10.3.24

“Pobres Criaturas” - Yorgos Lanthimos (EUA, 2023)

Sinopse:
Victoria (Emma Stone) cometeu suicídio, mas algo muito inesperado aconteceu com ela. Graças à mente brilhante e controversa do cientista Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), Victoria foi trazida de volta à vida passando a se chamar Bella Baxter. Agora, tudo o que ela mais deseja é descobrir o mundo. O que seu guardião não imaginava era que a jovem ressuscitada fugiria com um advogado (Mark Ruffalo) para uma dramática jornada de autodescoberta.
Comentário: Yorgos Lanthimos (1973) é um cineasta, produtor e roteirista grego. Já assisti dele 5 filmes: as obra-primas "O Lagosta" (2015) e “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017), os ótimos “Dente Canino” (2009) e "A Favorita" (2018) e o bom “Alpes” (2011).
Desta vez, Lanthimos vai nos contar a história de Bella, uma personagem feminina grávida que se joga de uma ponte. Baseado no livro homônimo de Alasdair Grey que referencia o clássico “Frankenstein”, o filme mostra um cientista esquisito e brilhante chamado dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), que encontra seu corpo e resolve fazer o experimento de transplantar o cérebro do bebê para o corpo da mãe e depois reanimá-la. O resultado é uma mãe-filha, que não é exatamente nem uma nem outra. Bella vai chamar o dr. Godwin apenas de God, o que vem a calhar, já que ela é a criatura e ele, o criador.
Fabiane Secches da Revista Cult nos conta que “O livro traz diferentes perspectivas e formas narrativas para contar a história (...): de desenhos anatômicos a mapas, passando por trechos escritos à mão. Ainda que a fidelidade à obra original não seja critério de aferição de qualidade de uma adaptação, Lanthimos, com a ajuda do roteirista Tony McNamara, consegue transpor para a tela esses elementos de forma integrada e harmoniosa. A única perda significativa é que Bella, no romance de Gray, também poderia ser lida como uma representação da Escócia como era vista pelo autor. Já Lanthimos escolheu a Inglaterra como ponto de partida de seu ‘Pobres Criaturas’. (...) Há outras referências importantes, sendo a mais óbvia ‘Frankenstein’ (1818), de Mary Shelley. Dessa vez, no entanto, a criatura é uma mulher. E essa diferença é explorada com complexidade pelo diretor e por Emma Stone, que está impecável no papel”.
Secches também nos conta que “em uma das premiações que recebeu pelo papel, Emma Stone disse que considera o filme uma comédia romântica: Bella se apaixona pela vida, e isso é um caminho sem volta. Descobrimos que a mulher que vivia no seu corpo antes, Victoria, não conseguiu vencer os obstáculos que se colocaram em seu caminho. Casada com um homem possessivo e conservador, a vida para Victoria perdeu todo colorido que Bella agora enxerga no mundo e do qual quer desfrutar vividamente”.
O filme, como tudo o que Lanthimos faz, foge bastante do convencional. Ele já abocanhou diversos prêmios, dentre eles, Melhor Filme de Musical ou Comédia e Melhor Atriz em Musical ou Comédia (Emma Stone) no Globo de Ouro. Agora está indicado a 11 categorias do Oscar: Melhor Filme, Melhor Direção (Yorgos Lanthimos), Melhor Atriz (Emma Stone), Melhor Ator Coadjuvante (Mark Ruffalo), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Trilha Sonora, Melhor Figurino, Melhor Design de Produção, Melhor Montagem, Melhor Fotografia e Melhor Maquiagem e Cabelo.
O que disse a crítica: Barbara Demerov da Revista Veja avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “A protagonista levanta questionamentos sobre individualidade, gênero e empoderamento sexual. (...) Bella vive uma dualidade entre se libertar dos homens e se submeter às vontades deles em busca de sua independência. Independentemente de pautas sociais, o filme constrói o retrato de uma jovem inexperiente enfrentando e reagindo aos dilemas do viver. O arco da personagem pode ser claramente visualizado por meio da atuação espetacular de Emma Stone. O modo de falar, os trejeitos e até o sotaque britânico (a atriz é norte-americana) são certeiros e mostram seu entusiasmo pelo papel. O estilo já característico de direção de Yorgos Lanthimos contribui para a criação de uma atmosfera fantástica. Por meio de recursos visuais e sonoros, como o uso de lentes ampliadoras e trilhas excêntricas, o espectador faz um verdadeiro mergulho à personagem e à trama”.
Bruno Botelho dos Santos do site Adoro Cinema avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Temos [no filme] uma exploração intelectual da protagonista, quando conhece diferentes perspectivas do mundo real (em aspectos positivos ou negativos), assim como de sua sexualidade – que é uma parte fundamental do filme, desde sua descoberta até vivenciar livremente seus desejos. Em tempos que as redes sociais discutem se as cenas de sexo são necessárias ou não nas narrativas, Yorgos não tem pudor em mostrá-las e, mais importante, faz sem um olhar moralista ou fetichista sobre a protagonista feminina. (...) Inclusive, a escolha de ambientação do filme na Era Vitoriana não é uma mera coincidência no enredo, já que o período entre 1837 e 1901 no Reino Unido ficou marcado pelo conservadorismo, quando as mulheres eram discriminadas e marginalizadas socialmente”. E finaliza dizendo tratar-se de “ uma verdadeira odisseia deslumbrante e excêntrica”.
O que eu achei: Sabe aqueles filmes tipo “Mãe!” do Aronofsky que você ou ama ou odeia? É o caso deste. Eu, que sou fã de carteirinha de “Mãe!”, terminei de assistir a este “Pobres Criaturas”, com o mesmo encantamento do outro. Ambos, para mim, duas obras-primas. O enredo é como uma versão feminina de “Frankenstein”, no qual Willem Dafoe, excelente como sempre, interpreta algo como um Victor Frankenstein, o médico que cria diversos seres modificados como o pato-cachorro, por exemplo. Meu marido, na hora, lembrou do filme “A Ilha do Dr. Moureau”, inspirado no livro de H. G. Wells. A humana modificada fica a cargo da Emma Stone interpretar. Com um cérebro de criança num corpo feminino, a personagem convence nos trejeitos infantis que, ao longo da trama, vão evoluindo para um interesse sexual sem filtros. Há no filme muitas cenas de nudez e sexo, o que pode afastar parte da plateia, mas tudo isso corrobora com os temas aqui tratados como a pobreza, a prostituição, o feminismo e os relacionamentos abusivos. Creio que ela tenha grandes chances de ganhar o Oscar de Melhor Atriz. O visual do filme é outro ponto forte. Há diversas passagens bem deformadas registradas com lentes grande-angular olho-de-peixe. Parte dele é rodada em P&B e parte num colorido bem artificial, que combina fortemente com o realismo fantástico que o universo da trama nos apresenta. Atenção à pegada retro-futurista (elementos futuristas dentro de uma trama que se passa na era vitoriana), à trilha sonora bem elaborada, à cantora portuguesa Carminho interpretando o fado “O Quarto” e à cena impagável da dança entre Bella e seu amante (interpretado pelo Mark Ruffalo). Imperdível.