18.3.24

“Através de um Espelho” – Ingmar Bergman (Suécia, 1961)

Sinopse:
Karin (Harriet Andersson), seu esposo Martin (Max von Sydow), seu pai David (Gunnar Björnstrand) e seu irmão Minus (Lars Passgård) estão em uma ilha. Eles comemoram o retorno da jovem após ser liberada de um tratamento no hospital - ela sofre de esquizofrenia - e também o fato de David retornar da Suíça, após isolar-se para escrever seu novo livro.
Comentário: Ingmar Bergman é um diretor de cinema sueco famoso pela abordagem psicológica que ele dá a seus filmes. Já assisti dele 17 filmes, mas sua produção engloba em torno de uns sessenta.
Rubens Ewald Filho do site UOL Cinema nos conta que “apesar de ter ganho o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (por sinal, pelo segundo ano consecutivo) [este filme] ficou inédito nos cinemas brasileiros, esta que é uma das obras-primas do genial diretor sueco, primeira parte de um trilogia que foi chamada de ‘O Silêncio de Deus’ [alguns chamam de Trilogia do Silêncio]. Com apenas quatro atores (quase um filme de câmara, como um quarteto de cordas e a música que se usa é de Bach), um único lugar (uma ilha na costa sueca), ele faz uma meditação profunda sobre o sentido da existência humana. Sempre usando a perfeita fotografia de Sven Snykvist, exemplar em enquadramentos e uso da luz, ele nos envolve aos poucos no drama daquela mulher que, desesperada, busca refúgio no irmão (com quem tem um encontro [quase] incestuoso) e nos pequenos ruídos, que a levam até um sótão onde por trás da porta de um armário pensa encontrar Deus (ou seria uma aranha que a devora? Ou será que sabe de algo que os normais desconhecem?). O filme coloca a figura paterna do escritor (que pode ser ruim, mas é bem sucedido) também como de um homem frio e até cruel (que pensa em observar a filha e anotar os detalhes da doença para depois usar num livro), mas que pode fornecer a chave para encontrar aquele Deus a que todos buscam com tanto fervor: é o Amor, seria sua resposta. (Ele diz: ‘Deus existe no amor, qualquer tipo de amor, talvez Deus seja amor’). Sem fazer sermões, ou ser escandaloso, vemos quatro personagens desesperados em busca de uma resposta, vivendo na trágica ilusão humana de que se não existe Deus, é preciso criá-lo. Nada disso porém é óbvio, conforme o estilo sintético mas profundo do diretor. (...) O título deriva de uma passagem da Bíblia (Atos do Apóstolos aos Corinthios, XII 12) e foi rodado na ilha de Faro”.
O que disse a crítica: Demetrius Cesar do site Cineplayers avaliou com 4 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “Entre embates verbais ríspidos, planos de tirar o fôlego e uma sobriedade de direção que fizeram o nome de Bergman figurar como um dos maiores do cinema, a trama segue seca, precisa e áspera. O diretor arranca, como de hábito, fenomenais interpretações dos atores. É um filme assustador, que fica na memória e causa enorme desconforto mesmo muito tempo depois de ser visto. Enfim, simplesmente essencial”.
Robledo Milani do site Papo de Cinema avaliou com 4 estrelas e meia. Disse: “Após ganhar seu primeiro Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1961 por ‘A Fonte da Donzela’ (1960), Ingmar Bergman bisou a vitória no ano seguinte com ‘Através de um Espelho’, derrotando concorrentes da Dinamarca, Espanha, México e Japão. Com meros e enxutos 90 minutos de duração, este impressionante estudo sobre a demência, as relações familiares e o ímpeto artístico como fuga da realidade é importante dentro da obra do cineasta também por ser o primeiro capítulo daquela que ficou conhecida como ‘Trilogia do Silêncio’, composta ainda pelos extraordinários ‘Luz de Inverno’ (1963) e ‘O Silêncio’ (1963), filmes que ficaram marcados pelo intenso olhar proporcionado sobre a crise de fé do homem moderno. Um capítulo arrebatador não apenas da cinematografia sueca, mas também na própria história cultural da humanidade”.
O que eu achei: Eu gostei. Não é do nível de obras como "Morangos Silvestres" (1957), "O Sétimo Selo" (1957), "Persona" (1966), "O Ovo da Serpente" (1977) ou “Sonata de Outono” (1978) - todas verdadeiras obras-primas -, mas é um bom trabalho, com estupendas interpretações, em especial da protagonista Harriet Andersson que encarna uma esquizofrênica. Não é um filme leve, longe disso, mas ele entrelaça com maestria religião, psicologia e psicanálise. O título do filme - “Através de Um Espelho” - faz referência a uma passagem bíblica do Capítulo 13 de I Coríntios, que diz algo como “Agora vemos através de um espelho e de maneira confusa, mas depois veremos face a face“, ou seja, ele se refere especificamente à Deus que a personagem de Karin acredita ter visto em determinado momento da trama. Dizem que Bergman era ateu, mas nesse filme ele deixa transparecer que talvez Deus seja um sentimento chamado amor.

17.3.24

“Ficção Americana” - Cord Jefferson (EUA, 2023)

Sinopse:
O autor Thelonious "Monk" Ellison (Jeffrey Wright) fica irritado depois que um de seus trabalhos não foi aceito pelas editoras e sua carreira parece estar estagnada já que sua obra não é considerada "negra o suficiente". Enquanto isso o livro “We's Lives in Da Ghetto”, de Sinatra Golden (Issa Rae), chega à lista dos mais vendidos, deixando o autor em crise ainda mais frustrado. Ao perceber o tipo de conteúdo que o público parece estar interessado, Thelonious decide escrever um romance satírico sob pseudônimo na intenção de expor as hipocrisias do mundo editorial.
Comentário: Cord Jefferson (1982) é um escritor e cineasta estadunidense nascido no Tucson, Arizona. Filho de mãe branca e pai negro, seu avô materno ficou chocado com a escolha de sua filha de se casar com um homem negro e excluiu ela e seu neto de sua vida. Os pais de Jefferson se divorciaram quando ele tinha 14 anos, após o primeiro ano do ensino médio. Ele trabalhou como escritor, produtor, editor e consultor de diversas séries. Sua estreia na direção de longas-metragens se deu com este filme - “American Fiction” (2023).
Jorge Roberto Wright do site Meu Valor Digital nos conta que o filme “é baseado no romance ‘Erasure’ [Apagamento] de Percival Everett, de 2001, o [enredo] segue um professor-romancista frustrado que escreve um livro estranhamente estereotipado por despeito, apenas para que seja publicado e receba fama e aclamação generalizadas. [Isso porque] o autor Thelonious ‘Monk’ Ellison (Jeffrey Wright) fica irritado depois que um de seus trabalhos não foi aceito pelas editoras e sua carreira parece estar estagnada pois sua obra não é considerada ‘negra o suficiente’. Enquanto isso, o livro ‘We’s Lives in Da Ghetto’ [Vivemos no Gueto], de Sinatra Golden (Issa Rae), chega à lista de mais vendidos, deixando o autor em crise ainda mais frustrado. Ao perceber o tipo de conteúdo que o público está interessado, Thelonious decide escrever um romance satírico sob pseudônimo na intenção de expor as hipocrisias do mundo editorial”.
O cineasta, que começou sua carreira como jornalista, declarou que há uma percepção restrita sobre como é a vida negra e sobre as histórias que as pessoas esperam que elas contem. Então, quando ele começou a trabalhar com o cinema, ele achou que se libertaria disso, só que não.
O filme concorreu ao Oscar nas seguintes categorias: Melhor Filme, Melhor Ator (Jeffrey Wright), Melhor Ator Coadjuvante (Sterling K. Brown), Melhor Roteiro Adaptado (Cord Jefferson), Melhor Trilha Sonora (Laura Karpman). Levou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.
O que disse a crítica: Marcelo Müller do site Papo de Cinema avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Escreveu: “Desde que se tornou uma espécie de mantra repetido na nossa contemporaneidade, o tópico ‘diversidade’ também virou uma comodity valiosa. Os mecanismos capitalistas compreenderam a demanda crescente e fomentam a oferta para satisfazê-la, assim produzindo fenômenos de massa que muitas vezes perdem em contestação por conta da intenção mercadológica. Mas, numa realidade como a nossa, é possível atingir qualquer alcance maior se ignorarmos as lógicas de mercado? Ou, por menor que seja a ressonância esperada, sempre estaremos submetidos às engrenagens do capitalismo, cuja tendência é embalar os discursos para consumo?”. Müller acredita que “’Ficção Americana’ poderia se embrenhar mais entre as camadas da representação, questionando realidade, imaginação e invenção, uma vez que estamos falando de um filme exatamente sobre o ato de criar”. Para ele, o personagem “Monk [é apresentado] como um homem ora correto, ora absolutamente equivocado, mas [o filme] não mergulha nessa sua ambivalência. É um filme bonitinho sobre assuntos espinhosos, uma comédia inquisidora, mas contemporizadora demais”.
Guilherme Jacobs do site Chippu avaliou com 3,5 estrelas. Disse: “’Ficção Americana’ claramente defende uma gama maior de narrativas negras, mas em momento algum somos levados a acreditar que Monk está 100% certo em seu descarte do gueto, das ruas e da violência. Essa é, afinal, a vida de muitos negros. Com exceção [de uma única cena] (...), Jefferson não explora as contradições fascinantes levantadas por sua obra e seu protagonista, mantendo as (boas) piadas apenas na superfície. O humor nunca corta fundo demais. Por isso, a conclusão metalinguística, uma que admite a dificuldade de finalizar o próprio filme, por mais curiosa e excêntrica que seja, ainda decepciona. Ela é embasada nos dilemas profissionais de Monk e em questões não resolvidas levantadas por Jefferson, e portanto falha na hora de oferecer resolução (ou até se apoiar na falta dela)”.
O que eu achei: Uma vez ouvi um desses pensadores contemporâneos dizer que quando a Natura decide criar produtos autossustentáveis vendidos em embalagens recicláveis ou a Dove resolve que agora os seus produtos são “para todo tipo de mulher” isso surge, menos motivado por uma preocupação direta com o meio ambiente e com a diversidade e mais por verem, dentro de uma lógica de mercado capitalista, uma comodity, ou seja, algo para ganhar dinheiro em cima. Lembrei muito disso quando vi esse filme. Afinal as editoras e mesmo o cinema também já entenderam que esse assunto dá ibope pois há muita gente no mundo preocupada com essas questões. O interessante aqui é que, mesmo sendo um assunto sério e complexo, o filme é revestido de humor, tornando tudo mais leve e engraçado. O personagem principal, que é um escritor negro, está com sua carreira estagnada pois sua obra não é considerada “negra o suficiente”. Enquanto isso, a romancista negra Sinatra Golden estoura em vendas e fama lançando um livro estereotipado que todo mundo quer comprar. O filme, como disse a crítica, ao mesmo tempo que defende uma gama maior de narrativas negras, não se aprofunda tanto e nem apresenta soluções, mas levantar essa questão com tanta leveza já me parece um grande feito. O final, aliás, não poderia ser melhor. Não quero dar spoiler aqui, mas vale prestar muita atenção nos três finais possíveis que são sugeridos pelo escritor para um cineasta branco que vai adaptar para o cinema uma de suas obras. Essa finalização - que é também o final do próprio filme que estamos vendo - é tragicômica. Uma sátira fresca, inteligente, perspicaz, incisiva e afiada que vale ser vista.

