8.12.24

“O Jogo da Rainha” - Karim Aïnouz (Reino Unido/EUA, 2023)

Sinopse:
 Catarina Parr (Alicia Vikander) é a sexta e última esposa do rei Henrique VIII (Jude Law). Na ausência do rei - que parte para o exterior em uma batalha -, Catarina Parr é nomeada rainha regente, e se preocupa em desempenhar o melhor papel de acordo com suas crenças. Porém, quando o rei retorna doente e tomado por paranoia, ele acaba mandando assassinar Anne Askew (Erin Doherty), a melhor amiga de Catarina Parr. Agora, para proteger sua própria vida, ela deve esconder seu medo e lutar para sobreviver.
Comentário: Karim Aïnouz (1966) é um cineasta brasileiro, filho de mãe brasileira e pai argelino, a quem praticamente não conheceu. Após estudar arquitetura, ele foi estudar cinema nos EUA, quando teve a oportunidade de conhecer o cineasta Todd Haynes, passando a trabalhar em seu primeiro longa-metragem chamado “Veneno” (1991). Nos anos seguintes, os dois filmaram vários curtas, até Aïnouz lançar seu primeiro longa “Madame Satã” (2002). Atualmente, além de diversos curtas, seu curriculum já conta com 13 longas. Até o momento assisti dois filmes do diretor: o bom "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo" (2009) e o excelente "A Vida Invisível" (2019).
Desta vez vou conferir “O Jogo da Rainha” (2023), cujo título original é “Firebrand” (2023). A tradução literal para “Firebrand” seria “Incendiário” ou “Incendiária”.
Pedro Benjamin Prado do site Terra nos conta que este filme “marca a estreia do diretor brasileiro Karim Aïnouz em inglês”. “Descrito como um ‘thriller psicológico’ por Aïnouz”, o filme conta a história de Catarina Parr (1512-1548), a sexta e última esposa do “monstruoso rei Henrique VIII (Jude Law), cujo comportamento brutal também é explorado na trama”. O roteiro, escrito por Jessica Ashworth e Henrietta Ashworth, “que passa longe de romantizar o casamento real, é baseado no livro best-seller de Elizabeth Fremantle, ‘Queen's Gambit’ (‘O Gambito da Rainha’). O nome do filme foi trocado para evitar confusões com a série”.
Radhika Seth escreveu uma matéria para a Vogue Internacional dizendo o que é verdade e o que é mentira no filme. Ela inicia seu texto dizendo que apesar de “Firebrand” começar com “Catarina Parr já no trono, atuando como regente enquanto seu marido está em uma campanha militar na França, a jovem de 32 anos já havia (...) sido casada e viúva duas vezes, por Sir Edward Burgh e John Neville, e estava apaixonada pelo influente Thomas Seymour antes de chamar a atenção do rei. A fim de permanecer na corte após a morte de Neville, Catarina Parr utilizou a amizade de sua falecida mãe com Catarina de Aragão para [se reaproximar de] sua filha, Lady Mary. No final de 1542, Catarina conseguiu um cargo na casa da princesa, e foi quando ela conheceu Henrique. Depois que ele a escolheu como sua sexta esposa, ela disse ter se sentido obrigada a aceitar sua proposta em detrimento da de Seymour, embora alguns historiadores argumentem que sua decisão também pode ter sido motivada por sua consciência de que o rei doente [poderia] não ter muito mais tempo de vida, sua saúde estava em declínio devido à obesidade e devido à um grave ferimento na perna, sofrido durante um acidente. (...) Os dois se casaram no Palácio de Hampton Court em 12 de julho de 1543”.
- Como foi o casamento de Catarina Parr e Henrique VIII?
