11.2.24

“Tia Virgínia” - Fábio Meira (Brasil, 2022)

Sinopse:
 
Tia Virgínia (Vera Holtz) está com 70 anos de idade. Ela não tem nenhum filho, nunca se casou, e acaba sendo convencida pelas irmãs Vanda (Arlete Salles) e Valquíria (Louise Cardoso) a se mudar para outra cidade a fim de cuidar dos pais. Perto do Natal, Virgínia, que agora cuida da mãe (Vera Valdez) em estado terminal, recebe suas duas irmãs para comemorar o Natal.
Comentário: Fábio Meira (1979) é um diretor e roteirista brasileiro, começou no cinema em 2003 como assistente de Ruy Guerra. No mesmo ano se mudou para Cuba e integrou a Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de Los Baños. Trabalhou também como assistente de Fernando Trueba e foi aluno de Gabriel Garcia Marquez e Abbas Kiarostami em oficinas de escrita. Dentre seus filmes como diretor estão diversos curtas e os longas “O Discreto Charme de Uma Campeã” (2015) e “As Duas Irenes” (2017). “Tia Virgínia” é o primeiro filme que vejo do diretor.
Segundo o site Wikipédia, o roteiro de ‘Tia Virgínia’ foi concebido por Fábio Meira, que também assina a direção e a produção do filme. A obra é uma fusão de homenagem, ficção e elementos biográficos de sua própria família. O diretor compartilha que em sua família, cada membro reside em um local distinto. Ele conta que ao longo de duas décadas, as reuniões eram limitadas ao mês de dezembro, com a frequência diminuindo. Com o desejo de realizar esse filme há mais de 20 anos, Fábio Meira começou a escrevê-lo em 2013, após ganhar um edital. Na época, o argumento do filme ainda não estava claro, levando-o a empreender uma viagem de ônibus de São Paulo a Minas Gerais. Durante o percurso, fez paradas para visitar suas quatro tias e sua mãe, registrando suas histórias e sonhos não realizados diante de uma câmera. Ele decidiu contar a história através da perspectiva da filha solteira, em um dia que antecede o Natal, acreditando que esse período, especialmente para pessoas que não se veem regularmente, intensifica as emoções. Os relatos das mulheres revelaram as dificuldades enfrentadas ao longo de suas vidas, destacando o cerco mais restrito imposto às mulheres. Mesmo apresentadas de maneira não tão favorável, as personagens enfrentam pressões externas que as obrigam a obedecer aos papéis predeterminados pela sociedade patriarcal. O diretor compartilha a emoção de ouvir essas mulheres, notando como, ao ligar a câmera, sua tia mais velha já se emociona e chora ao se apresentar. Essas mulheres, muitas vezes não ouvidas, compartilham experiências marcantes, destacando a submissão ao patriarcado que as afeta, mesmo para aquelas casadas, cujas preocupações muitas vezes se limitam à comida e às despesas, em detrimento de suas próprias emoções.
O filme - que tem no elenco Vera Holtz, Arlete Salles e Louise Cardoso - é produzido pela Roseira Filmes (produtora do cineasta Fábio Meira) e pela Kinossaurus, empresa dos cineastas Ruy Guerra e Janaina Diniz. As gravações do filme ocorreram na cidade de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro.
No Festival de Gramado o filme ganhou cinco Kikitos: Melhor Atriz (Vera Holtz), Melhor Direção de Arte (Ana Mara Abreu), Melhor Desenho de Som (Rubem Valdés), Menção Honrosa (Vera Valdez) e Melhor Filme pelo Júri da Crítica.
O que disse a crítica: Frederico Franco do site Plano Crítico avaliou com 3,5 estrelas, ou seja, muito bom. Escreveu: “’Tia Virgínia’ não é exatamente sobre Virgínia. É sobre como sua família disfuncional a fez ser como ela é”. E finaliza dizendo: “’Tia Virgínia’ pode se perder um pouco em algumas sequências que vão para o lado contrário do humor absurdo, mas definitivamente é um filme que, quando acerta, acerta forte. Arlete Salles e Louise Cardoso entregam sólidas atuações, mas Vera Holtz eleva (e muito) o nível do filme. Assim como Virgínia, Holtz é a dona absoluta do filme”.
Robledo Milani do site Papo de Cinema avaliou com 4,5 estrelas, ou seja, excelente. Disse: “Vera Holtz nasceu para ser tia Virgínia, tanto pelo humor que permite transparecer a cada fala enunciada, como também pelas segundas intenções que esconde por trás de uma simpatia calculada. A atriz se mostra à vontade tanto gargalhando até cair, como nos enfrentamentos movidos por rancores mal resolvidos ou anseios nunca realizados. Arlete Salles e Louise Cardoso não ficam para trás, compondo um trio de acertos e afinada sintonia, mais pelo não dito do que pelas passagens nas quais tentam almejar uma falsa tranquilidade nunca alcançada. Com participações luxuosas de Antonio Pitanga e Vera Valdez (que chegou a filmar com Roberto Santos e Walter Hugo Khouri), o elenco se mostra um dos maiores méritos dessa obra tão provocadora quanto envolvente. Mas talvez não tanto quanto o roteiro que abraça sem ressalvas ou hesitações, com cada um em cena tomando para si um ser pulsante e inquieto, os dramas e insatisfações desse, e a disposição para o enfrentamento que volta e meia emerge de um mergulho profundo para se mostrar válido e urgente. Tão pequeno e singelo, e ao mesmo tempo gigante e de fácil identificação”.
O que eu achei: Acostumados como estamos a assistir produções estrangeiras, muitas delas superproduções milionárias, é impossível não notar os problemas técnicos que o cinema nacional enfrenta, seja na parte visual, seja na sonora. “Tia Virgínia” também enfrenta essas dificuldades. Porém, o filme em si, é sensacional, pois ele retrata exatamente o que muitas famílias passam quando filhas mulheres envelhecem e precisam cuidar do pai ou da mãe extremamente idosos - no filme o pai é recém falecido, mas a mãe está beirando os 100 anos e sofre de demência. Importante salientar como o patriarcado faz com que esses problemas domésticos sejam exclusivamente das mulheres. No filme são três irmãs – Vanda (Arlete Salles), Virgínia (Vera Holtz) e Valquíria (Louise Cardoso) – que se encontram nessa situação. Por ser a única solteira e sem filhos, elegem Virgínia para morar com a mãe em sua casa no interior, abdicando de sua própria vida, amizades, talentos e sonhos, para se dedicar exclusivamente a ela, enquanto suas irmãs – casadas e com filhos – levam suas vidas normalmente. Quem nunca viu ou viveu uma situação semelhante à essa? É Natal, todos se reúnem e a panela de pressão, cheia de ressentimentos, está prestes a explodir. No elenco, além dessas três atrizes talentosas que dispensam apresentações, estão Antonio Pitanga e Vera Valdez. Atenção também à trilha sonora que conta com canções como “Cais” e “Um Gosto de Sol” de autoria de Milton Nascimento. Super recomendo.