10.3.24

“Sob Suspeita” - Sidney Lumet (EUA/Alemanha, 2006)

Sinopse:
O mafioso Jackie DiNorscio (Vin Diesel) é preso sob a acusação de tráfico de drogas. Ele se recusa a testemunhar contra seus antigos companheiros da família Lucchesi, pois não quer dedurar amigos que tanto ama. Quando um promotor ambicioso o traz de volta ao tribunal, ele próprio decide se defender, sem a ajuda de um advogado. Isso é inicialmente visto com descrença, mas a sua marcante presença e seu conhecimento da lei podem mudar o rumo do julgamento.
Comentário: Sidney Lumet (1924-2011) foi um cineasta americano que dirigiu mais de 50 filmes. Assisti dele apenas um chamado "Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto" (2007), excelente por sinal. Desta vez vou encarar “Sob Suspeita” (2006), o penúltimo filme rodado pelo diretor.
Daniel Fontana do site Formiga Elétrica nos conta que o filme é “sobre a história real do julgamento federal mais longo [dos EUA], envolvendo múltiplos acusados da máfia italiana. O personagem principal desse episódio singular foi o mafioso Giacomo “Jackie Dee” DiNorscio, que optou por fazer sua própria defesa durante os 21 meses em que foi um dos réus na corte, mesmo não tendo nenhum tipo de instrução em direito, nem mesmo estudado muito na vida. Parece um papel bastante atraente para qualquer ator, e ele acabou caindo no inesperado colo de Vin Diesel. (...) Consta no IMDB que sua presença foi uma indicação do verdadeiro Jackie DiNorscio, que morreu durante a produção do filme. (...) O filme começa com um atentado fracassado contra DiNorscio, em sua própria casa e cometido por seu próprio primo. O caso complica sua condição de liberdade condicional, pois ele se nega a acusar o culpado. Pego em flagrante numa transação de drogas, é condenado a uma pena de trinta anos. O promotor lhe oferece um acordo em troca da redução da pena, pois ele e muitos dos seus colegas criminosos serão julgados ao mesmo tempo, graças à lei federal R.I.C.O., que prevê condenações baseadas em acusações de conspiração. Jackie, que já havia evitado delatar seu primo, se nega a ajudar e passa pelo mesmo processo com os outros. A diferença é que ele havia demitido o advogado e assume sua própria defesa como a lei do Estado permite. Debochado e sem muito a perder, sendo o único do grupo que já cumpre pena por outro crime, o personagem procura ganhar a simpatia dos jurados como pode, mesmo que acabe atrapalhando o trabalho dos verdadeiros advogados”.
Para se parecer com o mafioso, Vin Diesel precisou ganhar mais de quinze quilos, além de se submeter a horas de maquiagem.
O que disse a crítica: Silvio Pilau do site Cineplayers avaliou com 3,5 estrelas, ou seja, bom. Escreveu: “Além de se tratar de uma história real, a narrativa é construída de forma a fazer o espectador ficar do lado de DiNorscio e sua equipe, esperando por um veredito de inocente. De certa forma, o vilão do filme é o promotor. É uma abordagem que pode causar repulsa a alguns, mas que encontra sua justificativa quando se analisa que o filme nada mais é do que a visão dos próprios criminosos sobre o caso. Lumet jamais atesta o fato de os réus estarem corretos em suas atitudes, apenas conta a história a partir do ponto de vista deles. (...) ‘Sob Suspeita’ está longe de ser uma obra-prima, mas não deixa de ser reconfortante ver o responsável por clássicos como ‘Doze Homens e uma Sentença’, ‘Serpico’ e ‘Um Dia de Cão’ realizar, mais uma vez, um filme realmente digno de recomendação”.
Gilberto Silva Jr. do site Contracampo gostou muito. Segundo ele, neste filme Lumet subverte alguns princípios básicos de seus filmes anteriores já que, desta vez, o protagonista é um mafioso que nunca deixa de ser apresentado como criminoso e a quem não se procura escamotear os delitos que cometera no passado, justamente o oposto do herói ‘lumetiano’ clássico. Outra surpresa foi ele escalar Vin Diesel, astro de filmes pouco valorizados, no papel principal, sendo que nos anteriores ele sempre optou por atores virtuosos e consagrados como Al Pacino e Paul Newman. Sobre o filme em si ele diz: “nada supera a coragem de se retratar de forma gloriosa, quase catártica, a absolvição de um bando de mafiosos perigosos, por um júri declaradamente de saco cheio. A sequência da saída do tribunal é igualmente inspirada e debochada e antecipa brilhantemente a conclusão de um filme que beira o niilismo ao sugerir que, dentro do atual estado das coisas na sociedade americana, o último bastião da preservação dos valores tradicionais da honra e da família estariam justamente nos criminosos”.
O que eu achei: O filme se baseia numa história real ocorrida nos anos 80 nos EUA, de um mafioso chamado Jackie DiNorscio que, após pegar 30 anos de prisão por tráfico de drogas, demite seu advogado e, sem muita instrução em Direito, resolve se autodefender. É um filme de tribunal com bastante falatório que ficou muito prejudicado pela péssima versão dublada que assisti no streaming da Amazon Prime. Outro ponto negativo foi ver Vin Diesel no papel principal. Dizem que Sidney Lumet o chamou após o próprio mafioso dizer que gostaria desse ator lhe representando. O interessante aqui é saber que o mafioso obteve sucesso nesse julgamento que é considerado um dos mais longos da história dos EUA. Conta-se que levou 21 anos para ser finalizado. O caso real ocorreu em agosto de 1985. As autoridades de Nova Jersey indiciaram Anthony Accetturo, Martin e Michael Tattiva, além de dezoito dos homens da família Lucchese que comandavam uma facção criminosa em Jersey, mas que tinha sede em Nova York. Essa foi a primeira vez em Nova Jersey que uma família inteira do crime organizado foi indiciada num único processo. O final - que não é um spoiler por se tratar de uma história real amplamente divulgada pela mídia - mostra Jackie DiNorscio cumprindo apenas 17 anos e meio dos 30 a que havia sido condenado, sem jamais cooperar com a Promotoria Federal contra o crime organizado. Ele simplesmente consegue a façanha de, com seu carisma, fazer o júri desconsiderar montanhas de evidências contundentes. Jackie morreu aos 64 anos durante a produção desse filme. É uma daquelas histórias em que a realidade dos fatos supera a ficção.

“Pobres Criaturas” - Yorgos Lanthimos (EUA, 2023)

Sinopse:
Victoria (Emma Stone) cometeu suicídio, mas algo muito inesperado aconteceu com ela. Graças à mente brilhante e controversa do cientista Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), Victoria foi trazida de volta à vida passando a se chamar Bella Baxter. Agora, tudo o que ela mais deseja é descobrir o mundo. O que seu guardião não imaginava era que a jovem ressuscitada fugiria com um advogado (Mark Ruffalo) para uma dramática jornada de autodescoberta.
Comentário: Yorgos Lanthimos (1973) é um cineasta, produtor e roteirista grego. Já assisti dele 5 filmes: as obra-primas "O Lagosta" (2015) e “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017), os ótimos “Dente Canino” (2009) e "A Favorita" (2018) e o bom “Alpes” (2011).
Desta vez, Lanthimos vai nos contar a história de Bella, uma personagem feminina grávida que se joga de uma ponte. Baseado no livro homônimo de Alasdair Grey que referencia o clássico “Frankenstein”, o filme mostra um cientista esquisito e brilhante chamado dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), que encontra seu corpo e resolve fazer o experimento de transplantar o cérebro do bebê para o corpo da mãe e depois reanimá-la. O resultado é uma mãe-filha, que não é exatamente nem uma nem outra. Bella vai chamar o dr. Godwin apenas de God, o que vem a calhar, já que ela é a criatura e ele, o criador.
Fabiane Secches da Revista Cult nos conta que “O livro traz diferentes perspectivas e formas narrativas para contar a história (...): de desenhos anatômicos a mapas, passando por trechos escritos à mão. Ainda que a fidelidade à obra original não seja critério de aferição de qualidade de uma adaptação, Lanthimos, com a ajuda do roteirista Tony McNamara, consegue transpor para a tela esses elementos de forma integrada e harmoniosa. A única perda significativa é que Bella, no romance de Gray, também poderia ser lida como uma representação da Escócia como era vista pelo autor. Já Lanthimos escolheu a Inglaterra como ponto de partida de seu ‘Pobres Criaturas’. (...) Há outras referências importantes, sendo a mais óbvia ‘Frankenstein’ (1818), de Mary Shelley. Dessa vez, no entanto, a criatura é uma mulher. E essa diferença é explorada com complexidade pelo diretor e por Emma Stone, que está impecável no papel”.
Secches também nos conta que “em uma das premiações que recebeu pelo papel, Emma Stone disse que considera o filme uma comédia romântica: Bella se apaixona pela vida, e isso é um caminho sem volta. Descobrimos que a mulher que vivia no seu corpo antes, Victoria, não conseguiu vencer os obstáculos que se colocaram em seu caminho. Casada com um homem possessivo e conservador, a vida para Victoria perdeu todo colorido que Bella agora enxerga no mundo e do qual quer desfrutar vividamente”.
O filme, como tudo o que Lanthimos faz, foge bastante do convencional. Ele já abocanhou diversos prêmios, dentre eles, Melhor Filme de Musical ou Comédia e Melhor Atriz em Musical ou Comédia (Emma Stone) no Globo de Ouro. Agora está indicado a 11 categorias do Oscar: Melhor Filme, Melhor Direção (Yorgos Lanthimos), Melhor Atriz (Emma Stone), Melhor Ator Coadjuvante (Mark Ruffalo), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Trilha Sonora, Melhor Figurino, Melhor Design de Produção, Melhor Montagem, Melhor Fotografia e Melhor Maquiagem e Cabelo.
O que disse a crítica: Barbara Demerov da Revista Veja avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “A protagonista levanta questionamentos sobre individualidade, gênero e empoderamento sexual. (...) Bella vive uma dualidade entre se libertar dos homens e se submeter às vontades deles em busca de sua independência. Independentemente de pautas sociais, o filme constrói o retrato de uma jovem inexperiente enfrentando e reagindo aos dilemas do viver. O arco da personagem pode ser claramente visualizado por meio da atuação espetacular de Emma Stone. O modo de falar, os trejeitos e até o sotaque britânico (a atriz é norte-americana) são certeiros e mostram seu entusiasmo pelo papel. O estilo já característico de direção de Yorgos Lanthimos contribui para a criação de uma atmosfera fantástica. Por meio de recursos visuais e sonoros, como o uso de lentes ampliadoras e trilhas excêntricas, o espectador faz um verdadeiro mergulho à personagem e à trama”.
Bruno Botelho dos Santos do site Adoro Cinema avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Temos [no filme] uma exploração intelectual da protagonista, quando conhece diferentes perspectivas do mundo real (em aspectos positivos ou negativos), assim como de sua sexualidade – que é uma parte fundamental do filme, desde sua descoberta até vivenciar livremente seus desejos. Em tempos que as redes sociais discutem se as cenas de sexo são necessárias ou não nas narrativas, Yorgos não tem pudor em mostrá-las e, mais importante, faz sem um olhar moralista ou fetichista sobre a protagonista feminina. (...) Inclusive, a escolha de ambientação do filme na Era Vitoriana não é uma mera coincidência no enredo, já que o período entre 1837 e 1901 no Reino Unido ficou marcado pelo conservadorismo, quando as mulheres eram discriminadas e marginalizadas socialmente”. E finaliza dizendo tratar-se de “ uma verdadeira odisseia deslumbrante e excêntrica”.
O que eu achei: Sabe aqueles filmes tipo “Mãe!” do Aronofsky que você ou ama ou odeia? É o caso deste. Eu, que sou fã de carteirinha de “Mãe!”, terminei de assistir a este “Pobres Criaturas”, com o mesmo encantamento do outro. Ambos, para mim, duas obras-primas. O enredo é como uma versão feminina de “Frankenstein”, no qual Willem Dafoe, excelente como sempre, interpreta algo como um Victor Frankenstein, o médico que cria diversos seres modificados como o pato-cachorro, por exemplo. Meu marido, na hora, lembrou do filme “A Ilha do Dr. Moureau”, inspirado no livro de H. G. Wells. A humana modificada fica a cargo da Emma Stone interpretar. Com um cérebro de criança num corpo feminino, a personagem convence nos trejeitos infantis que, ao longo da trama, vão evoluindo para um interesse sexual sem filtros. Há no filme muitas cenas de nudez e sexo, o que pode afastar parte da plateia, mas tudo isso corrobora com os temas aqui tratados como a pobreza, a prostituição, o feminismo e os relacionamentos abusivos. Creio que ela tenha grandes chances de ganhar o Oscar de Melhor Atriz. O visual do filme é outro ponto forte. Há diversas passagens bem deformadas registradas com lentes grande-angular olho-de-peixe. Parte dele é rodada em P&B e parte num colorido bem artificial, que combina fortemente como o realismo fantástico que o universo da trama nos apresenta. Atenção à pegada retro-futurista (elementos futuristas dentro de uma trama que se passa na era vitoriana), à trilha sonora bem elaborada, à cantora portuguesa Carminho interpretando o fado “O Quarto” e à cena impagável da dança entre Bella e seu amante (interpretado pelo Mark Ruffalo). Imperdível.