“O casamento de Catarina Parr com Henry duraria três anos e meio, até sua morte [do rei] em 28 de janeiro de 1547, e ao longo desse período ela (Catarina Parr) teve um impacto positivo [na vida do rei]. Ela foi parcialmente responsável por reconciliar Henry com as princesas Mary e Elizabeth, e desenvolveu um forte vínculo com seu filho Edward – relacionamentos que são destacados em ‘Firebrand’. Também é verdade que ela foi nomeada regente na ausência de Henrique. Embora o filme mostre que seu poder a esse respeito é bastante limitado, na verdade, Catarina Parr conseguiu obter controle efetivo e governar como bem entendesse, principalmente devido ao fato de seu conselho de regência ser formado por legalistas. Ela cuidou das finanças e provisões para a campanha do rei contra os franceses, assinou cinco proclamações reais e fez contato com tenentes sobre a instabilidade na Escócia. Sua reputação como estudiosa, conforme mostrado em ‘Firebrand’, também é baseada em fatos: em 1544, Catarina Parr publicou anonimamente ‘Psalms or Prayers’ (‘Salmos ou Orações’), uma tradução de uma obra latina do Bispo John Fisher, e seguiu-a com ‘Prayers or Meditations’ (‘Orações ou Meditações’) em 1545, uma compilação de textos vernáculos para devoção pessoal. Este último foi o primeiro livro em língua inglesa no país a ser publicado por uma mulher em seu próprio nome, sendo posteriormente traduzido para o latim, francês e italiano pela princesa Elizabeth, como um presente para seu pai”. No filme há uma cena que mostra Catarina Parr ajudando Elizabeth com suas traduções religiosas. “Também há algo a ser dito sobre o desmantelamento do filme da noção popular de que Catarina Parr era uma enfermeira santa e maternal do rei enfraquecido. Promovida no século 19 pela moralista vitoriana Agnes Strickland, a ideia foi amplamente desacreditada nos últimos anos por biógrafos que, em vez disso, a descreveram como obstinada e franca – uma caracterização mais de acordo com suas realizações como escritora pioneira e rainha regente de sucesso. No entanto, é altamente improvável que seu relacionamento com Henry fosse tão combativo quanto é mostrado no filme”.
- O relacionamento de Henrique VIII com Catarina Parr azedou no final de sua vida?
Em ‘Firebrand’, o casamento (...) entra em crise após o retorno de Henry da França, e Catarina Parr parece estar perigosamente perto de perder a vida. Há alguma verdade nisso: a rainha era uma defensora vigorosa da Reforma Inglesa e era conhecida por ocasionalmente levar seus próprios pontos de vista evangélicos longe demais em suas discussões religiosas com Henrique. Seus oponentes ideológicos suspeitavam que ela era na verdade uma protestante – uma visão apoiada pelas ideias expressas em seu terceiro livro, ‘The Lamentation of a Sinner’ (‘A Lamentação de um Pecador'), publicado em 1547, após a morte do rei - e uma conspiração foi tramada para colocar Henrique contra ela. Um mandado de prisão acabou sendo elaborado, mas Catarina Parr recebeu um aviso prévio e se entregou à misericórdia do rei, implorou por perdão e conseguiu se reconciliar com ele. Há uma cena no início de ‘Firebrand’ em que vemos Catarina Parr fazendo exatamente isso, depois de criticar sua tomada de decisão, mas seu relacionamento com Henry nunca se recupera totalmente dessa indiscrição. Em contraste, na vida real, Catarina Parr e Henry parecem ter se dado bem na véspera de sua morte. Pouco antes disso, Henrique providenciou um generoso subsídio anual a ser pago à esposa e ordenou que, mesmo após sua morte, ela recebesse o respeito de uma rainha da Inglaterra, como se ele ainda estivesse vivo”.
- Catarina Parr teve alguma participação na morte de Henrique VIII?
“Não há nada que sugira isso, embora as circunstâncias da morte de Henry sejam um tanto misteriosas. Em seus últimos meses, o rei ficou aleijado por sua obesidade e pelo ferimento purulento em sua perna, e também possivelmente sofrendo de gota e escorbuto, mas os historiadores discordam sobre a causa exata da morte. As teorias variam de uma febre forte a uma parada cardíaca, [ou seja, nenhuma das hipóteses] parece implicar Catarina Parr”.
- O que aconteceu com Catarina Parr após a morte de Henrique VIII?
“Enquanto ‘Firebrand’ termina com uma nota triunfante – com a vitória de Catarina Parr sobre Henry e um reconhecimento de sua influência sobre Elizabeth I – na realidade, a vida da rainha chegou a um fim trágico menos de dois anos depois. Após a morte de Henrique e a coroação de Eduardo VI, ela se aposentou da corte e finalmente se casou com Thomas Seymour, apenas para morrer logo após dar à luz sua filha. O profundo impacto de Catarina Parr em Elizabeth e seu futuro reinado, no entanto, é indiscutível”.
