24.3.24

“R.M.N.” - Cristian Mungiu (Romênia/França/Bélgica/Suécia, 2022)

Sinopse:
 
Matthias (Marin Grigore) volta à sua aldeia depois de deixar a Alemanha, onde trabalhou durante vários anos. A sua maior preocupação é Rudi (Mark Blenyesi), o filho pequeno que, aos cuidados de Ana (Macrina Bârlădeanu), sua ex-mulher, desenvolveu uma série de medos. Mas o seu regresso também se deve à necessidade de cuidar do pai (Andrei Finți) e à vontade de rever Csilla (Judith State), uma antiga namorada com quem tem esperança de reatar. Mas quando a fábrica de Csilla recebe trabalhadores estrangeiros, conflitos começam a surgir, desequilibrando as relações entre os habitantes da aldeia.
Comentário: Cristian Mungiu é um cineasta romeno de quem assisti ao ótimo "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias" (2007) e ao mediano “Além das Montanhas” (2012).
Segundo Leonardo Sanchez da Folha de SP, “’R.M.N.’, um acrônimo para Romênia, acompanha os eventos que se passam numa cidadezinha do país dias após a contratação de imigrantes do Sri Lanka pela fábrica de pães local. O anúncio de vagas decorava casas e o comércio havia semanas, mas o salário-mínimo não atraiu moradores locais, o que levou a dona da panificadora a trazer gente de fora. É o suficiente para uma verdadeira insurreição tomar conta da cidade, com a maioria dos cidadãos inconformados porque ‘imigrantes estão roubando nossos empregos’ ou por causa dos ‘hábitos de higiene’ dos homens que agora manipulam o pão que eles comem diariamente. Um verdadeiro show de horrores xenófobo. O curioso, no entanto, é que a aversão ao estrangeiro vem justamente de uma cidade que está sem mão de obra por tanto exportar seus jovens a países como Alemanha e Espanha e que vive em harmonia com uma boa porção de húngaros que há décadas cruzam a fronteira. Eles também insistem em aprender alemão e são terrivelmente cristãos – mas até o padre compra a briga pela ‘proteção’ daquela bolha de pele clara e tradições ultrapassadas. ‘Eu também vejo romenos pedindo esmola nas ruas da França’, diz um francês que está de passagem e fica inconformado ao ouvir que os três cingaleses vão levar miséria e violência à cidade, escancarando a hipocrisia do discurso. É um filme que capta o mal-estar de uma Europa cada vez menos globalizada e cada vez mais fechada dentro de nacionalismos e agendas populistas próprias, como a Guerra na Ucrânia tem mostrado”.
O que disse a crítica: Claúdio Alves do site HD Magazine avaliou como bom. Escreveu que o filme é “um robusto grito de raiva contra a xenofobia, (...) é obra de cinema político executado com rigor e formalismos frios. Cristian Mungiu mais uma vez nos mostra ser um dos grandes realizadores do século XXI, sua maestria da mise-en-scène um exemplo do melhor que se faz na onda do Novo Cinema Romeno”. Como ponto positivo ele salientou “a fotografia de Tudor Vladimir Panduru que, sem descurar os registos realistas que Mungiu tanto ama, encontra qualidades reminiscentes da pintura viva. Através da sua câmara, a paisagem rural torna-se num mural de Bruegel. Em termos mais específicos, fica o aplauso para toda a sequência da reunião comunitária”. Como pontos negativos ele disse que “Matthias é um personagem muito limitado, apesar de personificar um tipo de masculinidade bem desmantelada pelo texto crítico. Quiçá ‘R.M.N.’ beneficiasse de um roteiro que lhe prestasse menos atenção e investisse mais tempo nas figuras sistematicamente marginalizadas pelas estruturas sociais e narrativas”.
Luiz Oliveira do site Metrópolis achou excelente. Disse: “’R.M.N.’ passa bastante tempo explorando as rotinas e os conflitos de vários personagens, é o retrato de uma comunidade e um tempo, não se limitando apenas a visão de um protagonista. O canvas em que o diretor e roteirista pintam é vasto e pessimista. Pois se o cenário político continua sem solução, não será Mungiu a fazê-lo, e nem precisa, tão engajante é este olhar no espelho que ele provoca. Em um dos muitos conflitos com que Matthias tem de lidar, ele leva seu pai para fazer uma ressonância magnética de sua cabeça. As imagens do interior da cabeça de seu pai, salvas no celular, hipnotizam Matthias. É dentro de nossas cabeças, afinal, que surgem nossa oposição ao ‘outro’”.
O que eu achei: Cristian Mungiu é atualmente um dos mais reconhecidos realizadores do denominado Novo Cinema Romeno. Vi dele apenas dois filmes: o ótimo "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias" (2007) – que é um filme ambientado na Romênia no anos finais do ditador comunista Nicolae Ceauşescu no fim da década de 1980, e conta a trágica história de duas estudantes, colegas de quarto no alojamento universitário, que tentam praticar aborto ilegalmente – e o mediano “Além das Montanhas” (2012) – baseado em fatos reais ocorridos na Romênia em 2005, sobre duas moças que são criadas juntas em um orfanato na Romênia, elas se apaixonam mas se separam após uma delas resolver ir para a Alemanha enquanto a outra passa a viver em um convento sob severas regras religiosas. “R.M.N.” (2022), que é um acrônimo para Romênia, é talvez o mais interessante deles. É sobre a intolerância e o preconceito dos habitantes de uma pequena aldeia na Transilvânia para com três imigrantes que vem do Sri Lanka trabalhar numa empresa da cidade. Esses imigrantes vão parar lá justamente porque os habitantes locais não se interessaram pelos salários oferecidos, alegando poder conseguir salários melhores indo trabalhar no estrangeiro. É dentro desse paradoxo que surge uma onda de indignação racista. O roteiro inteligente mistura a beleza estonteante do lugar, com suas belas paisagens com neve, servindo de pano de fundo para acontecimentos sinistros. Até as legendas coloridas do filme são interessantes mostrando as falas em romeno numa cor, as falas em húngaro numa segunda cor e os demais idiomas numa terceira. É um filme complexo, violento e, ao mesmo tempo, visualmente lindo, que vale ser visto.