4.3.24

“Milagre em Milão” – Vittorio De Sica (Itália, 1951)

Sinopse:
Uma mulher (Emma Gramatica) adota um bebê abandonado em sua horta. Depois de sua morte, o garoto (Gianni Branduani) é enviado para o orfanato. Ao completar 18 anos, Totò (Francesco Golisano) vai para Milão, onde passa a morar num terreno ocupado por miseráveis, mudando a vida de todos com sua bondade.
Comentário: Vittorio De Sica (1901-1974) foi um dos mais importantes diretores e atores do cinema italiano. O site Wikipédia nos conta que como ator ele estreou em 1932, no filme “Dois Corações Felizes”. Como diretor sua estreia foi em 1939, com o filme “Rosas Escarlates”. Em 42 anos de carreira ele recebeu quatro prêmios Oscar de Melhor Filme Estrangeiro: em 1948 por “Vítimas da Tormenta”, em 1950 por “Ladrões de Bicicletas”, em 1965 por “Ontem, Hoje e Amanhã”, e em 1972 por “O Jardim dos Finzi-Contini”. Vi dele a obra-prima “Ladrões de Bicicletas” (1948) e o ótimo “Humberto D” (1952).
Segundo Nuno Gonçalves do site À Pala de Walsh, “’Milagre em Milão’ é o sexto encontro de De Sica e Cesare Zavattini, parceria artística que começou em ‘A Culpa dos Pais’ (1943). O binômio De Sica – Zavattini é um dos melhores exemplos de simbiose entre realizador e argumentista que marcam a história do cinema. Baseado no romance ‘Totò Il Buono’ de Zavattini, o filme de De Sica, em tom de fábula, começa com uma obra dos céus: Totò, um bebé milagrosamente nascido entre as couves do quintal da velha senhora Lolotta. Um anjo, um santo, mais tarde dirão. Após a morte da mãe adotiva, Totò é levado para um orfanato, onde no momento seguinte, como se de um truque de magia se tratasse, vemo-lo sair já como um jovem adulto. O seu único pertence, uma pequena bolsa, é roubada, mas ele acaba por travar amizade com o ladrão que em gesto de agradecimento a Totò por este lhe presentear de volta o objeto do furto ao qual se afeiçoou, cede o seu minúsculo aposento de latão para passarem a noite e se abrigarem do frio. Este pequeno acidente encaminha Totò até à sua futura comunidade (...)”.
Gonçalves diz que “’Milagre em Milão’ vive de uma certa aura onírica. (...) [Há] elementos que conferem ao filme um laivo de sonho, mas é também uma pista para o apelo maior de De Sica ao convidar cada um de nós para participarmos desse sonho e, também nós, projetarmos no filme os nossos próprios desejos”.
O filme foi premiado com a Palma de Ouro em Cannes e como Melhor Filme Estrangeiro pelos críticos de Nova York.
O que disse a crítica: Rubens Ewald Filho no Especial para o UOL Cinema avaliou o filme com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “Desde as primeiras cenas já parece que é uma fábula, com ‘era uma vez’ e tudo. (...) É curioso como De Sica, um diretor neorrealista, envereda aqui pela fantasia, buscando num milagre uma solução para os problemas sociais. Há pouco diálogo, atores amadores, momentos de pura poesia, talvez um pouco chaplinianos (como no começo, quando os pobres se unem todos em busca, literalmente, de um lugar ao sol de inverno). Na segunda parte, se torna ainda mais delirante, sem perder, porém, seu charme e encanto. Um belo e encantador filme, um sonho proletário”.
Pedro Roma do site Plano Crítico avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Lembrado por sua sequência final, em que a classe operária chega ao paraíso da maneira mais lúdica possível (...) essa que é uma das obras-primas do diretor não foi ovacionada em Cannes somente por uma sequência ou duas. De estrutura impecável, roteiro primoroso e atuações muito carismáticas não há como evitar um sorriso ao vê-lo, sem se deixar cair para o lado panfletário, exagerado ou mesmo bobo é um filme que há mais de 50 anos vale a pena ser revisto”.
O que eu achei: Não espere nada do nível de “Ladrões de Bicicletas” (1948) ou “Humberto D” (1952). Este é um filme daqueles bem ingênuos, onde a bondade do protagonista Totò prevalece trazendo ao enredo um tom de fábula. Há muita criatividade e cenas divertidas, com montagens fantasiosas - que hoje em dia seriam produzidas facilmente com o auxílio da informática - feitas, em 1951, da forma mais rudimentar possível. O roteiro, assinado por seu habitual colaborador Cesare Zavattini, procura balancear as sequências de ameaça social com a típica e leve comédia italiana. É um filme para rir das próprias desgraças. Pode reunir a família na sala, crianças e idosos, que todos irão se divertir.

3.3.24

“Zona de Interesse” – Jonathan Glazer (EUA/Polônia/Reino Unido, 2023)

Sinopse:
Segunda Guerra Mundial. Rudolf Höss (Christian Friedel), o comandante de Auschwitz, e sua esposa Hedwig (Sandra Hüller), desfrutam de uma vida aparentemente comum e bucólica, em uma casa com jardim. Mas por trás da fachada de tranquilidade, a família feliz vive, na verdade, ao lado do campo de concentração de Auschwitz. O dia a dia destes personagens se desenrola entre os gritos abafados de desespero de um genocídio em curso, do qual eles também são diretamente responsáveis.
Comentário: Jonathan Glazer (1965) é um cineasta, diretor e roteirista inglês. Nascido em Londres, Glazer começou a sua carreira no teatro antes de fazer a transição para o cinema. São dele os longas: "Sexy Beast" (2000), "Birth" (2004) e "Under the Skin" (2013). “Zona de Interesse” (2023) é o primeiro filme que vejo dele.
O filme foi inspirado pelo romance homônimo escrito pelo autor Martin Amis no ano de 2014. Conta a história real de Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz, e a esposa, Hedwig, que desfrutam de uma vida aparentemente bucólica em uma casa com um jardim ao lado do campo de concentração.
O site do IMS nos diz que, além do livro, “o filme teve também como ponto de partida a casa em que moravam Rudolf Höss, comandante do campo de concentração de Auschwitz, sua esposa Hedwig e seus filhos. ‘Visitei a casa e o jardim, que não é exatamente como era na época. Mas ele ainda existe’, conta Glazer. ‘E, estando lá, naquele espaço, o que me impressionou foi a proximidade com o campo. A casa compartilhava uma parede com Auschwitz. Tudo estava acontecendo bem ali, do outro lado do muro. E o fato de um homem ter vivido ali e ter criado sua família ali… Como você faz isso?’
‘Jon [Jonathan Glazer] me enviou o roteiro e me lembro de tê-lo lido e ficado completamente impressionado com ele’, comenta Lukasz Zal, diretor de fotografia do filme. Eu nunca tinha visto esse tipo de abordagem em um filme sobre o Holocausto. Não era a abordagem de Hollywood para esse tipo de história, que, na minha opinião, muitas vezes pode fetichizar essa história, mesmo quando se trata de como os personagens são mostrados, como os uniformes são retratados, até mesmo o uso de cores e sombras escuras. Aqui, Jonathan queria que tudo fosse brilhante e claro, tudo parecendo tão agradável, leve e normal. Lembro-me de ler isso e pensar: Eu quero fazer isso. Quero fazer esse filme porque nunca vi nada parecido antes, e ele vai ao cerne de algo que me interessa muito, que é porque as pessoas fazem o mal, como as pessoas podem tratar a matança como algo comum, como remendar um casaco ou varrer o chão’”.
Jorge Marin do site Tecmundo diz que “há duas histórias no filme: uma visual e outra sonora. A sonora começa logo na abertura e revela sons mecânicos, aterradores, do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde cerca de 1,5 milhão de pessoas foram executadas. Já a paisagem visual, mostra a casa do outro lado da rua, onde o diretor do campo de extermínio, Rudolf Höss (interpretado por Christian Friedel), vive com sua família. Colocados dentro do feliz lar nazista, ficamos oprimidos ao ver como aquela família fez de tudo para abafar os sons de gritos desesperados, choros e disparos barulhentos a apenas 100 metros de sua residência. Mas o que mais assusta é que se trata de uma história real”.
Ele nos conta que “quando a família Höss chegou à vila que passou a levar seu nome, um prédio de dois andares com um impecável jardim paisagístico, Rudolf havia sido nomeado comandante de Auschwitz, em maio de 1940. O local era apenas um antigo quartel do exército polonês que havia sido adaptado pelos nazistas para confinar presos políticos. Uma espécie de líder disruptivo, o comandante Höss revolucionou a instalação, aperfeiçoando e testando técnicas de extermínio em massa, que resultaram na construção de quatro grandes câmaras de gás e crematórios nos complexos de Auschwitz I, Auschwitz II e Birkenau. Com sua visão ‘empreendedora’, logo Höss foi promovido e substituído como comandante do campo em 1943. No entanto, sua esposa Hewig [interpretada por Sandra Hüller, a mesma de ‘Anatomia de Uma Queda’] continuou morando na vila, em companhia dos filhos Klaus, Heidetraud, Inge-Brigitt, Hans-Jürgen e Annegret. Em maio de 1944, o antigo comandante retornou a Auschwitz para supervisionar pessoalmente o assassinato de 400 mil judeus húngaros em menos de três meses. (...) O filme compartilha com os espectadores o dia a dia tranquilo e feliz da família Höss, que construiu seu paraíso terrestre no jardim à beira do lago, enquanto a 150 metros, a chaminé do crematório bombeava cinzas e fumaças para que o pai conseguisse bater suas ‘metas’. Autodenominada ‘rainha de Auschwitz’, Hedwig administrava a casa de forma rígida, colocando a organização doméstica acima de tudo, até mesmo do marido. Os filhos tiveram uma infância saudável, entre passeios de barco e brincadeiras na areia. A casa, espaçosa e bem mobiliada, foi reproduzida fielmente no filme, pelo designer de produção Chris Oddy”.
Fiquei me perguntando que fim teve esse comandante e li que ele foi enforcado em 1947. A esposa escapou, cinicamente garantindo não saber das atrocidades ao lado da própria casa.
O filme, que já abocanhou alguns prêmios como a Palma de Ouro em Cannes, concorre agora ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Direção (Jonathan Glazer), Melhor Filme Internacional (Inglaterra), Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som.
Aliás, sobre as indicações ao Oscar, você pode estar se perguntando, assim como eu, como um filme estrangeiro (neste caso a produção é inglesa) pode concorrer à Melhor Filme e à Melhor Filme Internacional? Já vimos isso anteriormente com o sul-coreano “Parasita” por exemplo, mas a pergunta persiste: produções internacionais não deveriam concorrer apenas à Melhor Filme Internacional? Em busca de uma resposta li no site Cine Ninja que “para o professor de audiovisual e gestor de projetos da AO3, Alex Vidigal, a resposta é simples: mercado. Ele lembra que para um filme produzido fora dos Estados Unidos romper a bolha e chegar à lista de indicados do Oscar [de Melhor Filme] é preciso um trabalho grande de distribuição”. Ou seja, significa que o trabalho de marketing foi muito bem feito. Outro fator que “fura a bolha” segundo ele, é o filme ter um “elenco de peso”, que chame a atenção da Academia. Resumindo, Melhor Filme e Melhor Filme Internacional são categorias que atualmente meio que se confundem.
O que disse a crítica: Guilherme Jacobs do site Chippu avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “Erguer um memorial só faz sentido se ele contar a história do lugar onde é firmado. Auschwitz nos revela como o mal é indiferente. A diabólica oposição a ver o próximo como humano foi o pilar do partido de Hitler, e ‘Zona de Interesse’ retrata essa crueldade justamente ao enxergar o que deveria ser a humanidade de seus personagens sendo apagada pelas circunstâncias onde se encontram. Nas mãos de Jonathan Glazer, é impossível deixar de lado o que aconteceu naquele campo de concentração precisamente porque ele coloca suas lentes no que aconteceu do lado de fora de seus muros, e não dentro deles”.
Bruno Botelho dos Santos do site Adoro Cinema avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveu: “Como todos os filmes sobre nazismo, ‘Zona de Interesse’ é uma experiência desconfortável. Mas seu diferencial é que Jonathan Glazer não comete o mesmo erro de muitas produções que espetacularizaram os horrores do Holocausto. O diretor foca em uma experiência sonora perturbadora vinda dos campos de concentração, sem precisar mostrar nada do que acontece, mas acompanhando a rotina de uma família que normalizou isso e vive tranquilamente do lado de Auschwitz enquanto vidas estão sendo tiradas do outro lado do muro. ‘Zona de Interesse’ é um estudo sobre o lado mais sombrio da humanidade e de nossa cumplicidade quando ignoramos ou naturalizamos certas ideologias. É também sobre a importância de manter vivo na memória os horrores do Holocausto”.
O que eu achei: A abertura em tela preta já anuncia o que virá pela frente: a banalidade do mal em toda sua essência. O diretor inglês Jonathan Glazer, que é judeu, relutou em contar essa história, demorou dez anos para tirar o filme do papel, mas com o avanço da extrema-direita no mundo achou que estava mais que na hora de mostrar que as pessoas que trabalharam para o Holocausto ocorrer poderiam ser seus vizinhos, amigos, parentes ou talvez até você mesmo. É o retrato dessa família feliz e normal o que mais interessa aqui, saber que eles não eram monstros, e isso é o mais aterrorizante. Assim vamos acompanhando o dia a dia da família Höss, composta pelo pai Rudolf, o comandante de Auschwitz, sua esposa Hedwig e seus cinco filhos vivendo numa linda casa ao lado do campo de concentração. A fotografia solar nos mostra a fumaça que sai das chaminés, enquanto crianças brincam na piscina de casa. Uma perspectiva um tanto diferente das que estamos acostumados a ver em filmes sobre o nazismo. Os sons aterradores é que mostram o que se passa muro afora. Essa abordagem única é o ponto alto do filme. Atenção às cenas em P&B mostrando uma empregada da casa que escondia comida no campo, essa cena anda de mãos dadas com o conto de “Hansel e Gretel”, dos Irmãos Grimm - que para nós brasileiros seria “João e Maria”, aquele famoso conto que as crianças deixam migalhas pelo chão para criar uma trilha na floresta e depois poderem voltar - que o pai amoroso conta para suas filhas. Atenção também às cenas que mostram o pessoal da manutenção dentro dos arquivos do Museu Estadual Auschwitz-Birkenau, que nos dizem que esta memória precisa ser preservada para nunca mais se repetir. Excelente pedida.

