3.3.24

“Zona de Interesse” – Jonathan Glazer (EUA/Polônia/Reino Unido, 2023)

Sinopse:
Segunda Guerra Mundial. Rudolf Höss (Christian Friedel), o comandante de Auschwitz, e sua esposa Hedwig (Sandra Hüller), desfrutam de uma vida aparentemente comum e bucólica, em uma casa com jardim. Mas por trás da fachada de tranquilidade, a família feliz vive, na verdade, ao lado do campo de concentração de Auschwitz. O dia a dia destes personagens se desenrola entre os gritos abafados de desespero de um genocídio em curso, do qual eles também são diretamente responsáveis.
Comentário: Jonathan Glazer (1965) é um cineasta, diretor e roteirista inglês. Nascido em Londres, Glazer começou a sua carreira no teatro antes de fazer a transição para o cinema. São dele os longas: "Sexy Beast" (2000), "Birth" (2004) e "Under the Skin" (2013). “Zona de Interesse” (2023) é o primeiro filme que vejo dele.
O filme foi inspirado pelo romance homônimo escrito pelo autor Martin Amis no ano de 2014. Conta a história real de Rudolf Höss, o comandante de Auschwitz, e a esposa, Hedwig, que desfrutam de uma vida aparentemente bucólica em uma casa com um jardim ao lado do campo de concentração.
O site do IMS nos diz que, além do livro, “o filme teve também como ponto de partida a casa em que moravam Rudolf Höss, comandante do campo de concentração de Auschwitz, sua esposa Hedwig e seus filhos. ‘Visitei a casa e o jardim, que não é exatamente como era na época. Mas ele ainda existe’, conta Glazer. ‘E, estando lá, naquele espaço, o que me impressionou foi a proximidade com o campo. A casa compartilhava uma parede com Auschwitz. Tudo estava acontecendo bem ali, do outro lado do muro. E o fato de um homem ter vivido ali e ter criado sua família ali… Como você faz isso?’
‘Jon [Jonathan Glazer] me enviou o roteiro e me lembro de tê-lo lido e ficado completamente impressionado com ele’, comenta Lukasz Zal, diretor de fotografia do filme. Eu nunca tinha visto esse tipo de abordagem em um filme sobre o Holocausto. Não era a abordagem de Hollywood para esse tipo de história, que, na minha opinião, muitas vezes pode fetichizar essa história, mesmo quando se trata de como os personagens são mostrados, como os uniformes são retratados, até mesmo o uso de cores e sombras escuras. Aqui, Jonathan queria que tudo fosse brilhante e claro, tudo parecendo tão agradável, leve e normal. Lembro-me de ler isso e pensar: Eu quero fazer isso. Quero fazer esse filme porque nunca vi nada parecido antes, e ele vai ao cerne de algo que me interessa muito, que é porque as pessoas fazem o mal, como as pessoas podem tratar a matança como algo comum, como remendar um casaco ou varrer o chão’”.
Jorge Marin do site Tecmundo diz que “há duas histórias no filme: uma visual e outra sonora. A sonora começa logo na abertura e revela sons mecânicos, aterradores, do campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde cerca de 1,5 milhão de pessoas foram executadas. Já a paisagem visual, mostra a casa do outro lado da rua, onde o diretor do campo de extermínio, Rudolf Höss (interpretado por Christian Friedel), vive com sua família. Colocados dentro do feliz lar nazista, ficamos oprimidos ao ver como aquela família fez de tudo para abafar os sons de gritos desesperados, choros e disparos barulhentos a apenas 100 metros de sua residência. Mas o que mais assusta é que se trata de uma história real”.
Ele nos conta que “quando a família Höss chegou à vila que passou a levar seu nome, um prédio de dois andares com um impecável jardim paisagístico, Rudolf havia sido nomeado comandante de Auschwitz, em maio de 1940. O local era apenas um antigo quartel do exército polonês que havia sido adaptado pelos nazistas para confinar presos políticos. Uma espécie de líder disruptivo, o comandante Höss revolucionou a instalação, aperfeiçoando e testando técnicas de extermínio em massa, que resultaram na construção de quatro grandes câmaras de gás e crematórios nos complexos de Auschwitz I, Auschwitz II e Birkenau. Com sua visão ‘empreendedora’, logo Höss foi promovido e substituído como comandante do campo em 1943. No entanto, sua esposa Hewig [interpretada por Sandra Hüller, a mesma de ‘Anatomia de Uma Queda’] continuou morando na vila, em companhia dos filhos Klaus, Heidetraud, Inge-Brigitt, Hans-Jürgen e Annegret. Em maio de 1944, o antigo comandante retornou a Auschwitz para supervisionar pessoalmente o assassinato de 400 mil judeus húngaros em menos de três meses. (...) O filme compartilha com os espectadores o dia a dia tranquilo e feliz da família Höss, que construiu seu paraíso terrestre no jardim à beira do lago, enquanto a 150 metros, a chaminé do crematório bombeava cinzas e fumaças para que o pai conseguisse bater suas ‘metas’. Autodenominada ‘rainha de Auschwitz’, Hedwig administrava a casa de forma rígida, colocando a organização doméstica acima de tudo, até mesmo do marido. Os filhos tiveram uma infância saudável, entre passeios de barco e brincadeiras na areia. A casa, espaçosa e bem mobiliada, foi reproduzida fielmente no filme, pelo designer de produção Chris Oddy”.
