Sinopse: Atendendo a um anúncio de jornal, 83 mulheres contaram suas histórias de vida num estúdio. Em junho de 2006, 23 delas foram selecionadas e filmadas no Teatro Glauce Rocha. Em setembro do mesmo ano, atrizes interpretaram, a seu modo, as histórias contadas pelas personagens escolhidas.
Comentário: Eduardo Coutinho (1933-2014) foi um cineasta e jornalista brasileiro. É considerado por muitos como o maior documentarista da história do cinema do Brasil. Sua morte foi uma comoção nacional, pois ele foi morto a facadas em seu apartamento pelo próprio filho, que sofria de esquizofrenia. Assisti dele os excelentes "Cabra Marcado Para Morrer" (1984), “O Fio da Memória” (1991) e “Edifício Master” (2002). Desta vez vou conferir “Jogo de Cena” (2006), um documentário que já estava na lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), mas que recentemente ganhou novo reconhecimento ao entrar para a lista dos 100 melhores filmes dos anos 2000 elaborada pelo importante site especializado em cinema IndieWire, ocupando a 66ª colocação no mundo.
A ideia é a seguinte: atendendo a um anúncio de jornal, 83 mulheres, interessadas em participar do documentário, contaram suas histórias de vida em um estúdio. Em junho de 2006, 23 dessas mulheres foram filmadas no Teatro Glauce Rocha no Rio de Janeiro. Em setembro do mesmo ano, atrizes diversas interpretaram, a seu modo, as histórias contadas pelas personagens escolhidas. Com isso, o longa mistura realidade e dramaturgia, onde as personagens reais falam da sua própria vida, depois estas personagens se tornam modelos a desafiar atrizes e por fim, as atrizes interpretam as personagens.
Segundo declarações do próprio diretor este é um documentário “impuro” justamente por incorporar atrizes. O que está em discussão é o caráter da representação. Representar, para ele, está ligado a brincar, jogar – o que aparece claramente em línguas como o inglês (to play), o francês (jouer) e o alemão (spielen). Então o documentário fala do aspecto verdadeiro, natural, autêntico das personagens, ao mesmo tempo em que refletimos sobre o quanto de teatro, ou de performance, há neles, acentuados pelo efeito-câmera. E a memória está sempre no presente, por isso é feita de esquecimento e invenção.
Coutinho resume: “o jogo a ser jogado inclui pelo menos três camadas de representação: primeiro, personagens reais falam de sua própria vida; segundo, estas personagens se tornam modelos a desafiar atrizes; e, por fim, algumas atrizes jogam o jogo de falar de suas vidas reais”. A aposta do documentário é a de que personagens e atrizes escapem dos estereótipos e, de alguma forma, se afirmem como sujeitos singulares até o limite que o jogo permita.
No elenco contamos com nomes como Marília Pêra, Andréa Beltrão e Fernanda Torres, dentre outras.
O que disse a crítica: Laisa Lima do site Plano Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Em ‘Cabra Marcado Para Morrer’ (1984), Coutinho soube extrair singularmente a sinceridade de quem o cineasta deu maior destaque, (...) ‘Jogo de Cena’ traz o mesmo modelo de franqueza (...). Forte e ao mesmo tempo simples, o filme é obviamente um documentário participativo, dado o direcionamento convergente para assuntos concordantes e guiados na maneira de contá-los. Contudo, parece livre a forma de atuação não só das atrizes mas das outras mulheres também, sem nada aparentar ser artificial e inventado. A ideia de igualar o real e o irreal indica a dificuldade que o cérebro possui de diferenciar a legitimidade das falas, mas também evidencia o que o cinema é capaz de fazer. A natureza ‘falsa’ de uma gravação consegue sim contrapor este parecer ultrapassado de que tudo nela é ilusório, até porque os sentimentos produzidos na audiência em nada lembram um fingimento. ‘Jogo de Cena’ pôde comprovar que estes dois mundos são nada mais do que complementares”.