25.2.24

“Pedágio” - Carolina Markowicz (Brasil, 2023)

Sinopse:
 
Suellen (Maeve Jinkings) é uma mulher que leva uma vida simples trabalhando como cobradora de um pedágio. Um dia, ela percebe que pode usar o emprego como uma forma de fazer uma renda extra - mas de maneira ilegal. Ela decide arriscar, mas acredita ter um motivo muito bom para tal: o dinheiro seria totalmente destinado a uma caríssima “cura gay” para seu filho Tiquinho (Kauan Alvarenga), ministrada por um pastor estrangeiro (Isac Graça) muito conhecido.
Comentário: Carolina Markowicz (1982) é uma cineasta e roteirista brasileira. Ela escreveu e dirigiu seis curta-metragens, foi co-criadora de uma série televisiva chamada “Ninguém Tá Olhando” (2019) e dirigiu dois longas: “Carvão” (2022) e este “Pedágio” (2023). Assisti dela apenas o ótimo “Carvão”.
Marilda Campbell do Cine Ninja nos diz que “o longa (...) conta a história de Suellen (Maeve Jinkings), uma cobradora de pedágio que usa o seu trabalho para fazer uma renda extra ilegalmente. Ela age por uma causa que entende ser nobre: financiar a ida de seu filho Tiquinho (Kauan Alvarenga) à caríssima cura gay ministrada por um famoso pastor estrangeiro. Diante de um tema tão sensível ‘Pedágio’ é um misto de drama e humor ácido ao expor de forma caricata a hipocrisia e o preconceito de parte da sociedade em face da comunidade LGBTQIAPN+. Suellen é uma mãe solo, periférica, que se sente incomodada com as críticas de terceiros a seu filho homossexual. Ela entende que ser um homem gay é um defeito e faz de tudo para salvá-lo. A complexidade da personagem reside no fato de que ela age acreditando estar fazendo o melhor para Tiquinho, contudo não se preocupa em manter um diálogo com o filho, apesar de eles terem uma boa relação”.
Numa entrevista concedida pela atriz Maeve Jinkings ela declara: “Muitos dos discursos e das práticas super violentas são reproduzidos por ignorância e não por ideologia. Nosso papel é capturar essas pessoas e tentar dar luz sobre a falta de entendimento das inúmeras possibilidades de existir no mundo”.
Sobre o título “Pedágio”, José Geraldo Couto do IMS acredita que ele “sugere mais de um sentido: paga-se um pedágio na passagem da adolescência à vida adulta (Tiquinho), da honestidade ao crime (Suellen), da virtude ao pecado (a amiga evangélica)”.
O filme é ambientado em Cubatão, São Paulo. Segundo a diretora, a cidade foi escolhida como cenário por possuir ares "apocalípticos", que contribuem para reforçar a atmosfera densa da história do filme.
“Pedágio” foi selecionado para diversos festivais de cinema, nacionais e internacionais. O filme se destacou no Festival do Rio, onde foi ovacionado pelo júri e recebeu quatro prêmios. Destacou-se na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Foi selecionado internacionalmente para os festivais de San Sebastián, Vancouver, Bordeaux, Roma - onde foi laureado como Melhor Filme - , e no renomado Festival Internacional de Cinema de Toronto.
O que disse a crítica: Nathalia Jesus do site Adoro Cinema avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “’Pedágio’ é belo por ser tão real e, sem nenhuma pretensão, didático. Os bons entendedores lerão as linhas miúdas deixadas no silêncio e conseguirão refletir sobre o quão próxima aquela realidade está - praticamente batendo em nossa porta, por mais triste e absurda que pareça. É um filme que não exige muito mais do que a capacidade de entender o coração do próximo e a de saber que, para o bem ou para o mal, certas coisas nunca mudam”.
Raphael Camacho do Cine POP gostou ainda mais avaliando o filme com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Tem artistas que adotam o discurso reto e direto, outros buscam as trajetórias mais difíceis por meio de profundas camadas dramáticas para trazer ao centro do palco (ou melhor, da telona) uma série de críticas sociais importantes para serem debatidas. Um relacionamento entre mãe e filho marcado pelo preconceito é o primeiro passo de um brilhante roteiro que detalha a vida como ela é, uma versão nua e crua de recortes de uma sociedade que algumas vezes buscam os caminhos mais difíceis em busca de algum sentido para verdades impostas. A narrativa é cirúrgica também ao relatar e se fazer refletir sobre a opressão sofrida pela comunidade LGBTQIA+”.
O que eu achei: O filme anterior da diretora Carolina Markowicz - “Carvão” (2022), que também conta com a atriz Maeve Jinkings no papel principal – é, assim como este, um trabalho bem estruturado. O tema agora é a famigerada “cura gay”, tendo como pano de fundo a tênue diferença entre moralidade e crime. Jinkings, que já se mostrou excelente no filme anterior, continua ótima neste. Ao seu lado está o jovem ator negro Kauan Alvarenga que logo no seu primeiro longa já mostra ao que veio. Para fazer o papel, Kauan disse ter se inspirado em ícones da música pop brasileira como Pabllo Vittar e Glória Groove. O Festival do Rio premiou ambos, além de Aline Marta Maia, a amiga crente que nada tem de santa. O único problema do longa é o áudio que, sem legendas, faz com que a falta de qualidade técnica nos faça perder uma ou outra fala. Falta de verba é o nome desse problema recorrente no cinema brasileiro. Fora isso, o filme é ótimo. Ao final não temos como não pensar em quanto esse retrato reflete a hipocrisia brasileira e sua homofobia e falso moralismo inerentes. Um filme necessário, bem realizado, que merece ser visto.

