9.4.24

“Guerra e Paz” - Sergei Bondarchuk (Rússia, 1965-1967)

Sinopse:
O filme retrata, em quatro partes, o confronto entre Napoleão Bonaparte e a Rússia, relacionando-o às vidas das famílias Bolkonsky, Rostov e Bezukhov. O que começa como um desastre para os russos termina, sete anos mais tarde, com uma reviravolta, à medida em que a união contra o inimigo comum dissolve o antagonismo entre aristocracia e campesinato.
Comentário: Trata-se de uma adaptação do livro “Guerra e Paz” escrito em 1869 pelo russo Liev Tolstói. O romance possui mais de mil páginas e já havia sido adaptado para o cinema anteriormente, primeiro em 1915, na era muda, por Iákov Protanázov e Vladímir Gárdin. Depois, em 1956, por King Vidor. Esta versão do diretor Sergei Bondarchuk, feita entre 1965 a 1967, teria sido a terceira.
Bondarchuk havia realizado apenas um longa - “O Destino de Um Homem” (1959) – antes de realizar este filme que possui 402 minutos de duração, ou seja, 6h42m. Assim como no livro, o filme é dividido em 4 episódios: “Andrei Bolkonsky” (1965), “Natasha Rostov” (1966), “O Ano de 1812” (1967) e “Pierre Bezukhov” (1967), virando uma espécie de minissérie.
A trama gira em torno da campanha de Napoleão na Áustria, e descreve a invasão da Rússia pelo exército francês e a sua retirada, compreendendo o período de 1805 a 1820. Trata-se de um painel da aristocracia russa. Li que as duas principais famílias retratadas - Rostov e Bolkonsky - representam as famílias Tolstói e Volkonski, respectivamente do pai e da mãe do autor, Liev Tolstói. “Guerra e Paz” retrata o preconceito e a hipocrisia da nobreza, e também suas tradições religiosas, ao lado da vida cotidiana dos soldados e dos servos. Tolstói narra as guerras entre o imperador francês Napoleão e as principais monarquias da Europa, dissecando causas, origens e consequências dos conflitos e, principalmente, expondo os homens e suas fraquezas. Claro que adaptar um livro tão grande implicaria em cortar partes. Com isso o filme exclui várias histórias menores.
Maria do Rosário Caetano da Revista do Cinema nos conta que “nunca se viu tanto luxo, elenco tão afinado e figuração tão impressionante (milhares de soldados do Exército Vermelho em ação). Locações reais de tirar o fôlego, figurinos inimagináveis, objetos de cena de imensa beleza (colhidos em 40 museus), batalhas reconstituídas como se fossem reais (com o imperador-general Napoleão Bonaparte enfrentando tropas russas em sangrentos combates)”.
Além de dirigir o caríssimo e longuíssimo épico, o diretor também interpretou um de seus protagonistas: o rechonchudo, tímido e indeciso Pierre Bezukov. Sua esposa na vida real, a atriz Irina Skobtseva, é quem interpreta sua mulher Elena no filme.
Caetano nos diz que “no épico inspirado em Tolstói, há dois terríveis enfrentamentos com Napoleão”. Segundo ela, “no primeiro (1805) o Czar russo aliou-se à Áustria para enfrentar o Corso. Russos e austríacos foram fragorosamente derrotados em Austerlitz”. Já no segundo, “as tropas russas, comandadas mais uma vez pelo vesgo, mas engenhoso, General Kutuzov (Boris Zhakava), são derrotadas e batem em retirada. Napoleão adentra, glorioso, no coração do império, a bela Moscou. O filme, porém, mostrará que o triunfo de 1812 foi uma vitória de Pirro. O general vesgo obrigará soldados e população civil a deixarem suas casas e colocará fogo (sim fogo!) em metade de Moscou. Quando Napoleão der por si, perceberá que não há generais para assinar os termos da derrota, nem população para plantar e colher víveres capazes de alimentar o imenso exército francês plantado em solo russo (mais de 50 mil soldados). Quando as tropas napoleônicas decidirem regressar ao solo pátrio (situado a mais de 3 mil km), a lama, a fome e o General Inverno seriam aliados estratégicos de Kutuzov. Os russos, afinal, haviam promovido a mais espetacular (e enigmática) retirada da história moderna”.
O filme foi premiado pelo Grande Prêmio do 4º Festival Internacional de Cinema de Moscou (1965), recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (1968) e ganhou destaque no Globo de Ouro por Melhor Filme Estrangeiro (1969). 
Os episódios:
No primeiro episódio - denominado “Andrei Bolkonsky“ (1965) - o filme apresenta três famílias aristocráticas: os Bolkonsky, os Rostov e os Bezukhov, com foco na figura do Príncipe Andrei Bolkonsky que vai participar da guerra. Da família Rostov o foco é dado à personagem Natasha, uma condessa jovem e radiante. E da família Bezukhov o foco é dado em Pierre, amigo de Andrei, um cara ingênuo e sentimental.
No segundo - chamado “Natasha Rostova” (1966) – vamos conhecer melhor a personagem da jovem condessa, uma menina que está virando mulher. Ela começa a atrair a atenção dos homens e a pensar sobre o amor e a possibilidade de se casar com algum pretendente. Todos os seus pensamentos são ouvidos em voice-off. É a parte mais delicada e romântica das quatro, que termina em 1812 com Napoleão invadindo a Rússia.
O terceiro – “O Ano de 1812” (1967) – é basicamente um filme de guerra no qual será retratada, com muita competência, a Batalha de Borodino, entre franceses e russos e com a presença de Napoleão. Trata-se de um conflito sangrento que deixou dezenas de milhares de mortos e mutilados.
No quarto – “Pierre Bezukhov” (1967) – temos a finalização do seriado mostrando como termina a Batalha de Borodino, ao mesmo tempo que mostra os rumos de cada um dos três personagens principais: Andrei Bolkonsky, Natasha Rostova e Pierre Bezukhov, que é o protagonista dessa etapa. 
O que eu achei: O filme, restaurado pelos Estúdios Mosfilm, mostra uma fotografia arrebatadora. Foi o filme mais caro produzido pela União Soviética até então, demorou 6 anos para ser concluído pois adaptar um romance tão longo e complexo como “Guerra e Paz” do Tolstói não é tarefa para qualquer um. Dizem que esta é a mais competente adaptação do livro para o cinema. O enredo é basicamente a história da invasão napoleônica à Rússia, abarcando o período de 1805 a 1820. Todos os episódios têm a figura do narrador que conduz a trama com maestria. É impossível tirar os olhos da tela, seja nas cenas internas (palacetes, bailes, figurinos da aristocracia) como externas (batalhas, caçadas, paisagens com neve). Há tomadas aéreas impressionantes feitas sem drones. Impressiona também ver os exércitos imensos que não foram feitos digitalmente, mas sim com pessoas reais. As cenas de bailes em salões suntuosos são de encher os olhos. Difícil surgir alguma adaptação superior à esta. Pode-se considerar uma obra definitiva. Simplesmente imperdível.