10.8.14

"Quanto vale ou é por quilo?" - Sérgio Bianchi (Brasil, 2005)

Sinopse: O filme traça um paralelo entre a vida no período da escravidão e a sociedade brasileira contemporânea, focando as semelhanças existentes no contexto social e econômico das duas épocas. Apontando a câmera para a falência das instituições no país, o filme faz uma analogia entre o antigo comércio de escravos e a exploração da miséria pelo marketing social: a solidariedade de fachada.
Comentário: Segundo Marcelo Hessel e Danilo Corci do site Omelete, "em 'Quanto vale ou é por quilo?' Bianchi utiliza-se do recurso de histórias intercaladas para, mais uma vez, apontar o dedo acusatório contra seu segmento preferido para levar pancadas: a classe média. E ironiza um elemento social de benemerência quase intocável: o terceiro setor. Na visão de Bianchi, ONGs são terreno fértil de corrupção, caixa dois, projetos falidos que só servem para contabilizar a pobreza como forma de negócio. Pior. São uma forma de perpetuar a miséria - daí as comparações com o período escravagista do país. Livre adaptação do conto machadiano 'Pai contra mãe', o filme começa no século XVIII, quando senhores atrelavam ao custo da liberdade de seus escravos um juro crescente ao ano. O que parecia boa vontade virava negócio muito lucrativo - coisa que Bianchi mostra acontecer hoje em dia, quando uma ONG fictícia superfatura a doação de computadores bichados a uma escola de favela. No período colonial, para sobreviver decentemente, negros viravam capitães-do-mato para caçar escravos fugidos. Bianchi também espelha o caso negro-contra-negro dos dias de hoje. O caçador virou matador de aluguel. É o desfecho dramaticamente poderoso de um filme que até então se escora mais no sarcasmo - mais uma vez para mostrar que no Brasil nada muda, nunca. Tudo é negócio para a classe média enfastiada, atrás de alívio de consciência, de posar com o menino carente em fotos oficiais, uma cultura que cresceu no país da era FHC: onde o estado é incompetente, coloque-se lá você (de preferência com um bom projeto que consiga a famosa captação de cifras do governo rapidamente). A sugestão é a ferramenta de Bianchi, um ótimo provocador, geralmente inconsequente. Ele evita encerrar discussões, tanto que deixa pontos abertos a uma ou duas interpretações - quem acompanhar os créditos finais saberá. O saldo pende mais para o cinismo do que para o drama, mas é de humor mesmo, de brincadeiras com fundo de verdade, que precisamos para esquecer da nossa eterna vocação para perdedores." Polêmicas à parte - pois existem ONGs e ONGs - o filme é bom.