24.2.24

“Afire” - Christian Petzold (Alemanha, 2023)

Sinopse:
Em uma pequena casa de férias no Mar Báltico, onde os dias são quentes e não chove há semanas, quatro jovens (Paula Beer, Thomas Schubert, Enno Trebs e Langston Uibel) se reencontram, velhos e novos amigos. A floresta seca ao redor deles começa a pegar fogo gravemente, assim como suas emoções: felicidade, luxúria, amor, ciúmes e ressentimentos.
Comentário: Christian Petzold (1960) é um cineasta e roteirista alemão, considerado um dos principais expoentes do movimento cinematográfico contemporâneo conhecido como Escola de Berlim. Ele já dirigiu em torno de 15 filmes. Assisti dele apenas o bom “Phoenix” (2014).
Ricardo Daehn do site Correio Braziliense nos conta que “É na região da Pomerânia, numa área entre a Polônia e a Alemanha, que o premiado diretor Christian Petzold ambienta o mais recente filme, ‘Afire’, numa imediata tradução - em combustão. Às margens da abundância do Mar Báltico, se dá o enredo que, em certa medida, cita Pompeia e o desastre romano com a erupção do Vesúvio. Uma floresta que abriga os personagens vem sendo ameaçada por intensos focos de incêndio. Prêmio do júri no último Festival de Cinema de Berlim, ‘Afire’, estrelado por Paula Beer (vencedora do troféu de atriz, em Berlim, pelo filme anterior de Petzold, ‘Undine’), que dá vida à despojada Nadja, e Thomas Schubert, na pele do introvertido Leon, o longa costura um drama pesado com a frutífera relação de todos com as artes. Leon, com o amigo Felix (Enno Trebs, visto, em criança, no emblemático longa ‘A Fita Branca’), no enredo, se recolhe no interior; ele, a fim de escrever o segundo romance e, o outro, querendo montar portfólio de imagens. No fundo, Leon tem gritante relutância em se relacionar, o que limita seu crescimento e maiores vivências, um entrave para sua produção literária. A chegada inesperada do salva-vidas Devid (Langston Uibel) complica todo o cenário, já confuso pela obrigatoriedade de Felix e Leon dividirem a casa de temporada com Nadja. Em muitos aspectos, o drama alemão faz lembrar um filme americano feito em 1993: ‘Três Formas de Amar’, estrelado por joviais Stephen Baldwin e Lara Flynn Boyle. Em meio a descobertas em alojamentos de universidade, aqueles antigos personagens se viam inspirados pelo contato com uma estátua; em ‘Afire’, é a literatura que alimenta camadas de emoções, numa trama que ainda bebe da fonte das estátuas de ‘Jardim dos Fugitivos’ (numa referência aos romanos mortos em incêndio). Explorador de mitos e de temáticas modernas, como conferido em filmes como ‘Barbara’, ‘Em Trânsito’ e ‘Phoenix’, Petzold traz muita reflexão, a partir do personagem Leon que, a todo momento, refuga a vida, repetindo: ‘O trabalho não (me) permite’”.
Numa entrevista concedida à Folha SP, o diretor declarou que “foi lendo uma história infantil para seus filhos pequenos dormirem que Christian Petzold se deparou com a palavra ‘totenstill’, traduzida do alemão como ‘silêncio absoluto’. ‘Mas silêncio é uma coisa que você pode ouvir’, expliquei a eles. (...) 'Alguns anos depois, as crianças entenderam o real significado da palavra, durante férias familiares em uma região da Turquia que acabara de ser devastada por incêndios florestais. Não havia som algum. Fiquei pensando na pergunta dos meus filhos, ‘isso é totensill?’ que, no fundo, significa, ‘temos um futuro?’. Foi este episódio que serviu de inspiração para “Afire”.
O que disse a crítica: Barbara Demerov da Revista Veja avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Algumas sinopses escondem o que um filme pode entregar por completo. A de ‘Afire’ definitivamente esconde seu tesouro. Isso porque o filme, que se inicia com uma viagem de férias entre amigos, aparenta não evoluir tanto num primeiro momento – quando, na verdade, o diretor Christian Petzold já está fabricando camadas profundas e existenciais. (...) Petzold é extremamente talentoso em encaixar todas as peças da história com o maior cuidado, mantendo o espectador no mesmo ambiente e observando tudo mudar de forma repentina. E as atuações de Paula e Schubert tornam tudo ainda mais intenso”.
Wendy Ide do site The Guardian também avaliou com 4 estrelas. Escreveu: “Com a tensão sexual agitada, os acessos de raiva perpetuamente latentes de Leon e o escapismo arejado das cordas da harpa dedilhadas na partitura, é fácil esquecer que um incêndio florestal está cada vez mais próximo. Talvez um pouco fácil demais – detalhes como a qualidade do ar e o brilho sombrio das chamas são registrados apenas de passagem. Mas talvez esse seja o ponto. Afinal, é uma imagem potente: os personagens estão na linha de frente de uma emergência climática. E eles estão alheios, incapazes de compreender a ameaça até que seja tarde demais”.
O que eu achei: A sinopse dá a entender que será um filme leve e divertido, afinal dois jovens amigos de infância vão passar alguns dias na casa de praia: um para finalizar a escrita de um romance e o outro para fazer um ensaio fotográfico. Na casa eles encontram Nadja, uma estudante de literatura que trabalha como sorveteira e está de caso com o salva-vidas da cidade. Só que nada é divertido nesse filme. Na floresta próxima à casa ocorre um incêndio de grandes proporções que preocupa. Além disso, Leon, o personagem principal que está a escrever um romance, não está muito a fim de papo pois afinal ele está lá pra se concentrar no que realmente importa: seu livro. Mas como escrever algo que presta olhando apenas para seu próprio umbigo? Ele não sabe nada sobre seu amigo de infância, não está interessado no seu ensaio fotográfico, nem em fazer reparos na casa, não está interessado na crise climática, nem nos outros personagens. É um filme cheio de camadas que fala sobre egocentrismo, narcisismo, mortalidade e processo criativo. Petzold não é meu diretor preferido e o filme em si não irá cativar a todos, mas não dá para negar que é um bom estudo de personagens.

20.2.24

“Moonage Daydream” - Brett Morgen (Alemanha/EUA, 2022)

Sinopse:
Documentário-concerto que segue a vida e a carreira musical de David Bowie. O filme explora a jornada criativa, musical e espiritual do artista icônico e ilumina não apenas a vida, mas também a personalidade de Bowie, que trabalhou principalmente na música e cinema - mas também explorou outras formas de arte ao longo de sua vida, incluindo dança, pintura, escultura, colagem, audiovisual, roteiro, atuação e teatro.
Comentário: Brett D. Morgen (1968) é um diretor e produtor documental e comentarista social americano. Ele já produziu 16 longas (dentre eles documentários sobre Curt Cobain, Rolling Stones, Andy Summers e a banda The Police) e três séries de TV. “Moonage Daydream” (2022) é um documentário sobre o músico inglês David Bowie. O título vem de uma canção de sua autoria lançada em 1972 no álbum “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”.
Segundo Lucas Reis do site Cineplayers, “David Bowie foi um dos artistas pop mais icônicos da segunda metade do século XX. Sempre se reinventando, ficou conhecido e foi celebrado pelos personagens que criava. Suas roupas chamativas e declarações estremeciam a conservadora sociedade britânica. Mais que isso, foi um artista radicalmente criativo que fez algumas das mais importantes canções do rock mundial, atuou em diversos filmes, arriscou-se na pintura, fez trabalhos memoráveis explorando a videoarte, além de roteiros para o cinema. É difícil pensar em outro artista com uma carreira tão prolífica e bem-sucedida como Bowie”.
Para Reis, “a tarefa do diretor Brett Morgen [em tentar retratá-lo num documentário] parece ingrata. Como fazer um filme sobre a vida do ‘camaleão do rock’? A proposta de Morgen é aceitar o caos e acentuar que a desordem é a única maneira de adentrar no universo artístico de Bowie. Sua visão é fundamental para captar a essência de um personagem tão singular no universo pop. Daí, surgem classificações esquizofrênicas para ‘Moonage Daydream’ como documentário-musical-experimental, por exemplo. No fim das contas, tal classificação tresloucada parece encontrar uma possibilidade de definição, embora o filme seja muito mais do que isso e as especificações protocolares servem para indicar como o trabalho de Morgen é capaz de fugir das classificações óbvias. A proposta de Brett Morgen dá uma dimensão real do artista. É um filme que se preocupa menos com fatos da vida do biografado e mais com um esforço para escavar seu gênio artístico. Afinal, se há um filme sobre Bowie, é por conta da sua carreira como cantor, ator, videoartista e tantas outras atividades às quais se dedicou com muito talento. A produção do artista - o que importa, de fato - é a base para a realização da obra. A forma é fundamental para ‘Moonage Daydream’ se estabelecer como um trabalho que valoriza a carreira de Bowie. Experimentalismo, colagens, sobreposições de imagens, ruídos, registros de época, sequências de filmes clássicos ou imagens reconhecíveis para a maioria dos espectadores inundam o filme de uma energia pop que estava no cerne do trabalho do artista. Não há espaço para uma linha do tempo teleológica (início, meio e fim), a partir de uma sucessão de fatos que condensariam toda uma vida em momentos supostamente importantes. (...) O próprio filme se arquiteta a partir da forma como o artista se manifestava”.
Numa entrevista concedida por Morgen, o diretor declarou que “’Moonage Daydream’ foi criado e projetado não para ser um filme biográfico, mas para ser uma experiência cinematográfica imersiva que convida o público a nadar por duas horas na mente e imaginação criativa de David Bowie”. Ele disse que, “foi inacreditavelmente desafiador tentar escrever uma narrativa que não se parecesse com uma narrativa. Você sabe, sem ter a coisa biográfica, a Wikipedia, o ‘segue o fio’. Mas David Bowie - um dos traços únicos dele é que sempre foi como um enigma, sempre foi meio misterioso, e essa é a mágica sobre ele”. E completa dizendo: “Eu não quero ir ao cinema e ver pessoas falando. Não é nisso que estou interessado. As pessoas podem fazer isso, mas não sei por que isso estaria em um filme… Eu queria criar um espetáculo. Para mim, este foi o meu filme da Marvel. Bowie foi um herói para mim melhor que o Thor; ele era um herói para mim melhor do que qualquer um dos personagens da Marvel. Ele fez coisas que nenhum outro humano fez”.
O que disse a crítica: Caio Coletti do site Omelete avaliou o documentário com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “Conforme a vida de um dos maiores astros do rock e ícones pop do século XX passeava pela tela, em todas as suas indefectíveis metamorfoses, o que subiu para a superfície foi o senso de brincadeira irredutível que permeava tudo o que Bowie fazia com sua arte e sua celebridade. (...) O único grande pecado de ‘Moonage Daydream’ é não dar ao trabalho de Bowie nos anos 2000 e 2010 a suma importância e vitalidade que ele teve. É fácil perdoar o filme, no entanto, porque ele imbui da mesma curiosidade e honestidade que guiou as explorações do artista que retrata. Recorrendo a animações rudimentares muito eficientes e a excelentes remixes das faixas clássicas de Bowie (pelas mãos do produtor Tony Visconti), ‘Moonage Daydream’ é bem sucedido no que importa: nos dar uma noção sólida, tão sólida quanto poderemos ter deste lado da tela, de como Bowie se movimentou pelo mundo e pelo tempo”.
Paulo Santos Lima da Folha SP avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Bowie teve uma extrema autoconsciência de seu estar em cena - e estar no mundo. Não foi apenas um músico, instrumentista e cantor, mas um mestre de palco, espécie de mago experiente nas artes da mímica, do teatro minimalista e da oratória. (...) O filme de Brett Morgen aposta numa trama de imagens extremamente imersiva, tonificada pela tecnologia das telas e sons à altura do Olimpo. (...) Vê e idolatra, pois o longa tem a extrema elevação de falar mais detidamente aos órfãos deste que é um dos grandes artistas da história do mundo e não necessariamente acenar aos não convertidos”.
O que eu achei: Classificar esta obra é tão difícil quanto classificar o artista David Bowie. É documentário, é clip musical, é um trabalho de colagem. Alguns estão chamando de documentário-musical-experimental por conter de tudo um pouco, ou melhor, conter tudo ao mesmo tempo agora, pois assim que o filme começa você embarca numa viagem quase psicodélica que mistura ruídos, registros de época, entrevistas e sequências de filmes clássicos. O resultado é excelente. Você não se entedia em nenhum momento e vai tentando pescar aqui e ali um ou outro dado que te faça finalmente compreender quem foi esse gênio da música. É um filme imersivo que, como disse Igor Miranda no seu site sobre música e jornalismo: “é o filme que David Bowie faria sobre si”. Imperdível.