Fiquei me perguntando que fim teve esse comandante e li que ele foi enforcado em 1947. A esposa escapou, cinicamente garantindo não saber das atrocidades ao lado da própria casa.
O filme, que já abocanhou alguns prêmios como a Palma de Ouro em Cannes, concorre agora ao Oscar de Melhor Filme, Melhor Direção (Jonathan Glazer), Melhor Filme Internacional (Inglaterra), Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Som.
Aliás, sobre as indicações ao Oscar, você pode estar se perguntando, assim como eu, como um filme estrangeiro (neste caso a produção é inglesa) pode concorrer à Melhor Filme e à Melhor Filme Internacional? Já vimos isso anteriormente com o sul-coreano “Parasita” por exemplo, mas a pergunta persiste: produções internacionais não deveriam concorrer apenas à Melhor Filme Internacional? Em busca de uma resposta li no site Cine Ninja que “para o professor de audiovisual e gestor de projetos da AO3, Alex Vidigal, a resposta é simples: mercado. Ele lembra que para um filme produzido fora dos Estados Unidos romper a bolha e chegar à lista de indicados do Oscar [de Melhor Filme] é preciso um trabalho grande de distribuição”. Ou seja, significa que o trabalho de marketing foi muito bem feito. Outro fator que “fura a bolha” segundo ele, é o filme ter um “elenco de peso”, que chame a atenção da Academia. Resumindo, Melhor Filme e Melhor Filme Internacional são categorias que atualmente meio que se confundem.
O que disse a crítica: Guilherme Jacobs do site Chippu avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Escreveu: “Erguer um memorial só faz sentido se ele contar a história do lugar onde é firmado. Auschwitz nos revela como o mal é indiferente. A diabólica oposição a ver o próximo como humano foi o pilar do partido de Hitler, e ‘Zona de Interesse’ retrata essa crueldade justamente ao enxergar o que deveria ser a humanidade de seus personagens sendo apagada pelas circunstâncias onde se encontram. Nas mãos de Jonathan Glazer, é impossível deixar de lado o que aconteceu naquele campo de concentração precisamente porque ele coloca suas lentes no que aconteceu do lado de fora de seus muros, e não dentro deles”.
Bruno Botelho dos Santos do site Adoro Cinema avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Escreveu: “Como todos os filmes sobre nazismo, ‘Zona de Interesse’ é uma experiência desconfortável. Mas seu diferencial é que Jonathan Glazer não comete o mesmo erro de muitas produções que espetacularizaram os horrores do Holocausto. O diretor foca em uma experiência sonora perturbadora vinda dos campos de concentração, sem precisar mostrar nada do que acontece, mas acompanhando a rotina de uma família que normalizou isso e vive tranquilamente do lado de Auschwitz enquanto vidas estão sendo tiradas do outro lado do muro. ‘Zona de Interesse’ é um estudo sobre o lado mais sombrio da humanidade e de nossa cumplicidade quando ignoramos ou naturalizamos certas ideologias. É também sobre a importância de manter vivo na memória os horrores do Holocausto”.
O que eu achei: A abertura em tela preta já anuncia o que virá pela frente: a banalidade do mal em toda sua essência. O diretor inglês Jonathan Glazer, que é judeu, relutou em contar essa história, demorou dez anos para tirar o filme do papel, mas com o avanço da extrema-direita no mundo achou que estava mais que na hora de mostrar que as pessoas que trabalharam para o Holocausto ocorrer poderiam ser seus vizinhos, amigos, parentes ou talvez até você mesmo. É o retrato dessa família feliz e normal o que mais interessa aqui, saber que eles não eram monstros, e isso é o mais aterrorizante. Assim vamos acompanhando o dia a dia da família Höss, composta pelo pai Rudolf, o comandante de Auschwitz, sua esposa Hedwig e seus cinco filhos vivendo numa linda casa ao lado do campo de concentração. A fotografia solar nos mostra a fumaça que sai das chaminés, enquanto crianças brincam na piscina de casa. Uma perspectiva um tanto diferente das que estamos acostumados a ver em filmes sobre o nazismo. Os sons aterradores é que mostram o que se passa muro afora. Essa abordagem única é o ponto alto do filme. Atenção às cenas em P&B mostrando uma empregada da casa que escondia comida no campo, essa cena anda de mãos dadas com o conto de “Hansel e Gretel”, dos Irmãos Grimm - que para nós brasileiros seria “João e Maria”, aquele famoso conto que as crianças deixam migalhas pelo chão para criar uma trilha na floresta e depois poderem voltar - que o pai amoroso conta para suas filhas. Atenção também às cenas que mostram o pessoal da manutenção dentro dos arquivos do Museu Estadual Auschwitz-Birkenau, que nos dizem que esta memória precisa ser preservada para nunca mais se repetir. Excelente pedida.