Robledo Milani do site Papo de Cinema avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveu: “Se há uma conclusão que pode ser obtida em ‘Jogo de Cena’ é que a realidade é muito mais absurda do que a ficção. Uma precisa se fazer valer dentro de parâmetros pré-estabelecidos, para que o público acredite. Não pode haver dúvida. Já a vida real é totalmente desprovida de lógica, sendo que tudo pode acontecer a qualquer momento, bastando para isso um protagonista disposto a fazer o seu enredo um pouco diferente dos demais. E Eduardo Coutinho tem plena noção destas fronteiras. Documentarista ou ficcional, este é um cineasta em pleno domínio de sua forma e conteúdo, capaz de surpreender com o mais óbvio e banal. Um verdadeiro gênio, daquele tipo cada vez mais raro e precioso”.
O que eu achei: Já assisti pelo menos três documentários do Eduardo Coutinho: "Cabra Marcado Para Morrer" (1984), “O Fio da Memória” (1991) e “Edifício Master” (2002). Todos eles excelentes. Desta vez resolvi assistir “Jogo de Cena” (2007), impulsionada pelo fato dele ter entrado recentemente numa lista elaborada pelo importante site especializado em cinema IndieWire, que reuniu o que eles consideraram os 100 melhores filmes dos anos 2000. O documentário do Coutinho está lá ocupando a 66ª colocação no mundo, muito bem acompanhado de produções como “A.I. Inteligência Artificial” (2001) do Steven Spielberg, “As Coisas Simples da Vida” (2000) de Edward Yang e “Cidades dos Sonhos” (2001) de David Lynch, entre outros. O documentário é, de fato, um jogo. Um jogo entre o que é verdade e o que é representação. A ideia de Coutinho foi colocar um anúncio no jornal para que mulheres comuns que topassem participar de um documentário, fossem até um determinado estúdio contar suas histórias de vida. Aparecem inicialmente 83 mulheres, dentre as quais Coutinho selecionou 23. Daí ele convidou algumas atrizes para representar essas mesmas pessoas contando essas mesmas histórias. Falando assim parece algo simples, mas o resultado de simples não tem nada. Quando você vê a presença de atrizes consagradas como Marília Pêra, Andréa Beltrão e Fernanda Torres, ok, você já sabe que são atrizes interpretando. Porém há atrizes desconhecidas infiltradas no jogo, que você fica sem saber se é dela aquela história de vida ou da outra que acabou de falar. Além disso, mesmo as atrizes conhecidas, falam um pouco de si mesmas. O resultado é de um embaralhamento tal que ao final você não sabe mais dizer o que é verdade e o que é interpretação. Uma verdadeira obra-de-arte que resulta de uma boa ideia inicial, uma boa seleção de histórias e uma edição que te hipnotiza do começo ao fim. Resumindo, é coisa de gênio. Imperdível.
A ideia é a seguinte: atendendo a um anúncio de jornal, 83 mulheres, interessadas em participar do documentário, contaram suas histórias de vida em um estúdio. Em junho de 2006, 23 dessas mulheres foram filmadas no Teatro Glauce Rocha no Rio de Janeiro. Em setembro do mesmo ano, atrizes diversas interpretaram, a seu modo, as histórias contadas pelas personagens escolhidas. Com isso, o longa mistura realidade e dramaturgia, onde as personagens reais falam da sua própria vida, depois estas personagens se tornam modelos a desafiar atrizes e por fim, as atrizes interpretam as personagens.
Segundo declarações do próprio diretor este é um documentário “impuro” justamente por incorporar atrizes. O que está em discussão é o caráter da representação. Representar, para ele, está ligado a brincar, jogar – o que aparece claramente em línguas como o inglês (to play), o francês (jouer) e o alemão (spielen). Então o documentário fala do aspecto verdadeiro, natural, autêntico das personagens, ao mesmo tempo em que refletimos sobre o quanto de teatro, ou de performance, há neles, acentuados pelo efeito-câmera. E a memória está sempre no presente, por isso é feita de esquecimento e invenção.
Coutinho resume: “o jogo a ser jogado inclui pelo menos três camadas de representação: primeiro, personagens reais falam de sua própria vida; segundo, estas personagens se tornam modelos a desafiar atrizes; e, por fim, algumas atrizes jogam o jogo de falar de suas vidas reais”. A aposta do documentário é a de que personagens e atrizes escapem dos estereótipos e, de alguma forma, se afirmem como sujeitos singulares até o limite que o jogo permita.