19.2.24

“Rebecca, a Mulher Inesquecível” - Alfred Hitchcock (EUA, 1940)

Sinopse:
Uma jovem de origem humilde (Joan Fontaine) se casa com o nobre inglês Max de Winter (Laurence Olivier) que ainda vive atormentado por lembranças de sua falecida esposa. Após o casamento e já morando na mansão do marido, ela descobre surpreendentes segredos sobre o passado dele.
Comentário: Trata-se de mais um filme do mestre do suspense Alfred Hitchcock de quem já assisti 33 filmes. Este, “Rebecca, a Mulher Inesquecível” (1940) é baseado no clássico romance homônimo “Rebecca” de Daphne Du Maurier. É considerado o primeiro filme americano do Hitchcock.
O filme, protagonizado por Laurence Olivier e Joan Fontaine, conta a história de uma tímida jovem que após um romance de duas semanas em Monte Carlo se casa com Maximilian de Winter, um rico viúvo. No entanto, o que era para ser uma história de amor, logo se transforma em uma trama gótica quando a nova senhora de Winter chega em Manderley, a casa de campo da família, e descobre que a presença da falecida esposa ainda “assombra” o lugar.
João Bénard da Costa da Foco Revista de Cinema nos conta que “em relação ao livro há uma modificação sintomática a assinalar. No romance de Du Maurier, Max de Winter tinha efetivamente assassinado a primeira mulher. Os códigos vigentes, à época, no cinema americano, não permitiam, contudo, que o herói fosse um assassino e, ainda por cima, um assassino impune. Daí a transformação do crime em acidente, aliás pouco crível, como Max reconhece na sua confissão à segunda Mrs. de Winter (“Quem me acreditará?”). Só que a concessão, neste caso, parece ter vindo enriquecer a obra, pois lhe introduziu outra ambiguidade e o tema permanente de Hitchcock: é mais culpado o autor do ato ou quem, interiormente, o desejou? Mais uma vez, esta é, entre outras coisas, uma história de um falso culpado ou de um falso inocente”.
Ao total, “Rebecca” recebeu 11 indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator, Melhor Atriz e Melhor Roteiro. Além de Melhor Filme, a produção também levou o Oscar de Melhor Fotografia em P&B. A escolha de filmar o longa em preto e branco foi, inclusive, uma sugestão do próprio diretor, que desejava manter a atmosfera sombria do livro.
Como sabemos, o diretor ficou famoso por fazer aparições surpresas em seus filmes. Então atenção à sua rápida aparição quase ao final do filme, ao fundo da cena logo após o personagem Jack Favell ter feito uma ligação em uma cabine telefônica.
Em tempo, uma curiosidade que li no Jornal O Estado de SP sobre a obra literária na qual o filme foi baseado: “’Rebecca’, o sucesso de Daphne du Maurier, seria plágio de um romance da escritora brasileira Carolina Nabuco (1890-1981). ‘A Sucessora’, de 1934, conta uma história muito parecida. Marina, uma jovem simples, casa-se com o viúvo Roberto Steen e muda-se para a mansão dele, no Rio de Janeiro, onde é assombrada pela memória de Alice, a primeira mulher de Roberto. O livro virou novela na Globo em 1978, quando a hipótese do plágio voltou à tona. À época com 88 anos, Carolina, filha de Joaquim Nabuco, disse ter sido contatada por um advogado norte-americano. Esse lhe propôs uma boa quantia para que a escritora brasileira assinasse um documento dizendo que as semelhanças dos dois livros seriam apenas ‘coincidências’. Carolina recusou a oferta”.
O que disse a crítica: Matheus Bonez do site Papo de Cinema achou excelente. Escreveu: “Muito mais do que uma pretensa trama fantasmagórica ou um suspense familiar, Hitchcock nos brinda com um jogo de investigação sobre as aparências e o que está escondido nas entranhas de um núcleo familiar. Além disso, como era de seu costume, o diretor brinca com os clichês da futilidade do high society, a ineficiência da polícia (mesmo que de forma branda) e o charme e inteligência de seus vilões. ‘Rebecca, A Mulher Inesquecível’ pode não ser inesquecível para alguns, mas é um trabalho muito acima da média e que serviu para consagrar o nome de Alfred Hitchcock em Hollywood. Mais do que merecidamente”.
Diogo Rodrigues Manassés do site Cinema com Rapadura avaliou com 5 estrelas. Disse: “Previsibilidade causava ojeriza a Alfred Hitchcock. Sua habilidade em elaborar uma atmosfera de mistério era tão notória que lhe garantiu o (merecido) título de ‘mestre do suspense’. Tendo por base um script perspicaz, seu primeiro filme nos EUA constitui uma obra-prima (dentre as várias da sua filmografia). O esmero na direção não apenas resulta em cenas marcantes como também confirma a sua genialidade: do uso dos planos-detalhes (...) à mise-en-scène aplicada em cada cenário (...); das minúcias explicitadas (...) às simbologias discretas (...); do prólogo impactante ao grand finale”.
O que eu achei: Que pérola este filme de Hitchcock! Interessante como o gosto por filmar transparece em cada tomada. Este levou o Oscar de Melhor Filme e Melhor Fotografia. O P&B é de cair o queixo mesmo! Que capricho! O fato de ser o primeiro filme dele feito nos EUA mostra como ele se adaptou bem ao novo estúdio e à nova equipe e como soube usufruir bem da verba que lhe foi destinada. Interessante como a Rebecca, que dá título ao filme, está em praticamente toda a trama sem, em nenhum momento, termos sua presença física em cena. O resultado final é excelente! Li que, em 2020, o diretor Ben Wheatley resolveu fazer um remake da obra. Bruno de Oliveira do site Cinematizando assistiu e declarou: “O primeiro erro na minha opinião sobre [o remake] é [o diretor] querer gravar repetindo praticamente todas as cenas do original. Isso o torna só uma cópia atual do que vimos anteriormente. As mudanças criadas pelo roteiro só enrolam e não trazem nada de realmente novo. Criativamente falando ele não serve para nada. Mesmo que coloquem a desculpa de que é preciso fazer algo novo para os jovens verem, é indiscutivelmente preferível que vejam o original. O novo não tem a metade do charme de sua versão anterior”. Nenhuma dessas palavras me espantam. Um remake de “Rebbeca” é o mesmo que uma refação da Monalisa de Da Vinci. Pra quê gastar energia, tempo e dinheiro refazendo uma obra como essa? Um conselho, que aliás vale para a maioria dos remakes: economize seu tempo e veja apenas o original.

18.2.24

“Maestro” - Bradley Cooper (EUA, 2023)

Sinopse:
Cinebiografia do compositor, músico e pianista Leonard Bernstein (Bradley Cooper), responsável pela composição da trilha sonora de musicais aclamados da Broadway como “West Side Story”, “Peter Pan” e “Candice”. Natural da cidade de Lawrence, Massachusetts, nos EUA, Bernstein ocupou o cargo de principal condutor da Orquestra Filarmônica de Nova York durante 18 anos e se consagrou como um dos músicos mais importantes dos EUA. Ele teve uma complexa relação com a atriz de TV e teatro Felicia Montealegre (Carey Mulligan) com quem teve três filhos.
Comentário: Bradley Cooper (1975) é um ator, cineasta e produtor americano. Começou sua carreira como convidado na série de televisão “Sex and the City” em 1999 e depois passou a atuar no cinema. Como diretor, vi dele o remake mediano "Nasce uma Estrela" (2018).
Em “Maestro”, Cooper vai contar a trajetória do gênio da música clássica Leonard Bernstein, bem como seu relacionamento com Felicia Montealegre.
Yasmin Altaras do site TechTudo nos conta que “com pouco mais de duas horas de duração, o longa original da Netflix tem roteiro co-escrito por Cooper e Josh Singer e produzido por Martin Scorsese, Steven Spielberg e Todd Phillips. (...) O enredo do drama gira em torno da complexa história de amor entre o maestro e compositor Leonard Bernstein (Cooper) e sua esposa, a atriz Felicia Montealegre Cohn (Mulligan). Após se conhecerem em uma festa em 1946, o longa retrata como os dois artistas enfrentaram os altos e baixos da vida a dois e, também, a relação do casal com o próprio universo artístico”.
Mateus Omena da Revista Exame disse que este “é o primeiro trabalho de Bradley Cooper na direção de um longa desde que estreou nesta função em ‘Nasce Uma Estrela’, de 2018. (...) Diversos ativistas estranharam o visual de Cooper para interpretar Bernstein. Alguns acusaram o ator de ‘jewface’, considerado equivalente do ‘blackface’ para judeus. Leonard Bernstein era filho de judeus ucranianos e o uso da prótese pelo ator foi apontado como uma caracterização estereotipada. Além de Bradley Cooper como Leonard Bernstein e Carey Mulligan (‘Bela Vingança’) como a esposa Felicia, o filme conta com também com Maya Hawke (‘Stranger Things’), Matt Bomer (‘American Horror Story’), Michael Urie (‘Ugly Betty’) e Sarah Silverman (‘Escola de Rock’) no elenco”.
Mas quem foi exatamente Leonard Bernstein? Omena nos conta que “Leonardo Bernstein nasceu em 1918, em Lawrence, Massachussets (EUA). O músico e maestro morreu em 1990, aos 72 anos, de infarto agudo do miocárdio, causado por um mesotelioma, apenas cinco dias após se afastar do mundo da música. Ele venceu vários prêmios Grammy e foi responsável pelas composições de diversos espetáculos, como o musical ‘West Side Story’, ‘Candide’, e ‘On the Town’. Longe dos palcos, Bernstein era conhecido também pelos casos extraconjugais, inclusive por relatos de bissexualidade”.
“Maestro” está concorrendo ao Oscar de Melhor Filme, Ator (Bradley Cooper), Atriz (Carey Mulligan), Roteiro (Bradley Cooper e Josh Singer), Maquiagem e Penteados, Som e Fotografia.
O que disse a crítica: Flávio Pinto do site Omelete avaliou com 3 estrelas, ou seja, bom. Escreveu: “A impressão que fica é que Cooper, paradoxalmente, enquanto diminui a figura de Bernstein para preservar a mítica do maestro, mete os pés pelas mãos ao tentar fazer um pouco de tudo. Embora tenha crescido como diretor, um esforço que fica visível nas escolhas de estilo e de encenação, o galã ainda precisa lapidar melhor suas narrativas para ser mesmo o próximo Clint Eastwood, um de seus grandes ídolos e um ícone em Hollywood tanto das narrativas românticas quanto das míticas. Bradley Cooper está nesse caminho, que eventualmente implicará depurar esse estilo que ele tateia. Afinal, nem todos podem ser como Bernstein e assumir uma grande responsabilidade sem alguns ensaios”.
Ritter Fan do Plano Crítico avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “’Maestro’ é uma sinfonia audiovisual da mais alta qualidade que Cooper rege com segurança e cuidado atrás e na frente das câmeras acompanhado de um trabalho de se aplaudir de pé por parte de Mulligan. ‘Napoleão’ pode até ter chegado a ser imperador, mas quem realmente ganha uma régia e inesquecível cinebiografia na base do ‘atrás de todo grande homem, há sempre uma grande mulher’, em 2023, é mesmo Leonard Bernstein”.
O que eu achei: “Maestro” teve a crítica especializada dividida, alguns fazendo duras críticas ao filme e outros considerando o resultado uma obra-prima. Eu achei o filme bom, não chega a ser excelente mas é um filme digno que merece ser visto. A cinebiografia do maestro Leonard Bernstein não é completa. Não espere ver nada relacionado ao seu nascimento ou infância (e nem ao final de sua vida) pois o filme já começa em 1943 com Bernstein sendo maestro assistente da Filarmônica de Nova Iorque e fazendo sua estreia de supetão e sem ensaio por conta do maestro principal - Bruno Walter - ter contraído uma forte gripe. No dia seguinte ao concerto, o The New York Times rendeu elogios ao mais novo maestro e ele se tornou famoso rapidamente, pois o concerto foi transmitido para todo o mundo. A partir dessa introdução o foco da história muda, mostrando como ele conheceu e se casou com a atriz chilena Felicia Cohn Montealegre, com quem ele teve três filhos enquanto, em paralelo, ele segue sua vida social intensa tendo casos extraconjugais com homens. No papel de Felicia está a atriz inglesa Carey Mulligan que está indicada ao Oscar de Melhor Atriz. Com relação à algumas críticas que o filme sofreu por conta da caracterização de Cooper que julgaram estereotipada eu discordo pois ele ficou extremamente parecido com o verdadeiro maestro o que rendeu, também à equipe de Maquiagem e Penteados, outra indicação ao Oscar. As demais indicações - Ator (Bradley Cooper), Roteiro (Bradley Cooper e Josh Singer), Som e Fotografia – todas me parecem bem coerentes. Talvez só a indicação de Melhor Filme seja um pouco exagerada pois ele carece de alguns ajustes aqui e ali. Atenção à excelente trilha sonora composta por músicas de autoria do próprio Leonard Bernstein, assim como Mahler e Schumann.

