25.2.24

“Pedágio” - Carolina Markowicz (Brasil, 2023)

Sinopse:
 
Suellen (Maeve Jinkings) é uma mulher que leva uma vida simples trabalhando como cobradora de um pedágio. Um dia, ela percebe que pode usar o emprego como uma forma de fazer uma renda extra - mas de maneira ilegal. Ela decide arriscar, mas acredita ter um motivo muito bom para tal: o dinheiro seria totalmente destinado a uma caríssima “cura gay” para seu filho Tiquinho (Kauan Alvarenga), ministrada por um pastor estrangeiro (Isac Graça) muito conhecido.
Comentário: Carolina Markowicz (1982) é uma cineasta e roteirista brasileira. Ela escreveu e dirigiu seis curta-metragens, foi co-criadora de uma série televisiva chamada “Ninguém Tá Olhando” (2019) e dirigiu dois longas: “Carvão” (2022) e este “Pedágio” (2023). Assisti dela apenas o ótimo “Carvão”.
Marilda Campbell do Cine Ninja nos diz que “o longa (...) conta a história de Suellen (Maeve Jinkings), uma cobradora de pedágio que usa o seu trabalho para fazer uma renda extra ilegalmente. Ela age por uma causa que entende ser nobre: financiar a ida de seu filho Tiquinho (Kauan Alvarenga) à caríssima cura gay ministrada por um famoso pastor estrangeiro. Diante de um tema tão sensível ‘Pedágio’ é um misto de drama e humor ácido ao expor de forma caricata a hipocrisia e o preconceito de parte da sociedade em face da comunidade LGBTQIAPN+. Suellen é uma mãe solo, periférica, que se sente incomodada com as críticas de terceiros a seu filho homossexual. Ela entende que ser um homem gay é um defeito e faz de tudo para salvá-lo. A complexidade da personagem reside no fato de que ela age acreditando estar fazendo o melhor para Tiquinho, contudo não se preocupa em manter um diálogo com o filho, apesar de eles terem uma boa relação”.
Numa entrevista concedida pela atriz Maeve Jinkings ela declara: “Muitos dos discursos e das práticas super violentas são reproduzidos por ignorância e não por ideologia. Nosso papel é capturar essas pessoas e tentar dar luz sobre a falta de entendimento das inúmeras possibilidades de existir no mundo”.
Sobre o título “Pedágio”, José Geraldo Couto do IMS acredita que ele “sugere mais de um sentido: paga-se um pedágio na passagem da adolescência à vida adulta (Tiquinho), da honestidade ao crime (Suellen), da virtude ao pecado (a amiga evangélica)”.
O filme é ambientado em Cubatão, São Paulo. Segundo a diretora, a cidade foi escolhida como cenário por possuir ares "apocalípticos", que contribuem para reforçar a atmosfera densa da história do filme.
“Pedágio” foi selecionado para diversos festivais de cinema, nacionais e internacionais. O filme se destacou no Festival do Rio, onde foi ovacionado pelo júri e recebeu quatro prêmios. Destacou-se na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Foi selecionado internacionalmente para os festivais de San Sebastián, Vancouver, Bordeaux, Roma - onde foi laureado como Melhor Filme - , e no renomado Festival Internacional de Cinema de Toronto.
O que disse a crítica: Nathalia Jesus do site Adoro Cinema avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “’Pedágio’ é belo por ser tão real e, sem nenhuma pretensão, didático. Os bons entendedores lerão as linhas miúdas deixadas no silêncio e conseguirão refletir sobre o quão próxima aquela realidade está - praticamente batendo em nossa porta, por mais triste e absurda que pareça. É um filme que não exige muito mais do que a capacidade de entender o coração do próximo e a de saber que, para o bem ou para o mal, certas coisas nunca mudam”.
Raphael Camacho do Cine POP gostou ainda mais avaliando o filme com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Tem artistas que adotam o discurso reto e direto, outros buscam as trajetórias mais difíceis por meio de profundas camadas dramáticas para trazer ao centro do palco (ou melhor, da telona) uma série de críticas sociais importantes para serem debatidas. Um relacionamento entre mãe e filho marcado pelo preconceito é o primeiro passo de um brilhante roteiro que detalha a vida como ela é, uma versão nua e crua de recortes de uma sociedade que algumas vezes buscam os caminhos mais difíceis em busca de algum sentido para verdades impostas. A narrativa é cirúrgica também ao relatar e se fazer refletir sobre a opressão sofrida pela comunidade LGBTQIA+”.
O que eu achei: O filme anterior da diretora Carolina Markowicz - “Carvão” (2022), que também conta com a atriz Maeve Jinkings no papel principal – é, assim como este, um trabalho bem estruturado. O tema agora é a famigerada “cura gay”, tendo como pano de fundo a tênue diferença entre moralidade e crime. Jinkings, que já se mostrou excelente no filme anterior, continua ótima neste. Ao seu lado está o jovem ator negro Kauan Alvarenga que logo no seu primeiro longa já mostra ao que veio. Para fazer o papel, Kauan disse ter se inspirado em ícones da música pop brasileira como Pabllo Vittar e Glória Groove. O Festival do Rio premiou ambos, além de Aline Marta Maia, a amiga crente que nada tem de santa. O único problema do longa é o áudio que, sem legendas, faz com que a falta de qualidade técnica nos faça perder uma ou outra fala. Falta de verba é o nome desse problema recorrente no cinema brasileiro. Fora isso, o filme é ótimo. Ao final não temos como não pensar em quanto esse retrato reflete a hipocrisia brasileira e sua homofobia e falso moralismo inerentes. Um filme necessário, bem realizado, que merece ser visto.