França. Devido à má recepção, os planos para uma sequência foram [a princípio] abandonados.
Lynch e Mark Frost [que dirigia a série junto com Lynch] só receberam financiamento para produzir uma terceira temporada da série de TV bem depois desse filme, em 2017. E apenas em 2019, o British Film Institute reviu o longa e o classificou como o quarto melhor filme da década de 1990.
O que disse a crítica: Renato Cabral do site Papo de Cinema avaliou com 2,5 estrelas, ou seja, regular. Disse: "Um tanto repudiada pelos fãs mais fervorosos do diretor, a produção começa quando dois detetives recebem a missão de investigar a morte de Teresa Banks, ela que tinha um estilo de vida similar ao de Laura. De uma hora para outra, porém, Lynch decide esquecer a investigação de Teresa para entrar no mundo de Laura. Não existem grandes sutilezas, o diretor pouco se importa com pontos soltos ou em retornar mais à frente aos personagens da trama inicial. É uma introdução desleixada da parte de Lynch, já que ele não a desdobra ou a explora da melhor forma possível. Não são cenas de uma apresentação gratuita, mas, vistas no geral, acabam soando enfadonhas e mal trabalhadas".
Luiz Santiago do site Plano Crítico avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Escreveu: " A nossa sorte é que mesmo diante do caos, há informações valiosas fornecidas ao público da série, porém, quem nunca viu o programa simplesmente estará diante de um enigma. Este é um filme para iniciados e isso faz dele uma porta de entrada para a discussão de alguns mistérios de 'Twin Peaks'. Pena que a intenção inicial, de ser um 'primeiro contato' para novos espectadores, não tenha sido alcançada. A despeito disso, a obra ainda é uma marca interessante na filmografia de David Lynch".
O que eu achei: David Lynch, com seu talento inconfundível para transitar entre o onírico e o perturbador, entrega em "Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer" uma obra que transcende a simples ideia de um filme derivado de série. Realizado logo após o cancelamento da segunda temporada do seriado "Twin Peaks" (1990-1991), o longa não é um epílogo, mas um mergulho visceral naquilo que a televisão apenas insinuou: a tragédia íntima e sufocante de Laura Palmer, figura central do mistério que cativou milhões de espectadores. É fundamental assistir às duas temporadas do seriado antes de encarar o filme, pois apenas assim é possível compreender toda a carga emocional e a complexa rede de simbolismos que Lynch orquestra aqui. O filme, em vez de responder a todas as perguntas deixadas pelo seriado, aprofunda-se no terror psicológico e na atmosfera de pesadelo, mostrando sem filtros a espiral de desespero e vulnerabilidade que levou Laura ao seu destino fatal. A direção de Lynch brilha ao equilibrar momentos de beleza melancólica com explosões de horror surreal, criando uma experiência cinematográfica única. A fotografia de Ron Garcia e a trilha sonora hipnótica de Angelo Badalamenti contribuem para uma imersão total, transformando a história de Laura numa espécie de lamento trágico envolto em mistério e dor. Sheryl Lee, no papel de Laura Palmer, oferece uma performance extraordinária, carregada de emoção e intensidade, que amplia tudo o que sabíamos sobre a personagem. Se na série Laura era um enigma, aqui ela ganha vida, humanidade e um peso dramático raramente visto em personagens antes apenas idealizados pela narrativa. Mais do que um complemento ao seriado, "Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer" é um capítulo essencial para compreender a obra de David Lynch como um todo. É um filme que desafia o espectador, que exige entrega total e que permanece na mente muito depois de sua conclusão. Uma obra-prima sombria e inesquecível, feita para ser vista após as duas temporadas, e que transforma a mitologia de "Twin Peaks" em algo ainda mais profundo e arrebatador.