15.2.24

“Better Call Saul” - Vince Gilligan & Peter Gould (EUA, 2015-2022)

Sinopse:
Jimmy McGill (Bob Odenkirk) é um advogado de pequenas causas que tenta acertar sua vida financeira. Além da fracassada carreira no direito, ele precisa cuidar do irmão mais bem-sucedido, Chuck (Michael McKean), que embora seja um brilhante advogado, está passando por um grave problema de saúde mental. Aos poucos Jimmy começa a perceber que sua vocação está mais para defender criminosos do que pessoas comuns. Cada vez mais procurado pelos fora-da-lei ele acaba mudando de nome transformando-se em Saul Goodman. Conforme sua fama cresce, seu envolvimento com pessoas perigosas aumenta estendendo-se ao cartel de drogas do México, dentre eles Nacho Varga (Michael Mando) e Tuco Salacamanca (Raymund Cruz).
Comentário: A série é um prequell (passa-se seis anos antes) de outra série famosa chamada “Breaking Bad” (2008-2013). Em “Breaking Bad” o personagem Jimmy McGill (Bob Odenkirk) já utiliza o codinome Saul Goodman, sendo ele o infame advogado que ajuda os traficantes de drogas Walter White (Brian Cranston) e Jesse Pinkman (Aaron Paul) a tentar se livrar das garras da polícia.
O série fez tanto sucesso que resolveram criar “Better Call Saul” atendo-se especialmente ao personagem de Jimmy McGill. Através dela vamos saber como se deu o processo dele virar um advogado de criminosos, mostrando como ele ingressou nesse submundo da advocacia. O interessante é que, além do prequell, em paralelo vamos saber também o que ocorreu com o advogado no futuro, ou seja, após “Breaking Bad”. Para facilitar a identificação de passado e futuro, a série optou por contar o passado a cores e o futuro em P&B. Ou seja, além de saber como tudo começou, saberemos também como termina a carreira do advogado.
Com seis temporadas e 63 episódios, a jornada de Saul Goodman é repleta de altos e baixos, demonstrando, de forma muito profunda, a corrupção humana.
Tal como “Breaking Bad”, “Better Call Saul” recebeu uma enorme aclamação por parte da crítica, obtendo diversos prêmios.
O que eu achei: “Breaking Bad” - que deve ser assistido antes de “Better Call Saul” - foi uma série tão incrivelmente ótima que confesso que comecei a assistir a este sem esperar nada. A primeira temporada requer um aviso: dê tempo ao promissor Saul lembrando-se que “Breaking Bad” também demorou alguns episódios para se tornar o clássico reverenciado que é. Após passar por essa primeira etapa, a segunda temporada tende a se tornar mais palatável e viciante. Na terceira você já começa a perceber que a série pode vir a ser tão boa quanto “Breaking Bad”. Na 4ª temporada ocorre uma tragédia e um clima triste e melancólico toma conta da trama, cheguei a achar que a série iria desandar, mas que nada. A temporada 5 retoma a vivacidade dos episódios e a 6ª e última temporada já vai te deixando melancólico logo nos primeiros episódios pois você já sabe que o final está próximo. É um seriado sem atalhos preguiçosos, com uma escrita de roteiro excelente, enredo ótimo, tudo unido por uma variedade convincente de personagens. “Better Call Saul” honra a série antecessora. Valeu cada minuto. Imperdível. Disponível na Netflix.

14.2.24

“Ascensor para o Cadafalso” - Louis Malle (França, 1958)

Sinopse:
Florence (Jeanne Moreau) e Julien (Maurice Ronet) decidem matar Simon (Jean Wall), o marido de Florence. O crime deve parecer suicídio. Como é tarde, o vigia corta a eletricidade e Julien fica preso no elevador. Enquanto isso, dois jovens roubam o carro de Julien.
Comentário: Louis Malle (1932-1995) foi um renomado diretor de cinema francês que dirigiu em torno de 21 filmes, sendo parte deles produzido na França e parte nos EUA. “Ascensor para o Cadafalso” (1958) é o primeiro filme de ficção dele. Anteriormente ele havia dirigido apenas um documentário - “O Mundo do Silêncio” (1956) - com o qual ganhou a Palma de Ouro em Cannes.
“Ascensor para o Cadafalso” conta a história da enigmática Florence Carala. Casada com o milionário Simon Carala, mas apaixonada por outro, Florence decide matar o marido com a ajuda do amante Julien Tavernier. Tavernier é um ex-militar que trabalha como espião na Indochina para o marido de Florence. Planejado para parecer um suicídio, as coisas começam a dar errado quando Tavernier decide buscar uma corda no terraço e fica preso no elevador (o "ascensor" do título).
Carlos Adriano da Folha SP nos conta tratar-se de “um filme pré-nouvelle vague, por razões de época, técnica e temática. A nova onda foi um movimento histórico do cinema francês, lançado em 1958 e 1959, que propôs ruptura estética e modos de produção livres do esquema de estúdio, colado existencialmente à vida e encapsulado numa ‘política dos autores’. Assistente de Bresson em ‘Um Condenado à Morte Escapou’ (1956), Malle se integra ao movimento com ‘Os Amantes’ (1958) e ‘Trinta Anos Esta Noite’ (1963). O diretor não pertencia ao grupo de ácidos críticos dos ‘Cahiers du Cinéma’, futuros cineastas. Sem o espírito revolucionário de Godard, Rohmer e Resnais ou o ímpeto sistemático de Truffaut, Chabrol e Rivette, Malle brilha no artesanato diligente e talentoso (não à toa, fez em Hollywood ‘Atlantic City’ e ‘Pretty Baby’, respectivamente em 1980 e 1978). (...) Baseado em um clássico da literatura barata (Noel Calef), ‘Ascensor para o Cadafalso’ é um drama policial de erros e ironias, cujas peças favorecem a fabricação da mentira. E há ainda a reflexão sobre o quanto as imagens podem revelar. Chabrol e Truffaut moldariam depois o gênero noir (de extração americana) na modernidade francesa”.
Na trilha sonora temos ninguém menos que o jazzista Miles Davis. Outro destaque fica por conta da atriz e cantora francesa Jeanne Moreau que faleceu aos 89 anos tendo participado de mais de 100 filmes, inclusive um brasileiro chamado “Joanna Francesa” de Cacá Diegues.
O que disse a crítica: Marcelo Müller do site Papo de Cinema avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “’Ascensor para o Cadafalso’ é um filme marcado pelo perambular aturdido dos personagens, por essa sensação intermitente de desolação que acomete a todos. Ao som de Miles Davis é montado um quebra-cabeça em que cada nova peça deixa ainda mais claro o abismo para o qual a maioria caminha. A engenhosidade do trabalho de Louis Malle está em criar e, acima de tudo, sustentar uma atmosfera de angústia dominante, que abate os protagonistas com a força dos imperativos. Jeanne Moreau é a que mais carrega no semblante esse martírio, demonstrando desamparo em meio ao transe que a faz mirar apenas a intenção de localizar o cúmplice amado no balcão de algum bar. Os equívocos se multiplicam durante a trama, reforçando por recorrência a fragilidade do controle que consideramos possuir cotidianamente, bem como da realidade, assim bem menos soberana e óbvia”.
Cecilia Barroso do site Cenas de Cinema gostou ainda mais, avaliou com 4,5 estrelas. Disse: “Mesmo que menos considerado do que deveria, ‘Ascensor para o Cadafalso’ marcou o cinema mundial e mostrou como era possível fazer um cinema tenso sem utilizar métodos indutivos e manipuladores e, ao mesmo tempo, aprofundar-se na condição humana. Há no filme suspense, renovação e uma liberdade que andavam fazendo falta para a arte daquela época. Um filmaço que merece ser conhecido por todos”.
O que eu achei: “Ascensor para o Cadafalso” é um filme cheio de acidentes. Ele se baseia num livro de autoria de Noel Calef no qual o amante de uma mulher rica planeja matar o marido dela tendo ela como cúmplice, mas ele acaba cometendo um erro patético e, por conta desse erro, acaba preso em um elevador. Enquanto ele está preso acontecem inúmeros imprevistos que vão embaralhando toda a história que caberá à polícia desembaraçar. É um filme dos anos 50, é P&B, tem uma pegada noir pré nouvelle vague com um anti-herói e uma femme fatalle como protagonistas. Disponível gratuitamente no site do SESC Digital, o filme é uma boa oportunidade de conhecer o trabalho de Malle (há outros filmes dele atualmente na plataforma), ver a famosa atriz francesa Jeanne Moreau em ação e, acima de tudo, usufruir da excelente trilha sonora composta pelo incrível Miles Davies que dá todo o tom do filme.

