20.2.24

“Moonage Daydream” - Brett Morgen (Alemanha/EUA, 2022)

Sinopse:
Documentário-concerto que segue a vida e a carreira musical de David Bowie. O filme explora a jornada criativa, musical e espiritual do artista icônico e ilumina não apenas a vida, mas também a personalidade de Bowie, que trabalhou principalmente na música e cinema - mas também explorou outras formas de arte ao longo de sua vida, incluindo dança, pintura, escultura, colagem, audiovisual, roteiro, atuação e teatro.
Comentário: Brett D. Morgen (1968) é um diretor e produtor documental e comentarista social americano. Ele já produziu 16 longas (dentre eles documentários sobre Curt Cobain, Rolling Stones, Andy Summers e a banda The Police) e três séries de TV. “Moonage Daydream” (2022) é um documentário sobre o músico inglês David Bowie. O título vem de uma canção de sua autoria lançada em 1972 no álbum “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars”.
Segundo Lucas Reis do site Cineplayers, “David Bowie foi um dos artistas pop mais icônicos da segunda metade do século XX. Sempre se reinventando, ficou conhecido e foi celebrado pelos personagens que criava. Suas roupas chamativas e declarações estremeciam a conservadora sociedade britânica. Mais que isso, foi um artista radicalmente criativo que fez algumas das mais importantes canções do rock mundial, atuou em diversos filmes, arriscou-se na pintura, fez trabalhos memoráveis explorando a videoarte, além de roteiros para o cinema. É difícil pensar em outro artista com uma carreira tão prolífica e bem-sucedida como Bowie”.
Para Reis, “a tarefa do diretor Brett Morgen [em tentar retratá-lo num documentário] parece ingrata. Como fazer um filme sobre a vida do ‘camaleão do rock’? A proposta de Morgen é aceitar o caos e acentuar que a desordem é a única maneira de adentrar no universo artístico de Bowie. Sua visão é fundamental para captar a essência de um personagem tão singular no universo pop. Daí, surgem classificações esquizofrênicas para ‘Moonage Daydream’ como documentário-musical-experimental, por exemplo. No fim das contas, tal classificação tresloucada parece encontrar uma possibilidade de definição, embora o filme seja muito mais do que isso e as especificações protocolares servem para indicar como o trabalho de Morgen é capaz de fugir das classificações óbvias. A proposta de Brett Morgen dá uma dimensão real do artista. É um filme que se preocupa menos com fatos da vida do biografado e mais com um esforço para escavar seu gênio artístico. Afinal, se há um filme sobre Bowie, é por conta da sua carreira como cantor, ator, videoartista e tantas outras atividades às quais se dedicou com muito talento. A produção do artista - o que importa, de fato - é a base para a realização da obra. A forma é fundamental para ‘Moonage Daydream’ se estabelecer como um trabalho que valoriza a carreira de Bowie. Experimentalismo, colagens, sobreposições de imagens, ruídos, registros de época, sequências de filmes clássicos ou imagens reconhecíveis para a maioria dos espectadores inundam o filme de uma energia pop que estava no cerne do trabalho do artista. Não há espaço para uma linha do tempo teleológica (início, meio e fim), a partir de uma sucessão de fatos que condensariam toda uma vida em momentos supostamente importantes. (...) O próprio filme se arquiteta a partir da forma como o artista se manifestava”.
Numa entrevista concedida por Morgen, o diretor declarou que “’Moonage Daydream’ foi criado e projetado não para ser um filme biográfico, mas para ser uma experiência cinematográfica imersiva que convida o público a nadar por duas horas na mente e imaginação criativa de David Bowie”. Ele disse que, “foi inacreditavelmente desafiador tentar escrever uma narrativa que não se parecesse com uma narrativa. Você sabe, sem ter a coisa biográfica, a Wikipedia, o ‘segue o fio’. Mas David Bowie - um dos traços únicos dele é que sempre foi como um enigma, sempre foi meio misterioso, e essa é a mágica sobre ele”. E completa dizendo: “Eu não quero ir ao cinema e ver pessoas falando. Não é nisso que estou interessado. As pessoas podem fazer isso, mas não sei por que isso estaria em um filme… Eu queria criar um espetáculo. Para mim, este foi o meu filme da Marvel. Bowie foi um herói para mim melhor que o Thor; ele era um herói para mim melhor do que qualquer um dos personagens da Marvel. Ele fez coisas que nenhum outro humano fez”.
O que disse a crítica: Caio Coletti do site Omelete avaliou o documentário com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “Conforme a vida de um dos maiores astros do rock e ícones pop do século XX passeava pela tela, em todas as suas indefectíveis metamorfoses, o que subiu para a superfície foi o senso de brincadeira irredutível que permeava tudo o que Bowie fazia com sua arte e sua celebridade. (...) O único grande pecado de ‘Moonage Daydream’ é não dar ao trabalho de Bowie nos anos 2000 e 2010 a suma importância e vitalidade que ele teve. É fácil perdoar o filme, no entanto, porque ele imbui da mesma curiosidade e honestidade que guiou as explorações do artista que retrata. Recorrendo a animações rudimentares muito eficientes e a excelentes remixes das faixas clássicas de Bowie (pelas mãos do produtor Tony Visconti), ‘Moonage Daydream’ é bem sucedido no que importa: nos dar uma noção sólida, tão sólida quanto poderemos ter deste lado da tela, de como Bowie se movimentou pelo mundo e pelo tempo”.
Paulo Santos Lima da Folha SP avaliou com 5 estrelas, ou seja, obra-prima. Disse: “Bowie teve uma extrema autoconsciência de seu estar em cena - e estar no mundo. Não foi apenas um músico, instrumentista e cantor, mas um mestre de palco, espécie de mago experiente nas artes da mímica, do teatro minimalista e da oratória. (...) O filme de Brett Morgen aposta numa trama de imagens extremamente imersiva, tonificada pela tecnologia das telas e sons à altura do Olimpo. (...) Vê e idolatra, pois o longa tem a extrema elevação de falar mais detidamente aos órfãos deste que é um dos grandes artistas da história do mundo e não necessariamente acenar aos não convertidos”.
O que eu achei: Classificar esta obra é tão difícil quanto classificar o artista David Bowie. É documentário, é clip musical, é um trabalho de colagem. Alguns estão chamando de documentário-musical-experimental por conter de tudo um pouco, ou melhor, conter tudo ao mesmo tempo agora, pois assim que o filme começa você embarca numa viagem quase psicodélica que mistura ruídos, registros de época, entrevistas e sequências de filmes clássicos. O resultado é excelente. Você não se entedia em nenhum momento e vai tentando pescar aqui e ali um ou outro dado que te faça finalmente compreender quem foi esse gênio da música. É um filme imersivo que, como disse Igor Miranda no seu site sobre música e jornalismo: “é o filme que David Bowie faria sobre si”. Imperdível.