31.3.24

“Perfect Days” - Wim Wenders (Japão/Alemanha, 2023)

Sinopse:
Hirayama (Koji Yakusho) parece totalmente satisfeito com sua vida simples de limpador de banheiros em Tóquio. À parte sua rotina bastante estruturada, dedica-se à paixão pela música e pelos livros. Também ama as árvores e sempre as fotografa. Uma sequência de encontros inesperados revela gradualmente o seu passado, levando-o à fazer uma reflexão comovente e poética sobre encontrar a beleza no cotidiano.
Comentário: Wim Wenders (1945) é um cineasta, dramaturgo, fotógrafo e produtor de cinema alemão considerado uma importante figura do Novo Cinema Alemão. Assisti dele 11 filmes: as obras-primas “Paris, Texas” (1984) e “Asas do Desejo” (1987), os excelentes "O Amigo Americano" (1977) e "Tão Longe, Tão Perto" (1993), os medianos "Medo e Obsessão" (2004), "Estrela Solitária" (2005) e “Submersão” (2017) e os não tão interessantes “O Medo do Goleiro Diante do Pênalti” (1972) e "Palermo Shooting" (2008). Assisti também os documentários "Pina" (2011) e "O Sal da Terra" (2014).
Rafael Delgado do Cine Ninja nos conta que “Inicialmente, o projeto havia sido pensado como um documentário sobre o sistema de banheiros públicos impecáveis de Tóquio, projetados por grandes arquitetos do país. Mas Wim Wenders, quando convidado pelo governo municipal de Tóquio para dirigir a obra, como grande admirador da cultura e dos filmes japoneses, e surpreso com a cultura sanitária do Japão, enxergou nela a possibilidade de transformá-la em uma ficção. Tendo o banheiro público como a locação protagonista do projeto, o diretor afirma: ‘Um banheiro é um lugar onde todos são iguais. Não existe rico e pobre, jovem e velho; todo mundo é parte da humanidade’”.
O site Terra diz que “O filme marcou a volta de Wenders à competição do Festival de Cannes (...) saindo de lá com o prêmio de melhor atuação masculina para Kôji Yakusho (...). O ator (...) interpreta Hirayama. Todos os dias, ele faz tudo sempre igual: acorda ao som da vizinha varrendo a rua, antes de amanhecer, escova os dentes, rega as plantas, compra um café na máquina ao lado da sua casa simples e antiga, entra no carro, coloca uma fita-cassete para ouvir e vai para o trabalho. Hirayama limpa, de forma respeitosa e meticulosa, banheiros públicos de Tóquio. (...) Hirayama tem uma vida simples, sem luxos e posses, e está contente assim. Não fala muito. Vive sozinho, mas não é solitário. Gosta de observar as árvores e ver os raios de luz que penetram pela copa. Tira fotografias de detalhes que deixamos passar despercebidos com uma câmera analógica. Quando manda revelar aquele rolo, compra um único outro. Gosta de ouvir fitas-cassete de Patti Smith, Nina Simone, Lou Reed - a música ‘Perfect Day’ deu origem ao título do filme: ‘Dias Perfeitos’”.
O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional perdendo para “Zona de Interesse”.
O que disse a crítica: Susana Bessa do site À Pala de Walsh avaliou com 4 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “Este é o seu herói não-estereotipado, loquaz só na linguagem corporal. (...) Hirayama é um intelectual que se regozija no trabalho manual, mas não numa vida livre de vínculos. Vive sozinho, mas procura calor na sua dedicação com todos os seres vivos, seja nos pés de plantas que apanha e delas cuida, seja com o outro que se cruza no seu caminho. (...) Sem nunca esquecer claro que nem tudo é sobre ele. Uma senhora penteia um gato num jardim. Uma rapariga também come uma sanduíche durante o seu almoço sentada num banco. Mais tarde brinca com as sombras dos corpos, ou então conclui um jogo da velha que um estranho começou num papel, objeto que deixou para ser encontrado num banheiro público. E o carinho que a dona do bar nutre por ele, sem menção ou declaração. São tantos os silêncios gordos, e sorrisos que ora exacerbam ora sublimam. Há um entendimento da bravura da condição humana, de como esta se auto ampara. Mais palavras para quê? Enquanto o filme nos mostra o que reter, nós vemo-lo a manifestar-se em nós, mesmo sem nada lhe darmos em troca. À voz de Nina Simone, do seu ‘Feeling Good’, e do mais perfeito culminar da história de Hirayama conosco, tudo renasce, como uma fênix, das cinzas”.
Marcio Sallem do site Cinema com Crítica gostou ainda mais, avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Para ele trata-se de “uma obra que embeleza e encontra a ternura na vida comum de Hirayama, enquanto planta a semente da crítica em como encaramos o zelo obsessivo à rotina e ao trabalho como uma boia salva-vidas para evitar o eventual amargor que há na vida (e que perseguem Hirayama nos sonhos). Acho que Hirayama sempre notou isso em como permanece, esperançoso, olhando para cima, em direção à torre denominada Sky Tree (árvore dos céus), às árvores do parque e à luz que deixa passar por sua copa, na busca do inominado que resolva a equação da vida. Contudo, não encontra. A resposta não está acima (ou abaixo). Está na árvore plantada, na gentileza concedida, na troca de olhar, no replay da música. Não está, necessariamente, na materialidade das coisas, porém na significação que damos a cada uma delas, ao doarmos o nosso tempo (imaterial) e tornar o agora o mais essencial dos presentes”.
O que eu achei: Minimalismo define esse filme. A rotina do limpador de banheiros Hirayama (Koji Yakusho) no Japão parece um haikai, aquele poema curto de origem japonesa - em geral ligado ao cotidiano ou à natureza - composto por poucas palavras e muita simplicidade. Não espere grandes movimentos, nem grandes reviravoltas. É um filme para se ver naqueles dias em que você quer desacelerar. A trilha sonora é arrebatadora com músicas como “Perfect Day” do Lou Reed - que deu título ao filme - além de outras pérolas como “The House of the Rising Sun” (The Animals), “Redondo Beach” (Patti Smith), “Sittin’ On The Dock of The Bay” (Otis Redding) e “Feeling Good (Nina Simone). Você termina de ver e fica se perguntando no quanto de excesso há nas nossas vidas. Será que não valeria a pena simplificar tudo?