13.2.24

“Anatomia de Uma Queda” - Justine Triet (França, 2023)

Sinopse:
Sandra (Sandra Hüller), Samuel (Swann Arlaud) e seu filho deficiente visual, Daniel (Milo Machado-Graner), moram em um local remoto nas montanhas há um ano. Quando Samuel é encontrado morto fora de casa, inicia-se uma investigação de morte em circunstâncias suspeitas. Em meio à incerteza, Sandra é indiciada: foi suicídio ou homicídio? Um ano depois, Daniel assiste ao julgamento de sua mãe, uma verdadeira dissecação do relacionamento de seus pais.
Comentário: Justine Triet (1978) é uma cineasta, roteirista e editora francesa. São dela os documentários “Solférino” (2009) e “Sombras na Casa” (2010) e os longas “A Batalha de Solférino” (2013), “Na Cama com Victoria” (2016) e “Sibyl” (2018), dentre outros. “Anatomia de Uma Queda” é o primeiro filme que vejo dela.
Carlos Helí de Almeida do Jornal O Globo nos conta que o filme se passa em “um chalé isolado em uma das montanhas nevadas dos Alpes, [nele estão] uma escritora de histórias violentas, uma criança com deficiência visual e o seu cão fiel, e o corpo do marido dela, estatelado diante da casa, como tivesse se atirado ou sido empurrado lá de cima. Combinação perfeita para mais um exemplar do gênero ‘true crime’, que enche as grades no streaming, ou para as tramas policiais das salas de cinema. Mas ‘Anatomia de Uma Queda’ (...) se esquiva de todos os clichês do gênero ‘quem matou fulano?’ e concentra-se no que cada personagem revela ou omite sobre eles mesmos (...)”.
Numa entrevista concedida pela diretora ela diz que a história é ficcional, porém baseada em casos reais contados por magistrados e completa: “Os cinemas e, principalmente, as plataformas digitais já estão abarrotados de thrillers criminais. Queríamos fazer algo diferente. Desde o início, a ideia era contar uma história em que não houvesse muitas imagens, ao contrário dos filmes que retratam investigações e julgamentos dos envolvidos em um determinado crime, onde há todo tipo de flashbacks, e você vê a vida daquelas pessoas passando diante dos seus olhos. Poderíamos ter feito algo mais fácil, mostrar a vida pregressa dos personagens em diversas sequências. Mas tudo em ‘Anatomia de Uma Queda’ se baseia na ausência, e não no que é exibido”.
Segundo Almeida, “Até mesmo a ‘queda’ do título é menos sobre a literal, e mais sobre o lento declínio de um casamento minado por traições e ressentimentos. (...) Suicídio ou assassinato? Não importa, Sandra torna-se a figura-chave na investigação e no torturante julgamento, que acaba expondo a intimidade do casal. O promotor está ansioso para retratar a escritora como uma esposa autoritária, infiel e antiética, que levou o marido ao desespero, e o matou num ataque de paixão. Com a ajuda de seu advogado, Sandra tenta se defender e apresenta uma versão do marido como alguém frágil e decepcionado com a vida. Diante do tribunal, cada decisão tomada durante todo o seu casamento é examinada e revirada em público por pessoas que nunca a conheceram, ou a seu marido e seu filho”.
O filme, cujo roteiro foi feito pela diretora em parceria com seu marido Arthur Harari, já venceu diversos prêmios importantes como a Palma de Ouro do Festival de Cannes, o European Film Awards, o Globo de Ouro e o Critcs Choice Awards. Agora ele segue em direção ao Oscar onde irá concorrer à Melhor Filme, Melhor Atriz (Sandra Hüller), Melhor Direção (Justine Triet) e Melhor Roteiro Original.
O que disse a crítica: Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “a diretora Justine Triet dribla habilmente os clichês de Hollywood e conta com uma atuação magistral de Sandra Hüller no papel principal para despertar uma série de hipóteses ambíguas ao espectador”.
Marcelo Müller do site Papo de Cinema avaliou com 4 estrelas e meia, ou seja excelente. Ele dá uma dica para você usufruir plenamente do filme: “se desarme e preste atenção naquilo que a trama comunica nas entrelinhas, no que deixa subentendido com exímia perícia. No fim das contas, pouco importa se Sandra será absolvida ou condenada, pois o resultado é ditado pelas mise en scènes e pela consistência dos convencimentos que podem demolir tanto as convicções quanto as provas supostamente cabais (como as imagens, os padrões de respingo de sangue, a lógica, etc.). (...) Justine Triet utiliza essa tensão entre ficção e realidade para tornar ainda mais profunda e densa a discussão estimulante sobre verdades e mentiras. Enredados nesse jogo de gato e rato, submetidos a diversas versões e indícios que se alternam como provas ‘irrefutáveis’, somos fisgados pela convenção da investigação criminal, depois pela envolvente batalha no tribunal, mas o filme fala da fragilidade do próprio conceito de verdade”.
O que eu achei: Trata-se de um filme de tribunal: um homem morreu e não se sabe se ele se matou ou se foi assassinado. A principal suspeita é sua esposa, Sandra (interpretada magistralmente pela atriz alemã Sandra Hüller), pois na casa só estavam ela e o filho de 11 anos Daniel (Milo Machado-Graner), que sofre de deficiência visual. Se a Sandra Hüller arrasa na interpretação, Milo Machado-Graner, do alto dos seus atuais 15 anos de idade, não fica atrás, parecendo um ator consagrado há anos. Além dos atores, “Anatomia de Uma Queda” acerta em cheio no roteiro. Você até saberá no final o veredicto da investigação, mas o que mais interessa no filme é o processo de escancaramento que o julgamento trará. A alma de Sandra será dissecada na frente de todos. Ela será julgada não só pela suspeita de crime como também por ser uma esposa que teve mais sucesso profissional (ela é escritora) que o marido, será julgada pela sua sexualidade, pela capacidade de ser mãe e por tudo mais que a sociedade machista aprova ou abomina em uma mulher. E tudo isso na frente do filho ainda criança que terá que elaborar tudo o que está sendo dito. Que filme!!!! Não à toa já abocanhou diversos prêmios e agora segue em direção ao Oscar. Fazia tempo que eu não me deparava com algo tão bem resolvido! Parabéns à Justine Triet por nos apresentar essa maravilha. Olho nela pois essa diretora promete.

11.2.24

“Tia Virgínia” - Fábio Meira (Brasil, 2022)

Sinopse:
 
Tia Virgínia (Vera Holtz) está com 70 anos de idade. Ela não tem nenhum filho, nunca se casou, e acaba sendo convencida pelas irmãs Vanda (Arlete Salles) e Valquíria (Louise Cardoso) a se mudar para outra cidade a fim de cuidar dos pais. Perto do Natal, Virgínia, que agora cuida da mãe (Vera Valdez) em estado terminal, recebe suas duas irmãs para comemorar o Natal.
Comentário: Fábio Meira (1979) é um diretor e roteirista brasileiro, começou no cinema em 2003 como assistente de Ruy Guerra. No mesmo ano se mudou para Cuba e integrou a Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de Los Baños. Trabalhou também como assistente de Fernando Trueba e foi aluno de Gabriel Garcia Marquez e Abbas Kiarostami em oficinas de escrita. Dentre seus filmes como diretor estão diversos curtas e os longas “O Discreto Charme de Uma Campeã” (2015) e “As Duas Irenes” (2017). “Tia Virgínia” é o primeiro filme que vejo do diretor.
Segundo o site Wikipédia, o roteiro de ‘Tia Virgínia’ foi concebido por Fábio Meira, que também assina a direção e a produção do filme. A obra é uma fusão de homenagem, ficção e elementos biográficos de sua própria família. O diretor compartilha que em sua família, cada membro reside em um local distinto. Ele conta que ao longo de duas décadas, as reuniões eram limitadas ao mês de dezembro, com a frequência diminuindo. Com o desejo de realizar esse filme há mais de 20 anos, Fábio Meira começou a escrevê-lo em 2013, após ganhar um edital. Na época, o argumento do filme ainda não estava claro, levando-o a empreender uma viagem de ônibus de São Paulo a Minas Gerais. Durante o percurso, fez paradas para visitar suas quatro tias e sua mãe, registrando suas histórias e sonhos não realizados diante de uma câmera. Ele decidiu contar a história através da perspectiva da filha solteira, em um dia que antecede o Natal, acreditando que esse período, especialmente para pessoas que não se veem regularmente, intensifica as emoções. Os relatos das mulheres revelaram as dificuldades enfrentadas ao longo de suas vidas, destacando o cerco mais restrito imposto às mulheres. Mesmo apresentadas de maneira não tão favorável, as personagens enfrentam pressões externas que as obrigam a obedecer aos papéis predeterminados pela sociedade patriarcal. O diretor compartilha a emoção de ouvir essas mulheres, notando como, ao ligar a câmera, sua tia mais velha já se emociona e chora ao se apresentar. Essas mulheres, muitas vezes não ouvidas, compartilham experiências marcantes, destacando a submissão ao patriarcado que as afeta, mesmo para aquelas casadas, cujas preocupações muitas vezes se limitam à comida e às despesas, em detrimento de suas próprias emoções.
O filme - que tem no elenco Vera Holtz, Arlete Salles e Louise Cardoso - é produzido pela Roseira Filmes (produtora do cineasta Fábio Meira) e pela Kinossaurus, empresa dos cineastas Ruy Guerra e Janaina Diniz. As gravações do filme ocorreram na cidade de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro.
No Festival de Gramado o filme ganhou cinco Kikitos: Melhor Atriz (Vera Holtz), Melhor Direção de Arte (Ana Mara Abreu), Melhor Desenho de Som (Rubem Valdés), Menção Honrosa (Vera Valdez) e Melhor Filme pelo Júri da Crítica.
O que disse a crítica: Frederico Franco do site Plano Crítico avaliou com 3,5 estrelas, ou seja, muito bom. Escreveu: “’Tia Virgínia’ não é exatamente sobre Virgínia. É sobre como sua família disfuncional a fez ser como ela é”. E finaliza dizendo: “’Tia Virgínia’ pode se perder um pouco em algumas sequências que vão para o lado contrário do humor absurdo, mas definitivamente é um filme que, quando acerta, acerta forte. Arlete Salles e Louise Cardoso entregam sólidas atuações, mas Vera Holtz eleva (e muito) o nível do filme. Assim como Virgínia, Holtz é a dona absoluta do filme”.
Robledo Milani do site Papo de Cinema avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Disse: “Vera Holtz nasceu para ser tia Virgínia, tanto pelo humor que permite transparecer a cada fala enunciada, como também pelas segundas intenções que esconde por trás de uma simpatia calculada. A atriz se mostra à vontade tanto gargalhando até cair, como nos enfrentamentos movidos por rancores mal resolvidos ou anseios nunca realizados. Arlete Salles e Louise Cardoso não ficam para trás, compondo um trio de acertos e afinada sintonia, mais pelo não dito do que pelas passagens nas quais tentam almejar uma falsa tranquilidade nunca alcançada. Com participações luxuosas de Antonio Pitanga e Vera Valdez (que chegou a filmar com Roberto Santos e Walter Hugo Khouri), o elenco se mostra um dos maiores méritos dessa obra tão provocadora quanto envolvente. Mas talvez não tanto quanto o roteiro que abraça sem ressalvas ou hesitações, com cada um em cena tomando para si um ser pulsante e inquieto, os dramas e insatisfações desse, e a disposição para o enfrentamento que volta e meia emerge de um mergulho profundo para se mostrar válido e urgente. Tão pequeno e singelo, e ao mesmo tempo gigante e de fácil identificação”.
O que eu achei: Acostumados como estamos a assistir produções estrangeiras, muitas delas superproduções milionárias, é impossível não notar os problemas técnicos que o cinema nacional enfrenta, seja na parte visual, seja na sonora. “Tia Virgínia” também enfrenta essas dificuldades. Porém, o filme em si, é sensacional, pois ele retrata exatamente o que muitas famílias passam quando filhas mulheres envelhecem e precisam cuidar do pai ou da mãe extremamente idosos - no filme o pai é recém falecido, mas a mãe está beirando os 100 anos e sofre de demência. Importante salientar como o patriarcado faz com que esses problemas domésticos sejam exclusivamente das mulheres. No filme são três irmãs – Vanda (Arlete Salles), Virgínia (Vera Holtz) e Valquíria (Louise Cardoso) – que se encontram nessa situação. Por ser a única solteira e sem filhos, elegem Virgínia para morar com a mãe em sua casa no interior, abdicando de sua própria vida, amizades, talentos e sonhos, para se dedicar exclusivamente a ela, enquanto suas irmãs – casadas e com filhos – levam suas vidas normalmente. Quem nunca viu ou viveu uma situação semelhante à essa? É Natal, todos se reúnem e a panela de pressão, cheia de ressentimentos, está prestes a explodir. No elenco, além dessas três atrizes talentosas que dispensam apresentações, estão Antonio Pitanga e Vera Valdez. Atenção também à trilha sonora que conta com canções como “Cais” e “Um Gosto de Sol” de autoria de Milton Nascimento. Super recomendo.