24.2.24

“Afire” - Christian Petzold (Alemanha, 2023)

Sinopse:
Em uma pequena casa de férias no Mar Báltico, onde os dias são quentes e não chove há semanas, quatro jovens (Paula Beer, Thomas Schubert, Enno Trebs e Langston Uibel) se reencontram, velhos e novos amigos. A floresta seca ao redor deles começa a pegar fogo gravemente, assim como suas emoções: felicidade, luxúria, amor, ciúmes e ressentimentos.
Comentário: Christian Petzold (1960) é um cineasta e roteirista alemão, considerado um dos principais expoentes do movimento cinematográfico contemporâneo conhecido como Escola de Berlim. Ele já dirigiu em torno de 15 filmes. Assisti dele apenas o bom “Phoenix” (2014).
Ricardo Daehn do site Correio Braziliense nos conta que “É na região da Pomerânia, numa área entre a Polônia e a Alemanha, que o premiado diretor Christian Petzold ambienta o mais recente filme, ‘Afire’, numa imediata tradução - em combustão. Às margens da abundância do Mar Báltico, se dá o enredo que, em certa medida, cita Pompeia e o desastre romano com a erupção do Vesúvio. Uma floresta que abriga os personagens vem sendo ameaçada por intensos focos de incêndio. Prêmio do júri no último Festival de Cinema de Berlim, ‘Afire’, estrelado por Paula Beer (vencedora do troféu de atriz, em Berlim, pelo filme anterior de Petzold, ‘Undine’), que dá vida à despojada Nadja, e Thomas Schubert, na pele do introvertido Leon, o longa costura um drama pesado com a frutífera relação de todos com as artes. Leon, com o amigo Felix (Enno Trebs, visto, em criança, no emblemático longa ‘A Fita Branca’), no enredo, se recolhe no interior; ele, a fim de escrever o segundo romance e, o outro, querendo montar portfólio de imagens. No fundo, Leon tem gritante relutância em se relacionar, o que limita seu crescimento e maiores vivências, um entrave para sua produção literária. A chegada inesperada do salva-vidas Devid (Langston Uibel) complica todo o cenário, já confuso pela obrigatoriedade de Felix e Leon dividirem a casa de temporada com Nadja. Em muitos aspectos, o drama alemão faz lembrar um filme americano feito em 1993: ‘Três Formas de Amar’, estrelado por joviais Stephen Baldwin e Lara Flynn Boyle. Em meio a descobertas em alojamentos de universidade, aqueles antigos personagens se viam inspirados pelo contato com uma estátua; em ‘Afire’, é a literatura que alimenta camadas de emoções, numa trama que ainda bebe da fonte das estátuas de ‘Jardim dos Fugitivos’ (numa referência aos romanos mortos em incêndio). Explorador de mitos e de temáticas modernas, como conferido em filmes como ‘Barbara’, ‘Em Trânsito’ e ‘Phoenix’, Petzold traz muita reflexão, a partir do personagem Leon que, a todo momento, refuga a vida, repetindo: ‘O trabalho não (me) permite’”.
Numa entrevista concedida à Folha SP, o diretor declarou que “foi lendo uma história infantil para seus filhos pequenos dormirem que Christian Petzold se deparou com a palavra ‘totenstill’, traduzida do alemão como ‘silêncio absoluto’. ‘Mas silêncio é uma coisa que você pode ouvir’, expliquei a eles. (...) 'Alguns anos depois, as crianças entenderam o real significado da palavra, durante férias familiares em uma região da Turquia que acabara de ser devastada por incêndios florestais. Não havia som algum. Fiquei pensando na pergunta dos meus filhos, ‘isso é totensill?’ que, no fundo, significa, ‘temos um futuro?’. Foi este episódio que serviu de inspiração para “Afire”.
O que disse a crítica: Barbara Demerov da Revista Veja avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Disse: “Algumas sinopses escondem o que um filme pode entregar por completo. A de ‘Afire’ definitivamente esconde seu tesouro. Isso porque o filme, que se inicia com uma viagem de férias entre amigos, aparenta não evoluir tanto num primeiro momento – quando, na verdade, o diretor Christian Petzold já está fabricando camadas profundas e existenciais. (...) Petzold é extremamente talentoso em encaixar todas as peças da história com o maior cuidado, mantendo o espectador no mesmo ambiente e observando tudo mudar de forma repentina. E as atuações de Paula e Schubert tornam tudo ainda mais intenso”.
Wendy Ide do site The Guardian também avaliou com 4 estrelas. Escreveu: “Com a tensão sexual agitada, os acessos de raiva perpetuamente latentes de Leon e o escapismo arejado das cordas da harpa dedilhadas na partitura, é fácil esquecer que um incêndio florestal está cada vez mais próximo. Talvez um pouco fácil demais – detalhes como a qualidade do ar e o brilho sombrio das chamas são registrados apenas de passagem. Mas talvez esse seja o ponto. Afinal, é uma imagem potente: os personagens estão na linha de frente de uma emergência climática. E eles estão alheios, incapazes de compreender a ameaça até que seja tarde demais”.
O que eu achei: A sinopse dá a entender que será um filme leve e divertido, afinal dois jovens amigos de infância vão passar alguns dias na casa de praia: um para finalizar a escrita de um romance e o outro para fazer um ensaio fotográfico. Na casa eles encontram Nadja, uma estudante de literatura que trabalha como sorveteira e está de caso com o salva-vidas da cidade. Só que nada é divertido nesse filme. Na floresta próxima à casa ocorre um incêndio de grandes proporções que preocupa. Além disso, Leon, o personagem principal que está a escrever um romance, não está muito a fim de papo pois afinal ele está lá pra se concentrar no que realmente importa: seu livro. Mas como escrever algo que presta olhando apenas para seu próprio umbigo? Ele não sabe nada sobre seu amigo de infância, não está interessado no seu ensaio fotográfico, nem em fazer reparos na casa, não está interessado na crise climática, nem nos outros personagens. É um filme cheio de camadas que fala sobre egocentrismo, narcisismo, mortalidade e processo criativo. Petzold não é meu diretor preferido e o filme em si não irá cativar a todos, mas não dá para negar que é um bom estudo de personagens.