No elenco contamos com nomes como Marília Pêra, Andréa Beltrão e Fernanda Torres, dentre outras.
O que disse a crítica: Laisa Lima do site Plano Crítico avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Em ‘Cabra Marcado Para Morrer’ (1984), Coutinho soube extrair singularmente a sinceridade de quem o cineasta deu maior destaque, (...) ‘Jogo de Cena’ traz o mesmo modelo de franqueza (...). Forte e ao mesmo tempo simples, o filme é obviamente um documentário participativo, dado o direcionamento convergente para assuntos concordantes e guiados na maneira de contá-los. Contudo, parece livre a forma de atuação não só das atrizes mas das outras mulheres também, sem nada aparentar ser artificial e inventado. A ideia de igualar o real e o irreal indica a dificuldade que o cérebro possui de diferenciar a legitimidade das falas, mas também evidencia o que o cinema é capaz de fazer. A natureza ‘falsa’ de uma gravação consegue sim contrapor este parecer ultrapassado de que tudo nela é ilusório, até porque os sentimentos produzidos na audiência em nada lembram um fingimento. ‘Jogo de Cena’ pôde comprovar que estes dois mundos são nada mais do que complementares”.
Robledo Milani do site Papo de Cinema avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveu: “Se há uma conclusão que pode ser obtida em ‘Jogo de Cena’ é que a realidade é muito mais absurda do que a ficção. Uma precisa se fazer valer dentro de parâmetros pré-estabelecidos, para que o público acredite. Não pode haver dúvida. Já a vida real é totalmente desprovida de lógica, sendo que tudo pode acontecer a qualquer momento, bastando para isso um protagonista disposto a fazer o seu enredo um pouco diferente dos demais. E Eduardo Coutinho tem plena noção destas fronteiras. Documentarista ou ficcional, este é um cineasta em pleno domínio de sua forma e conteúdo, capaz de surpreender com o mais óbvio e banal. Um verdadeiro gênio, daquele tipo cada vez mais raro e precioso”.
O que eu achei: Já assisti pelo menos três documentários do Eduardo Coutinho: "Cabra Marcado Para Morrer" (1984), “O Fio da Memória” (1991) e “Edifício Master” (2002). Todos eles excelentes. Desta vez resolvi assistir “Jogo de Cena” (2007), impulsionada pelo fato dele ter entrado recentemente numa lista elaborada pelo importante site especializado em cinema IndieWire, que reuniu o que eles consideraram os 100 melhores filmes dos anos 2000. O documentário do Coutinho está lá ocupando a 66ª colocação no mundo, muito bem acompanhado de produções como “A.I. Inteligência Artificial” (2001) do Steven Spielberg, “As Coisas Simples da Vida” (2000) de Edward Yang e “Cidades dos Sonhos” (2001) de David Lynch, entre outros. O documentário é, de fato, um jogo. Um jogo entre o que é verdade e o que é representação. A ideia de Coutinho foi colocar um anúncio no jornal para que mulheres comuns que topassem participar de um documentário, fossem até um determinado estúdio contar suas histórias de vida. Aparecem inicialmente 83 mulheres, dentre as quais Coutinho selecionou 23. Daí ele convidou algumas atrizes para representar essas mesmas pessoas contando essas mesmas histórias. Falando assim parece algo simples, mas o resultado de simples não tem nada. Quando você vê a presença de atrizes consagradas como Marília Pêra, Andréa Beltrão e Fernanda Torres, ok, você já sabe que são atrizes interpretando. Porém há atrizes desconhecidas infiltradas no jogo, que você fica sem saber se é dela aquela história de vida ou da outra que acabou de falar. Além disso, mesmo as atrizes conhecidas, falam um pouco de si mesmas. O resultado é de um embaralhamento tal que ao final você não sabe mais dizer o que é verdade e o que é interpretação. Uma verdadeira obra-de-arte que resulta de uma boa ideia inicial, uma boa seleção de histórias e uma edição que te hipnotiza do começo ao fim. Resumindo, é coisa de gênio. Imperdível.