13.2.24

“Anatomia de Uma Queda” - Justine Triet (França, 2023)

Sinopse:
Sandra (Sandra Hüller), Samuel (Swann Arlaud) e seu filho deficiente visual, Daniel (Milo Machado-Graner), moram em um local remoto nas montanhas há um ano. Quando Samuel é encontrado morto fora de casa, inicia-se uma investigação de morte em circunstâncias suspeitas. Em meio à incerteza, Sandra é indiciada: foi suicídio ou homicídio? Um ano depois, Daniel assiste ao julgamento de sua mãe, uma verdadeira dissecação do relacionamento de seus pais.
Comentário: Justine Triet (1978) é uma cineasta, roteirista e editora francesa. São dela os documentários “Solférino” (2009) e “Sombras na Casa” (2010) e os longas “A Batalha de Solférino” (2013), “Na Cama com Victoria” (2016) e “Sibyl” (2018), dentre outros. “Anatomia de Uma Queda” é o primeiro filme que vejo dela.
Carlos Helí de Almeida do Jornal O Globo nos conta que o filme se passa em “um chalé isolado em uma das montanhas nevadas dos Alpes, [nele estão] uma escritora de histórias violentas, uma criança com deficiência visual e o seu cão fiel, e o corpo do marido dela, estatelado diante da casa, como tivesse se atirado ou sido empurrado lá de cima. Combinação perfeita para mais um exemplar do gênero ‘true crime’, que enche as grades no streaming, ou para as tramas policiais das salas de cinema. Mas ‘Anatomia de Uma Queda’ (...) se esquiva de todos os clichês do gênero ‘quem matou fulano?’ e concentra-se no que cada personagem revela ou omite sobre eles mesmos (...)”.
Numa entrevista concedida pela diretora ela diz que a história é ficcional, porém baseada em casos reais contados por magistrados e completa: “Os cinemas e, principalmente, as plataformas digitais já estão abarrotados de thrillers criminais. Queríamos fazer algo diferente. Desde o início, a ideia era contar uma história em que não houvesse muitas imagens, ao contrário dos filmes que retratam investigações e julgamentos dos envolvidos em um determinado crime, onde há todo tipo de flashbacks, e você vê a vida daquelas pessoas passando diante dos seus olhos. Poderíamos ter feito algo mais fácil, mostrar a vida pregressa dos personagens em diversas sequências. Mas tudo em ‘Anatomia de Uma Queda’ se baseia na ausência, e não no que é exibido”.
Segundo Almeida, “Até mesmo a ‘queda’ do título é menos sobre a literal, e mais sobre o lento declínio de um casamento minado por traições e ressentimentos. (...) Suicídio ou assassinato? Não importa, Sandra torna-se a figura-chave na investigação e no torturante julgamento, que acaba expondo a intimidade do casal. O promotor está ansioso para retratar a escritora como uma esposa autoritária, infiel e antiética, que levou o marido ao desespero, e o matou num ataque de paixão. Com a ajuda de seu advogado, Sandra tenta se defender e apresenta uma versão do marido como alguém frágil e decepcionado com a vida. Diante do tribunal, cada decisão tomada durante todo o seu casamento é examinada e revirada em público por pessoas que nunca a conheceram, ou a seu marido e seu filho”.
O filme, cujo roteiro foi feito pela diretora em parceria com seu marido Arthur Harari, já venceu diversos prêmios importantes como a Palma de Ouro do Festival de Cannes, o European Film Awards, o Globo de Ouro e o Critcs Choice Awards. Agora ele segue em direção ao Oscar onde irá concorrer à Melhor Filme, Melhor Atriz (Sandra Hüller), Melhor Direção (Justine Triet) e Melhor Roteiro Original.
O que disse a crítica: Bruno Carmelo do site Meio Amargo avaliou com 4 estrelas, ou seja, ótimo. Escreveu: “a diretora Justine Triet dribla habilmente os clichês de Hollywood e conta com uma atuação magistral de Sandra Hüller no papel principal para despertar uma série de hipóteses ambíguas ao espectador”.
Marcelo Müller do site Papo de Cinema avaliou com 4 estrelas e meia, ou seja excelente. Ele dá uma dica para você usufruir plenamente do filme: “se desarme e preste atenção naquilo que a trama comunica nas entrelinhas, no que deixa subentendido com exímia perícia. No fim das contas, pouco importa se Sandra será absolvida ou condenada, pois o resultado é ditado pelas mise en scènes e pela consistência dos convencimentos que podem demolir tanto as convicções quanto as provas supostamente cabais (como as imagens, os padrões de respingo de sangue, a lógica, etc.). (...) Justine Triet utiliza essa tensão entre ficção e realidade para tornar ainda mais profunda e densa a discussão estimulante sobre verdades e mentiras. Enredados nesse jogo de gato e rato, submetidos a diversas versões e indícios que se alternam como provas ‘irrefutáveis’, somos fisgados pela convenção da investigação criminal, depois pela envolvente batalha no tribunal, mas o filme fala da fragilidade do próprio conceito de verdade”.
O que eu achei: Trata-se de um filme de tribunal: um homem morreu e não se sabe se ele se matou ou se foi assassinado. A principal suspeita é sua esposa, Sandra (interpretada magistralmente pela atriz alemã Sandra Hüller), pois na casa só estavam ela e o filho de 11 anos Daniel (Milo Machado-Graner), que sofre de deficiência visual. Se a Sandra Hüller arrasa na interpretação, Milo Machado-Graner, do alto dos seus atuais 15 anos de idade, não fica atrás, parecendo um ator consagrado há anos. Além dos atores, “Anatomia de Uma Queda” acerta em cheio no roteiro. Você até saberá no final o veredicto da investigação, mas o que mais interessa no filme é o processo de escancaramento que o julgamento trará. A alma de Sandra será dissecada na frente de todos. Ela será julgada não só pela suspeita de crime como também por ser uma esposa que teve mais sucesso profissional (ela é escritora) que o marido, será julgada pela sua sexualidade, pela capacidade de ser mãe e por tudo mais que a sociedade machista aprova ou abomina em uma mulher. E tudo isso na frente do filho ainda criança que terá que elaborar tudo o que está sendo dito. Que filme!!!! Não à toa já abocanhou diversos prêmios e agora segue em direção ao Oscar. Fazia tempo que eu não me deparava com algo tão bem resolvido! Parabéns à Justine Triet por nos apresentar essa maravilha. Olho nela pois essa diretora promete.