O que disse a crítica: Katiúscia Vianna do site Adoro Cinema avaliou com 3 estrelas, ou seja, legal. Disse: “O filme de Karim Aïnouz carrega a modernidade em sua [narrativa], trazendo uma nova visão para uma figura que merece mais atenção em nossa história. Mas mesmo cumprindo todos os requisitos técnicos, ‘Firebrand’ prova como a arte precisa ir além do ângulo objetivo. Muitos vão curtir o jogo de intrigas do filme, que ganha pontos por revitalizar Catarina Parr para um novo público. Porém, essa rainha poderia ter sido muito mais explorada, afinal tem sua própria história para contar”. Ela achou: “Os figurinos incríveis, o design de produção transmite uma certa viagem no tempo e até a trilha sonora merece um destaque. Mas o resultado final acaba deixando o espectador meio passivo diante de tudo”.
Lucas Pistilli do site Cineset também avaliou com 3 estrelas. Escreveu: “O filme mantém a atenção do público e seu apuro estético faz com que as duas horas de projeção passem facilmente. As imagens da diretora de fotografia Hélène Louvart (novamente colaborando com Ainouz depois de ‘A Vida Invisível’) dão à Inglaterra um tom frio e inóspito, reforçando a solidão de sua protagonista na sua luta contra a tirania. No geral, ‘Firebrand’ é um filme de época bastante em linha com a celebração da feminilidade de hoje em dia. A produção pode não conseguir fazer de sua protagonista uma personagem multifacetada e complexa, mas funciona muito bem como entretenimento – especialmente para fãs de dramas de corte”.
O que eu achei: Como eu gosto muito de eventualmente assistir um ou outro filme mostrando reinados e dramas de corte, me interessei em assistir este com a direção de um brasileiro: o cearense Karim Aïnouz. Ainda bem que eu sabia que ele era o diretor, pois se tivesse visto sem essa informação, eu nunca me arriscaria a dizer que era dele. Na verdade, pelo que eu entendi, o roteiro estava pronto e Aïnouz foi contratado para dirigir uma ideia já previamente concebida. Esses filmes são sempre uma aula de história. Eu já havia assistido anteriormente "A Vida Privada de Henrique VIII" (1933) com direção de Alexander Korda. Nesse de 1933 são mostrados os seis casamentos do rei, interpretado pelo grande Charles Laughton. O filme começa com Henrique subindo ao trono da Inglaterra em 1509, desposando Catarina de Aragão, filha do rei da Espanha. Conta-se que por muito tempo ele desejou romper o casamento com Catarina, mas como somente o Papa poderia dissolvê-lo ele foi adiando a decisão. Quando se apaixonou por Ana Bolena, a dama de honra da rainha, não teve mais escrúpulos e pediu a separação. Sob acusação de adultério, Ana Bolena é executada e o rei Henrique VIII desposa Jane Seymour. Esta lhe dá um filho, mas morre no parto. Então Henrique casa-se com Anne de Cleves, de quem logo se divorcia para se casar com Catarina Howard, que ambicionava o trono mas se envolve com Thomas Culpeper, por quem estava apaixonada. Quando o rei descobre o adultério, manda decapitá-la. Como Henrique não fora feito para viver só ele se casa pela sexta e última vez com a dama da corte Catarina Parr. É aqui que se situa este filme do Aïnouz: no relacionamento entre o rei Henrique VIII e Catarina. Uma oportunidade de ouro de conhecer melhor essa última esposa, tão culta e tão influente em seu reino. O filme toma algumas liberdades poéticas, altera uma outra situação, mas mesmo assim é um retrato bem construído que vai te fazer entender, dentre outras coisas, quem são os tais “reformistas” favoráveis a uma reforma na Igreja. Henrique VIII inclusive, por ter tido 6 casamentos, ele já vinha desobedecendo regras básicas do Vaticano. Logo no seu primeiro casamento, quando ele pediu a anulação do seu enlace com Catarina Aragão e teve a negativa do Papa, ele simplesmente inventou uma nova religião – a religião anglicana ou Igreja da Inglaterra – e se separou através da reforma protestante. Então ele mesmo fazia parte da reforma. Catarina Parr que também protestava contra essas regras, já havia apoiado totalmente o então polêmico rompimento de Henrique com a Igreja Católica. Mas durante seus anos como esposa do rei essa sua atuação na reforma trouxe diversos problemas para ela. No elenco temos a sueca Alicia Vikander no papel principal, uma atriz já conhecida de outros filmes. Mas impressionante mesmo é ver o Jude Law no papel de Henrique VIII. Se eu não tivesse visto seu nome nos créditos eu nunca diria que era ele, pois ele está irreconhecível fisicamente. Sua interpretação também não deixa nada a desejar. Arriscaria dizer que esta talvez seja sua melhor performance até o momento. Então, se gostar desse tipo de filme se jogue sem medo, pois ele vale cada minuto. Muito bom.